SBSR dia 3: cavalheiros e foras-da lei


O calor não estava um terror das arábias mas o sol sempre gostar de ser um chato despertador. Bem ao jeito daquelas músicas que, depois de um tempo a servirem de banda sonora do nosso acordar, passamos a odiar eternamente. Mas com os chuveiros bem ao pé, nada como um banho de água gelada para…


O calor não estava um terror das arábias mas o sol sempre gostar de ser um chato despertador. Bem ao jeito daquelas músicas que, depois de um tempo a servirem de banda sonora do nosso acordar, passamos a odiar eternamente. Mas com os chuveiros bem ao pé, nada como um banho de água gelada para recuperar as energias de um segundo dia de festival cansativo. Mas deixemo-nos de lamúrias que já sabíamos ao que vínhamos. Quem decide acampar assina um contrato de deterioração do intelecto e já agora do coiro. As costas não vão ser as mesmas, é provável que se perca peso – ponto a favor daqueles que precisam de uma dieta – e a noção exacta das horas.

 

Somos mais fortes que isso e há coisas que compensam. Aloe Blacc, por exemplo, a encantar um público que, no pico da noite, esteve em maior número que no dia anterior (26 mil marcaram presença). Voz no ponto, companhia de palco mais que perfeita e o artista, que também dança, fica-lhe bem, a declarar o amor por um público também apaixonado, coisa bonita.

 

Numa morada mais acima, os Litte Dragon chegaram de armas na mão, com sintetizadores que davam a volta ao mundo e voltavam. Um concerto a pedir menos sol – “este concerto não devia ser tão cedo”, dizia um esforçado dançante de fim de tarde – mas com a receita rítmica acertadíssima. Como costuma ser a de Annie Clark, mais conhecida como St.Vincent mas que, desta vez, perdeu pontos para uns quantos problemas técnicos. Mas no final das contas, quem tem boas canções tem sempre vantagem. Uma artista que passa por territórios distintos dentro da pop alternativa e sem sair do mesmo palco. Não é para todos nem de longe, que se retribua a dedicação a quem lhe presta vassalagem com um crowdsurf feito de atitude, pois então.

 

No palco principal começava então um dos momentos da noite, com Peter Gabriel e a New Blood Orchestra, que motivavam a enchente do festival (e a mudança de Skrillex para o palco EDP, tal o aparato do britânico). Sem correrias e com electricidade controlada, a deixar margem para perguntas como “porquê este concerto aqui”. Mas com uma actuação imaculada, a tornar óbvias as múltiplas dimensões das suas canções sem esforço. Todos os sentidos colocados no percurso de um pioneiro pop, revistos e reinventados à nossa frente. Se isto não é um privilégio…

 

Ali estávamos, por ali ficámos, que havia a estreia dos Shins em Portugal para testemunhar. Belo o pensamento, melhor a concretização, mas não para todos, os que se despediram do Meco depois de Peter Gabriel e os que, movidos a febre dançante, procuravam já reservar-se (e a um lugar de respeito) para os devaneios de Skrillex. E os Shins não mereciam, entre a delicadeza e a honestidade de canções que tanto embalam como destilam energia. Fazem-no ao vivo, ainda que esperássemos mais idas ao inferno entre os tiques de anjo indie que ninguém nega ao patrão James Mercer. Mas sem grandes queixas, que ainda as descobrem e dizem “não” a um regresso para muito breve.

 

Como fez Regina Spektor, por exemplo, que insiste em não desiludir de cada vez que passa por Portugal. Ficam-lhe bem os tiques de fragilidade, que não mascaram em nada a atitude ímpar que a acompanha sempre. Ouvimo-la em disco e em palco está tudo ali à nossa frente.

 

Enfim, Skrillex, para dizer adeus com uma electrónica do inferno que não admite meio termo à pergunta “é isto que nos move”. Em havendo resposta afirmativa, não falta ingrediente nenhum. Farra juvenil em doses industriais para deliciar foliões, previsibilidade de excesso dançante para afastar outros. Em ambos os casos, um “até para o ano” de excessos, como interessa para o cenário em causa.