Biblioteca Popular. Rui Rio entaipa portas, mas abre uma janela – para os mais ricos


Não fosse um dos fetiches dos activistas da Biblioteca Popular do Marquês a visita periódica ao site da Câmara Municipal do Porto (CMP) e provavelmente ainda não teriam sabido da notícia. A de que, depois de despejados do edifício que tentaram dinamizar por “ausência de instalações sanitárias”, este vai ser levado a hasta pública já…


Não fosse um dos fetiches dos activistas da Biblioteca Popular do Marquês a visita periódica ao site da Câmara Municipal do Porto (CMP) e provavelmente ainda não teriam sabido da notícia. A de que, depois de despejados do edifício que tentaram dinamizar por “ausência de instalações sanitárias”, este vai ser levado a hasta pública já a 16 de Julho, depois de 11 anos largado ao esquecimento pela câmara. Ficará com ele quem tiver mais dinheiro em carteira.

Depois da saga Es.Co.La da Fontinha, os cidadãos portuenses ganharam o mês passado mais uma história de inspiração de contornos novelescos. A ideia inicial era pegar na conhecida Biblioteca Infantil Pedro Ivo, na Praça Marquês de Pombal, mais de seis décadas depois da sua inauguração, e dar-lhe vida.

A 16 de Junho, o grupo deu início à limpeza e à ocupação do espaço, enchendo-o de estantes e livros, como se querem as bibliotecas. Setenta e duas horas depois, já uma notícia num diário dava conta do despejo por acontecer, este concretizava-se: a polícia municipal chegou à praça, expulsou os ocupantes, retirou o recheio e entaipou o edifício.

Alegaram os agentes, sob directivas da autarquia de Rui Rio, que o espaço não podia ser utilizado por não ter urinóis. “A câmara municipal despejou os ex-ocupas da Escola da Fontinha, que no passado domingo assaltaram e ocuparam um espaço devoluto existente no Jardim da Praça do Marquês”, lê-se num artigo publicado no site da câmara a 19 de Junho, dia do despejo. “O referido espaço, de pequenas dimensões […] não dispõe das infra-estruturas, nomeadamente sanitários, hoje legalmente exigíveis para a actividade que [o edifício] desempenhou no passado.”

A falta de casas de banho na base da expulsão parece não pesar na decisão de ceder em hasta pública a exploração do imóvel, razão pela qual o i tentou obter respostas junto da assessoria da autarquia, sem sucesso.

A base de licitação proposta pela CMP no website é de 260 euros/mês, ganhando quem oferecer mais pelo espaço e independentemente do projecto apresentado, dizem os activistas, incrédulos. “Há gente que acha que devíamos ir à hasta pública propor os 260 euros por mês, mas ainda não sabemos o que vamos fazer”, explicava ontem ao i o activista Pedro Lima.

Depois do despejo, foi decidida em assembleia popular a reabertura do espaço, que aconteceu este fim-de-semana. “Sabíamos que a polícia ia aparecer, portanto concordámos que seria uma reabertura simbólica e que nos limitaríamos a pintar os tapumes com o que queríamos fazer lá dentro, desenhando estantes e livros.” Aí voltaram os problemas de semântica.

“Claramente, temos conceitos diferentes de vandalismo”, diz Lima. “No dia 30 começámos a pintar e apareceu uma equipa da brigada de intervenção rápida, que nos disse que não podíamos vandalizar património municipal. Não fazíamos ideia que umas tábuas de madeira eram património da câmara…”

No seguimento da intervenção da polícia, que identificou duas pessoas, uma delas “perguntou a um dos agentes se podia continuar a ler histórias às crianças”, uma das actividades a decorrer em frente à biblioteca. O agente terá respondido: “Para já ainda podem.” Mas a partir de 16 de Julho possivelmente já não. Amanhã há nova assembleia popular para definir o que fazer a seguir.