Ri-se com facilidade e mantém sempre a boa disposição, mas quando a pergunta pode arrastá-lo para terrenos movediços, João Maia Abreu retrai-se e opta quase sempre pela resposta mais polida e vazia. Foi o caso de quando se falou de Sócrates e as alegadas pressões sobre a TVI, uma época marcada pela demissão de Maia Abreu do cargo de director de Informação, após a administração do canal ter suspendido o “Jornal de Sexta”, de Manuel Moura Guedes: “As alegadas pressões de Sócrates tinham fundamento, ponto final”. Mas se o assunto for o 25.ª Hora, que marca o seu regresso à antena da TVI depois de nove anos de ausência, o entusiasmo regressa ao seu discurso.
Como está a correr o 25ª Hora?
Está a correr muito bem, devo dizer, é um jornal completamente diferente do que se fazia anteriormente. É cheio de dinâmica e tem sido um despertar para algumas pessoas naquele horário importante para a estação.
Quais as principais diferenças?
É um jornal que tenta ser o mais novo possível. Tentamos que o tratamento das peças seja o mais diferente possível do que foi dado ao longo do dia e mesmo do princípio da noite do TVI24.
Isso exige a reedição das peças que foram sendo exibidas ao longo do dia?
Não de todas, obviamente. Mas na maior parte das peças e nos grandes temas da noite, exige alguma reedição, por vezes completamente do zero, e até com novo material e muito também com a contribuição dos nossos comentadores da noite. E por incrível que possa parecer, há muita coisa a acontecer à noite.
Têm margem de manobra para puxar pelo feed noticioso do dia e também antecipar os temas do dia seguinte?
É essa a ideia. Todos dias fazemos pelo menos duas antecipações de assuntos que sabemos que serão notícia no dia seguinte, seja política, economia, desporto ou sociedade. As nossas peças, além de fazerem o retrato do que aconteceu, tentam já antecipar o que vai ser o seu ‘follow-up’. Estando previsto o seu desenvolvimento no dia seguinte, ele já está incluído nas nossas peças, dentro da medida do possível. Fechamos o dia e preparamos o seguinte.
Exige a alocação de meios humanos para o efeito?
Isso exige trabalhar imenso (risos). Temos uma equipa de seis a sete pessoas para fazer este jornal, embora também façam notícias para todo o canal, como é óbvio. O contributo delas será mais para ajudar a concretizar o ângulo noticioso que foi definido para o 25.ª Hora.
Regressar ao ecrã nove anos depois é coisa para muito nervosismo?
Ao princípio sim. Até pela responsabilidade, uma pessoa não pode chegar aqui e achar que sabe tudo. Muitas coisas mudaram, seja na parte técnica, seja na parte de formatar o conteúdo, apesar ter acompanhado de perto essa evolução. Mas é diferente, agora estou a dar cara. A base é sempre a mesma: ter capacidade de comunicação, ou não.
Arriscaria fazer uma auto-avaliação nestes dois meses de 25ª Hora?
Não arriscaria, de todo (risos). O melhor avaliador é o espectador.
O que tem dito o espectador em termos quantitativos?
Tem havido uma curiosidade e a permanência de muita gente nova no 25ª Hora.
Sabem qual o perfil dos espectadores?
Não.
E em termos totais?
Acho que é sempre positivo quando contribuímos para os valores do canal e que o 25ª Hora saia bem dessa leitura. E é isso que tem acontecido, temos tido números simpáticos. Para aquela hora são bons números de audiência.
O 25ª Hora repesca um formato, o “Jardim das Notícias”, e um jornalista, o Victor Moura Pinto, num modelo que deixou marcas fortes de humor no jornalismo televisivo no início das estações privadas. O objectivo era rememorar essa marca?
O objectivo era trazer uma pessoa que conseguisse retratar a realidade desta forma como ele faz, de forma maravilhosa. E o Victor tem nome neste tipo de formatos, tem um espólio, e as pessoas identificam-se muito com aquele olhar. Não é só uma mais-valia, é também uma forma das pessoas entenderem a diversidade do 25ª Hora. Temos as notícias, mas também temos um olhar irreverente e desconstrutivo da realidade, que é o “Jardim das Notícias”. Temos um pouco de tudo e esse formato é sem dúvida um dos marcos do 25ª Hora.
O painel de comentadores é fixo…
De segunda a sexta são: Helena Matos, Fernanda Câncio, Maria João Avillez, António Perez Metello e João Pereira Coutinho.
Isso permite uma grande dinâmica, certo?
São todas pessoas credibilíssimas e óptimos analistas políticos e económicos, é um grupo de peso no panorama do comentário da actualidade.
Não resisto perguntar sobre o tema da semana na televisão, que é a questão da nova medição das audiências?
Não sou de todo a pessoa ideal para falar nisso. O único comentário que posso fazer como pessoa que recebe as audiências todos os dias, mas sem conhecimento de causa, é que só vejo os nossos resultados. Não posso sequer entrar na polémica porque não sei nada sobre esse processo.
Saudades dos tempos e da responsabilidade de dirigir a informação?
Foi uma fase, está feito, é passado.
Surpreendeu-se com o convite, na altura?
