Pensamentos, reflexões e meditações


Com um olho nos jogos olímpicos e outro na temperatura da água do mar, sobrou-me pouca disposição para seguir o dossier “Caixa”


 Quando se vai de férias seguramente que uma parte do nosso cérebro faz um “shut down”. É a parte que normalmente dedicamos à atenção ao quotidiano. Em férias há outras coisas que interessam e a nossa atenção aos assuntos «importantes» desvanece-se.

Com um olho nos jogos olímpicos e outro na temperatura da água do mar, sobrou-me pouca disposição para seguir o dossier “Caixa”; importante? Seguramente que sim, já para não falar do vergonhoso embaraço de ver o assunto tão mal tratado. 

O Estado Português já meteu na Caixa mais dinheiro que no BES, sem liquidar nem resolver a Caixa. Não podia ter feito o mesmo com o BES, em vez de ter construído o desastre em que o Novo Banco se transformou? Podia com certeza e esse é um tema que deve ser tratado, mas não hoje.

Temos a questão do crescimento económico – ou da falta dele – baseado no paradigma socialista de «distribuir para crescer». Seguramente que se trata de pôr o carro à frente dos bois. Mas não é tema a que hoje me dedique.

Ainda tenho o cérebro emperrado por um mês de férias.

Olho para a Espanha, metida numa camisa-de-onze-varas, sem caminho para fazer, aparentemente. É o nosso principal parceiro económico, companheiro de caminhada na Europa e no Euro e sem solução à vista.

Preocupante. Mas não hoje.

Das trivialidades bacocas da pequena política com que a silly season nos presenteou, das viagens aos jogos do euro dos secretários de estado, recuso-me a falar. É mau e pequeno demais.

Perdoem-me os meus companheiros do «Manifesto por uma Democracia de Qualidade», mas há um tema de férias que tem vindo a crescer dentro de mim e do qual falo hoje. Acontece que em Agosto fui visitar o médio oriente, Jerusalém e a Jordânia. Foram férias. Férias em bons hotéis, com paisagens magníficas, monumentos únicos, passeios no deserto, a subir escadas de burro em Petra e a andar de camelo no deserto jordano.

Enquanto eu mirava a cidade velha de Jerusalém do terraço do meu quarto no hotel Rei David, um clássico, acontece que o meu filho João Maria, de visita a Israel, também, visitava a Palestina. 

Veio de lá escandalizado. Chocado. 

Em Tel Aviv ou nas outras cidades Israelitas desfruta-se um elevadíssimo nível de vida, vive-se como na Califórnia, circula-se em boas estradas e autoestradas, usufrui-se de um comércio de luxo, veem-se mulheres deslumbrantes, judeus ultra-ortodoxos, turistas e até uns árabes que são empregados dos hotéis e dos restaurantes. Essa foi a «Palestina» que eu vi.

A Palestina que o meu filho viu começa às portas de Jerusalém, a cinco quilómetros, em Ramallah. É uma Palestina paupérrima, ocupada por tropas israelitas, com muros de betão armado, campos de refugiados e miséria geral. 

Um carro com matrícula palestiniana chega a uma estação de serviço para abastecer. Carros com matrícula israelita entram e saem sem problemas. O carro palestiniano é rodeado de gente armada de metralhadora. Os ocupantes são obrigados a identificar-se, o carro é revistado. 

Numa estrada subitamente cai uma cancela num check point. Pode demorara cinco minutos ou cinco horas, diz o motorista. Nem vale a pena interpelar os soldados israelitas. São «medidas de segurança» e ponto.
Tudo isto se passa na Palestina. Nos territórios palestinianos, não em Israel.

Fui ver os números. Fiquei perplexo: os 8.4 milhões de habitantes de Israel, beneficiam de um rendimento per capita de 35.329 USD por ano. Um nível de primeiro mundo, rico, riquíssimo.

Os 4.4 milhões de Palestinianos que vivem no Banco Ocidental e em Gaza, têm um rendimento per capita anual de 2.864 USD. Doze vezes menos que os cidadãos de Israel. Não estão ao lado uns dos outros: estão misturados uns com os outros. 

O que em Israel é saúde do primeiro mundo, educação de altíssima qualidade, governo sério e competente, na Palestina é a miséria absoluta e a corrupção generalizada alimentada por ajudas da União Europeia.

Em Gaza reina o Hamas e a aviação Israelita. No Banco Ocidental reina a Fatah e o exército sobre-armado de Israel.

Tudo cercado de muros e semeado de colonatos judaicos, que tornam a vida quotidiana impossível aos Palestinianos, qualquer perspectiva de desenvolvimento sustentável uma mera miragem.

Os colonatos que corroem e destroem o território Palestiniano crescem à vista desarmada. Neste momento há cerca de 340.000 colonos a viver em ilhas fortificadas e armadas em pleno território Palestiniano. Em 1972 eram menos de mil.

O exército Israelita faz sentir a sua pesada presença quer nos territórios ocupados, quer naqueles que estão supostamente sob administração da Autoridade Palestiniana.

