Retalhos da vida de um médico. Quando se troca uma carreira promissora por um hospital de província


Tem 36 anos e deixou para trás muitas oportunidades de emprego. Podia ter construído uma carreira num grande hospital ou ganhar um salário maior no Litoral. Mas assim que acabou a especialidade de Cuidados Intensivos no Porto, Domingos Fernandes, o actual director da Unidade Local de Saúde (ULS) do Nordeste, decidiu regressar às origens. E…


Tem 36 anos e deixou para trás muitas oportunidades de emprego. Podia ter construído uma carreira num grande hospital ou ganhar um salário maior no Litoral. Mas assim que acabou a especialidade de Cuidados Intensivos no Porto, Domingos Fernandes, o actual director da Unidade Local de Saúde (ULS) do Nordeste, decidiu regressar às origens. E a realidade que encontrou em Bragança, há 12 anos, não era à partida promissora. O maior problema era a enorme dispersão geográfica do distrito: muitos utentes – a maioria idosos – viviam a mais de uma hora do hospital.

Mesmo assim, o director da ULS – um dos mais jovens do país – abraçou o projecto, inicialmente como médico. “Tinha outras propostas fora, mas senti que era importante garantir a equidade dos cuidados de saúde. Sabia que era possível tratar tão bem os doentes no Interior como no Litoral e quis contribuir para que isso fosse possível”, justifica. Mais de uma década depois, a realidade mudou. Os hospitais de Trás-os-Montes cresceram e abriram novas valências – a última novidade é a Unidade de Cuidados Intensivos. E há um ano nasceu a ULS, que congrega três hospitais, 15 centros de saúde e emprega 201 médicos.

O que não mudou foi o perfil dos doentes: a população está cada vez mais envelhecida. “Com tudo o que isso implica em termos de doenças e de cuidados de saúde primários”, explica o director. Além disso, muitos dos utentes têm baixos recursos financeiros e a dispersão mantém-se. A ULS do Nordeste serve 142 mil habitantes – o que, a título de exemplo, corresponde a metade dos utentes da ULS de Matosinhos –, mas ocupa 40% da área geográfica do Norte do país.

o Preconceito Depois da criação de novos serviços e de novas valências, existe agora um obstáculo difícil de ultrapassar: o estigma em relação ao Interior. “Em Trás-os-Montes, as pessoas vivem estigmatizadas com o que existia há 20 anos, quando a verdade é que hoje conseguimos oferecer um tratamento integral aos doentes”, garante Domingos Fernandes. Na última década, as equipas de médicos dos vários serviços foram criando novas oportunidades. “Tem sido quase como construir um castelo com legos: hoje consegue-se uma peça, amanhã outra. Tudo graças ao esforço individual dos profissionais”, explica o médico. O segredo tem sido o trabalho de equipa. “Cada um de nós, dentro de cada serviço, tem um projecto. Há um contributo individual de todos e as decisões são tomadas em função do interesse superior do doente”, garante. Outra das metas da ULS é garantir um serviço de proximidade com a população. Tratando-se sobretudo de idosos, é preciso assegurar uma maior aproximação aos médicos de família. “Aposta-se mais na prevenção e menos no tratamento e, ao mesmo tempo, previne-se o fluxo de doentes para as urgências”, explica.

Quadro envelhecido Recentemente, a ULS abriu concurso para contratar 39 profissionais de 17 especialidades. A ULS do Nordeste foi, aliás, a que teve direito a mais vagas no âmbito do reforço de estabelecimentos de saúde carenciados do Ministério da Saúde. O principal problema no Nordeste, diz o director, é que o actual quadro de médicos está envelhecido. “A média de idades é já superior a 50 anos”, quantifica. E os 201 profissionais não chegam para cobrir todas as necessidades. “Temos, claramente, um grupo que trabalha demais para manter o funcionamento dos serviços”, diz. E haverá jovens médicos interessados em ir viver para o Interior? Domingos Fernandes prefere esperar para ver. Mas garante que muito do que se diz sobre as regiões mais afastadas dos grandes centros não passa de “mitos”. E a área da saúde não foge à regra. “Quando a verdade é que aqui um jovem médico consegue desenvolver o seu próprio projecto profissional e ver resultados”, diz.