Direito ao trabalho e salário mínimo


Quem trabalha tem direito a uma existência decente para si e para a sua família


Na semana passada participei em duas sessões públicas comemorativas do 50.o aniversário dos pactos internacionais sobre os direitos civis, políticos, sociais e culturais da ONU.

No decurso da exposição e da discussão ressaltou um direito contido já na Declaração de 1948 e que foi, depois, desenvolvido no Pacto sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais de 1966.

Refiro-me ao direito ao trabalho.

No primeiro daqueles documentos diz-se a esse propósito:

“Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social.”

No segundo, explicita-se:

“Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores um salário equitativo e uma remuneração igual para um trabalho de valor igual, sem nenhuma distinção, devendo, em particular, às mulheres ser garantidas condições de trabalho não inferiores àquelas de que beneficiam os homens, com remuneração igual para trabalho igual; uma existência decente para eles próprios e para as suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto.”

Em 1996, já no âmbito do Conselho da Europa, a Carta Social Europeia veio estabelecer o direito à contratação coletiva nos seguintes termos: “Com vista a assegurar o exercício efetivo do direito à negociação coletiva, as Partes comprometem-se a favorecer a consulta paritária entre trabalhadores e empregadores; a promover, quando necessário e útil, a instituição de processos de negociação voluntária entre os empregadores ou suas organizações, de um lado, e as organizações de trabalhadores, de outro, com o fim de regulamentar as condições de emprego através de convenções coletivas.”

Portugal adotou todos estes tratados e a nossa Constituição democrática incorporou e, inclusivamente, desenvolveu alguns destes conceitos, que estabeleceu enquanto direitos fundamentais.

Deles ressalta a ideia essencial de que o trabalho não é principalmente um privilégio que uns concedem, alguns desfrutam e que pode, por isso, ser mercadejado livremente conforme interessa apenas a uma das partes.

De tais tratados sobressai, sobretudo, a ideia humanista de que o trabalho é um direito do homem que se dirige à elevação social e cultural de quem o exerce e da sua família.

O trabalho e as condições em que ele hoje pode e deve ser exercido, e bem assim a respetiva remuneração, devem integrar, portanto, o conceito de dignidade humana em todas as perspetivas que ele comporta: material, social e cultural.

Quando hoje, entre nós, se discute o montante do salário mínimo e as condições do exercício efetivo do direito à contratação coletiva, não é mais possível, pois, retroceder para noções historicamente datadas que tais tratados quiseram ultrapassar por não corresponderem mais à ideia de dignidade humana que as nossas sociedades já incorporaram e que os níveis de de-senvolvimento do mundo atual permitem concretizar.

Aqueles tratados não se dirigem, porém, apenas às partes que exercem e aceitam trabalho: eles dirigem-se, fundamentalmente, aos Estados e às políticas que eles estão incumbidos de de-senvolver para assegurar o cumprimento daqueles objetivos civilizacionais.

É esta dimensão de contenção e orientação das políticas do Estado que os governos devem respeitar e fazer respeitar, inerente que é aos direitos sociais integrantes das constituições, e que muitas vezes é esquecida e importa, por isso, recordar.

 

Jurista

Escreve à terça-feira