James Curran. “O jornalismo ficou muito pior com a chegada da internet”


No colóquio sobre os 75 anos da Rádio Renascença, numa sala de exposições da Universidade Católica de Lisboa à pinha de estudantes, munidos de iPads e smartphones, o professor James Curran garantiu, desassombrado, que a internet é quase um flop em relação às expectativas iniciais e que foi o mundo real a ocupar a web…


No colóquio sobre os 75 anos da Rádio Renascença, numa sala de exposições da Universidade Católica de Lisboa à pinha de estudantes, munidos de iPads e smartphones, o professor James Curran garantiu, desassombrado, que a internet é quase um flop em relação às expectativas iniciais e que foi o mundo real a ocupar a web e não o contrário. Acabou aplaudido de pé pelo alunos.

As expectativas iniciais em relação à internet foram um flop?

Nos anos 90 as expectativas eram muito grandes, as pessoas achavam que o impacto da internet seria a concretização completa dos benefícios da tecnologia, mas o que não previram foi que o mundo real iria dominar a internet. Pensava-se que a internet iria remodelar o mundo, mas o mundo acabou por fazer o contrário. Acho que foi o mundo a ter mais impacto na internet que o contrário.

Mas houve mudanças, como a rapidez da informação, certo?

Talvez a palavra “flop” seja demasiado forte para caracterizar o impacto que a internet acabou por ter no mundo. As expectativas não foram cumpridas, mas o activismo político, por exemplo, ficou muito mais forte com a internet. Qualquer grupo que se reúna para combater algo que o preocupe tem na internet o melhor difusor da mensagem. E muitos têm conseguido marcar a agenda mundial, há vários exemplos. Veja-se a denúncia das fábricas da Apple na China, onde são pagos ordenados miseráveis e os trabalhadores têm falta de condições de trabalho. À custa dos vários protestos na internet, a Apple já tomou medidas para tentar reverter a situação. A influência da internet é enorme, é uma das grandes consequências. Com a internet os activistas conseguem trazer mais activistas para a rua. E a internet teve grande impacto na movimentação dos capitais. Apesar de tudo, o mundo não ficou melhor com a internet, não da forma que se imaginava há 15 ou 20 anos.

Mas já defendeu publicamente que a internet cria mais exclusão no activismo político. Como relacionar estes dois factores, uma maior consciencialização mundial e, ao mesmo tempo, uma maior exclusão do activismo político?

Os grandes excluídos são os que não têm acesso à internet. Apenas 30% da população mundial tem acesso fácil e os 70% que não o têm são de países pobres. Isso quer dizer que as principais mudanças provocadas pela internet ocorreram nos países ricos. E há outro aspecto: a internet promove o activismo, mas o activismo acaba por ficar limitado aos mais ricos. Se formos um cidadão pobre a viver numa sociedade rica e ocidental, vivemos uma experiência dolorosa de exclusão, quase pior que viver num país totalmente pobre, devido à componente moral da pobreza, em que as pessoas são culpadas da sua pobreza, por falharem o êxito pessoal e material. Isso aumenta a exclusão do activismo político, por as pessoas estarem mais desmoralizadas e afastadas da acção. Há vários factores no mundo real que desencorajam as famílias mais pobres de serem mais activas em termos políticos. E tal facto projecta uma enorme sombra sobre o alcance da internet. O ciberespaço não deu mais poder às pessoas, de forma global.

Quer dizer então que a internet apenas aumentou o fosso entre os países pobres e ricos?

Sim, mas eu não diria só que aumentou o fosso, eu diria que o duplicou. Veja-se o exemplo: se falamos inglês, temos audiência na ordem de 50% do mundo cibernético. Mas se falarmos árabe apenas chegamos a 4% ou 5% da população mundial com acesso à internet.

O que diz de movimentos como o Anonymous ou o Occupy? São a tendência do futuro?

Outra das desilusões dos que, nos anos 90, tinham grande expectativas quanto à internet e à liberdade da circulação da informação, que estaria fora do alcance dos estados, é que os governos andam cada vez mais a vigiar a internet. Organizações como a Wikileaks e a Anonymous tentam reverter essa tendência de supra-vigilância estatal sobre o cidadão comum. Estes movimentos tentam manter vivo o espírito inicial da internet, de quando se acreditava que ela iria derrubar ditadores e seria uma ferramenta da liberdade de expressão.

Que comentário faz à introdução de leis como a SOPA, a PIPA e a ACTA, que visam regular essencialmente a pirataria online?