Sim, surpreendeu-me o convite do José Eduardo Moniz, mas aceitei e cá estive.
Faz um balanço positivo dessa experiência, mesmo com o desfecho que teve, ao demitir-se por a administração ter suspendido o polémico “Jornal de Sexta”, de Moura Guedes?
Da parte que me toca, as coisas aconteceram como tinham de acontecer. Hoje não faria as coisas de forma diferente.
A TVI mudou muito desde essa altura?
As pessoas são outras, as pessoas mudam com o tempo e a TVI muda com elas. As pessoas de base estão cá, mas os topos da hierarquia mudaram, pelo que as coisas alteram-se forçosamente. As pessoas imprimem o seu cunho pelas decisões que tomam, o que é perfeitamente normal.
Quando foi para director de Informação, veio de Bruxelas. Dada a sua experiência de trabalho no local, como encara esta questão do vídeo do Vítor Gaspar a combinar a revisão do programa de resgate a Portugal com o ministro alemão, há um mês, com consequências para o seu colega Pedro Moreira?
Aquilo que o Pedro Moreira fez não é nada que viole os nosso princípios jornalísticos. Aquilo é feito todas as semanas, de forma natural, pois os ministros sabem que estão ser filmados. Há vários episódios no passado, até da minha época, com o Berlusconi (ex-primeiro-ministro de Itália).
Quer recordar algum episódio que tenha vivido?
Já não me recordo bem das palavras de Berlusconi à entrada de um Conselho Europeu, mas ele disse qualquer coisa na altura que visava explicitamente o primeiro-ministro inglês, Toni Blair. O que causou algum bruá pois o Toni Blair foi ter com o Berlusconi, tendo ficado a imagem de cordeirinho, o que soou muito mal aos ingleses. Já nessa altura essa questão da “privacidade” das conversas entre ministros foi levantada.
Quer dizer que é uma polémica recorrente…
Os ministros e primeiros-ministros sabem perfeitamente que há aqueles 10 minutos em que a sala está infestada de repórteres de imagem e fotojornalistas. É normal que estejam mais resguardados no tipo de conversas que mantêm.
Faz sentido estar agora a castigar a TVI por causa do que aconteceu entre Gaspar e Schäuble?
Não sei bem que castigo foi aplicado, ouvi falar de um mês de suspensão, mas não sei ao certo. Acho que nada disso faz sentido.
Acredita que Gaspar e Schäuble terão sido ingénuos?
Nunca saberemos de facto qual foi a ideia que lhes passou pela cabeça. Estavam a falar daqueles assuntos com uma câmara em cima da cara. Não é preciso saber muito de televisão para adivinhar que o som pode estar a ser gravado. Estranho é escolherem aquele momento para falar de tais assuntos.
Saudades do trabalho em Bruxelas?
Sim, foram cinco anos muito intensos e já estava a chegar a uma altura em que o cansaço pesava um pouco. Quem está em Bruxelas não pára, tirando o mês em que se tira férias. Não há fins-de-semana, feriados, nada, o que se torna extenuante, por mais intensa que seja a retribuição e reconhecimento do nosso trabalho. O correspondente em Bruxelas é o correspondente europeu da estação.
Sim, está no centro da Europa.
Desde Madrid até à Rússia, passa tudo por nós. Líbano, Dinamarca, fazemos todos os pontos cardeais, os quatro cantos do espaço de influência europeia. Trabalha-se muito. Basta ver por onde o Pedro Moreira hoje em dia. Num dia estamos aqui e no outro estamos ali, é o nosso trabalho.
É claro que deve ser muito diferente passar da Europa civilizada para um cenário de guerra, como o Líbano, onde esteve?
Totalmente. Em 2006 fiz o Mundial da Alemanha durante 40 dias e, com um intervalo de apenas dois dias, fui a seguir um mês para o Líbano, que estava a ser invadido por Israel. E essa diversidade e qualidade de temas são fantásticas para qualquer jornalista que se preze.
Dá uma boa bagagem para director de informação, não?
(risos).
Será que Pedro Moreira vai ser o próximo director de informação, quando surgir a altura?
É esperar para ver (risos).
Os espectadores ligam muito às notícias oriundas de Bruxelas?
Agora ligam imenso.
E na altura que lá esteve?
Acaba por ser uma realidade muito distante dos portugueses, por culpa também da União Europeia (UE) e da sua dimensão, que afasta as pessoas do que é o poder legislativo de Bruxelas e da forma como influencia as nossas vidas. Agora, com a crise, está na ordem do dia. Mas há muito desconhecimento em relação à UE.
Como lidou com as várias discussões à volta do eventual sensacionalismo da informação da TVI, até quando era director de informação?
Não se trata de sensacionalismo, tratou-se de fugir ao registo monocórdico que havia muitas vezes noutras estações. As pessoas têm de questionar sobre coisas importantes que dizem respeito a toda população. O nosso histórico existe, está aí, basta ver que histórias revelámos, que erros é que apontámos. Se ser sensacionalista é expor o que está mal, então fomos sensacionalistas.
Mas houve a guerra entre Sócrates e a TVI…
Já lá vai, já passou tanto tempo. O senhor agora está em Paris.
As alegadas pressões de Sócrates tinham algum fundamento?
Tinham, ponto final.