São movimentos de pressão industrial sobre os governos. E acabam por resultar numa maior vigilância sobre o cidadão. Acho que todos devemos estar atentos a essas movimentações.

Mas não nota uma sensação de impunidade na internet em relação aos direitos de autor?

A pirataria de música, por exemplo, tem sido travada por um meio-termo que são sites como o iTunes ou o Spotify, que cobram pequenas quantias, sendo viáveis na satisfação das duas partes: consumidores e empresas. Eu sei que o meu trabalho é pirateado, mas sinceramente não me aborrece nada que o seja. Quanto mais o lerem melhor para mim enquanto autor.

Defende que as tecnologias de informação acabaram por ter um papel bem menos crucial que os ocidentais lhes atribuem na chamada Primavera Árabe. Porquê?

A penetração da internet na Arábia Saudita, em Marrocos ou nos Emirados Árabes Unidos (EAU), por exemplo, é bem maior que na Tunísia, na Líbia ou no Egipto. Mas os sauditas ou os marroquinos não fizeram a Primavera Árabe. Nem os habitantes dos EAU. Isso mostra que a tecnologia não faz revoluções. Foram outras as razões que levaram à Primavera Árabe, como o desemprego, as falhas no sector da educação, as rivalidades tribais, o sistema económico, etc. E houve sinais que mostraram que a Primavera Árabe ia acontecer. Os jornalistas ocidentais caíram na tentação de olhar para esta revolução como fruto da internet e do seu poder. Mas é claro que a internet acabou por dar alguma força à questão, mostrando ao mundo rico o que se estava a passar por lá.

Acha que houve narcisismo ocidental quando se quer acreditar que a internet causou a Primavera Árabe?

Sim, sem dúvida. A maior parte dos milhões de tweets sobre aquela revolução era trocada entre ocidentais, que não deixaram de ter o seu impacto junto dos decisores, mas residual.

E quanto à democracia representativa, acha que houve algum crescimento provocado pela internet?

Sou muito céptico quanto a tal hipótese. Muitos dos chamados “egovernos” apenas disponibilizam informação para consulta, sem grande comunicação entre governantes e governados. É um mero pró-forma por parte das entidades estatais, para deixar os cidadãos satisfeitos. A maior parte das vezes são meras acções de relações públicas.

Quanto ao impacto da internet no jornalismo, estamos a ter um melhor jornalismo?

Acho que está a ficar pior. A internet está a afastar o investimento publicitário dos chamados meios tradicionais, levando a que menos jornalistas tenham de produzir mais conteúdos e baixando a qualidade. E quanto ao mito do jornalista- -cidadão, é uma forma de jornalismo que não tem um modelo de viabilidade muito definido. De resto, a internet está a pulverizar o jornalismo. Você tem emprego como jornalista, isso já é óptimo nos dias que correm.

De facto é. Mas, apesar de os jornalistas estarem a ser despedidos, afirmou que os grupos de comunicação estão a ficar mais poderosos, sobretudo pela dispersão dos conteúdos em várias plataformas.

Sim, uma das tendências é a crise dos jornais tradicionais, mas a segunda tendência é os grandes grupos de media estenderem o seu poder e influência, sendo verdadeiros casos de sucesso. Já têm a marca estabelecida, têm recursos, os conteúdos são gratuitos na maior parte dos casos e dominam o consumo dos meios de comunicação social online.

Fica a ideia de que os grandes grupos se tornam mais poderosos ao mesmo tempo que espremem os seus custos. Não é uma contradição?

Sim, há uma contradição, que é o facto de a produção de notícias estar a ser decapitada pela falta de publicidade, enfraquecendo o jornalismo, mas não está a enfraquecer os conglomerados de media.

Há mais gente a ler piores conteúdos?

Sim, é isso, mas também há mais hipótese de queixas e reacções por parte dos leitores. O tweeter e o Facebook permitem isso, os jornalistas também estão mais expostos.

A palavra “newspaper” está a morrer e deve ser substituída para newsnet?

Devem mudar para “newsmedia” (risos).

Pode adiantar-nos um pouco sobre o seu próximo livro, “Misunderstanding the Internet”?

Fala do impacto da internet no mundo contando um pouco a sua história. É um livro geral sobre a internet. A mensagem principal é que foi o contexto a moldar a internet, mais que o contrário.

Ou seja, podemos dizer que o futuro da internet é o futuro da sociedade?

Exacto. E o que muda a sociedade não é a tecnologia. A internet não é dos principais meios de comunicação internacional, mas sim nacional, de países do primeiro mundo. É um sistema fechado.