Quem defende a Palestina? Ninguém. Uma população inteira é prisioneira na sua própria terra, milhões arrastam diariamente um fardo de miséria fabricada (basta olhar para a vizinha Jordânia, em que 50% da população é Palestiniana, para se ver o que é e o que podia ser…), de desesperança e de profunda frustração. No meio de tudo isto, o Hamas é um mero epifenómeno.

Não cabe aqui atribuir culpas ou elencar soluções miraculosas. Sou e sempre fui um apoiante do Estado de Israel, que em boa verdade é o único Estado democrático e civilizado do médio oriente, mas interrogo-me sobre se pode ser considerado democrático um Estado que trata desta forma os habitantes dos territórios que conquistou pelas armas, já sem falar do direito internacional.

Ao fim e ao cabo é tudo uma questão de democracia com qualidade. 

Ex-secretário de Estado da Justiça
Advogado, subscritor do “Manifesto por uma Democracia de Qualidade”


Pensamentos, reflexões e meditações


Com um olho nos jogos olímpicos e outro na temperatura da água do mar, sobrou-me pouca disposição para seguir o dossier “Caixa”


 Quando se vai de férias seguramente que uma parte do nosso cérebro faz um “shut down”. É a parte que normalmente dedicamos à atenção ao quotidiano. Em férias há outras coisas que interessam e a nossa atenção aos assuntos «importantes» desvanece-se.

Com um olho nos jogos olímpicos e outro na temperatura da água do mar, sobrou-me pouca disposição para seguir o dossier “Caixa”; importante? Seguramente que sim, já para não falar do vergonhoso embaraço de ver o assunto tão mal tratado. 

O Estado Português já meteu na Caixa mais dinheiro que no BES, sem liquidar nem resolver a Caixa. Não podia ter feito o mesmo com o BES, em vez de ter construído o desastre em que o Novo Banco se transformou? Podia com certeza e esse é um tema que deve ser tratado, mas não hoje.

Temos a questão do crescimento económico – ou da falta dele – baseado no paradigma socialista de «distribuir para crescer». Seguramente que se trata de pôr o carro à frente dos bois. Mas não é tema a que hoje me dedique.

Ainda tenho o cérebro emperrado por um mês de férias.

Olho para a Espanha, metida numa camisa-de-onze-varas, sem caminho para fazer, aparentemente. É o nosso principal parceiro económico, companheiro de caminhada na Europa e no Euro e sem solução à vista.

Preocupante. Mas não hoje.

Das trivialidades bacocas da pequena política com que a silly season nos presenteou, das viagens aos jogos do euro dos secretários de estado, recuso-me a falar. É mau e pequeno demais.

Perdoem-me os meus companheiros do «Manifesto por uma Democracia de Qualidade», mas há um tema de férias que tem vindo a crescer dentro de mim e do qual falo hoje. Acontece que em Agosto fui visitar o médio oriente, Jerusalém e a Jordânia. Foram férias. Férias em bons hotéis, com paisagens magníficas, monumentos únicos, passeios no deserto, a subir escadas de burro em Petra e a andar de camelo no deserto jordano.

Enquanto eu mirava a cidade velha de Jerusalém do terraço do meu quarto no hotel Rei David, um clássico, acontece que o meu filho João Maria, de visita a Israel, também, visitava a Palestina. 

Veio de lá escandalizado. Chocado. 

Em Tel Aviv ou nas outras cidades Israelitas desfruta-se um elevadíssimo nível de vida, vive-se como na Califórnia, circula-se em boas estradas e autoestradas, usufrui-se de um comércio de luxo, veem-se mulheres deslumbrantes, judeus ultra-ortodoxos, turistas e até uns árabes que são empregados dos hotéis e dos restaurantes. Essa foi a «Palestina» que eu vi.

A Palestina que o meu filho viu começa às portas de Jerusalém, a cinco quilómetros, em Ramallah. É uma Palestina paupérrima, ocupada por tropas israelitas, com muros de betão armado, campos de refugiados e miséria geral. 

Um carro com matrícula palestiniana chega a uma estação de serviço para abastecer. Carros com matrícula israelita entram e saem sem problemas. O carro palestiniano é rodeado de gente armada de metralhadora. Os ocupantes são obrigados a identificar-se, o carro é revistado. 

Numa estrada subitamente cai uma cancela num check point. Pode demorara cinco minutos ou cinco horas, diz o motorista. Nem vale a pena interpelar os soldados israelitas. São «medidas de segurança» e ponto.
Tudo isto se passa na Palestina. Nos territórios palestinianos, não em Israel.

Fui ver os números. Fiquei perplexo: os 8.4 milhões de habitantes de Israel, beneficiam de um rendimento per capita de 35.329 USD por ano. Um nível de primeiro mundo, rico, riquíssimo.

Os 4.4 milhões de Palestinianos que vivem no Banco Ocidental e em Gaza, têm um rendimento per capita anual de 2.864 USD. Doze vezes menos que os cidadãos de Israel. Não estão ao lado uns dos outros: estão misturados uns com os outros. 

O que em Israel é saúde do primeiro mundo, educação de altíssima qualidade, governo sério e competente, na Palestina é a miséria absoluta e a corrupção generalizada alimentada por ajudas da União Europeia.

Em Gaza reina o Hamas e a aviação Israelita. No Banco Ocidental reina a Fatah e o exército sobre-armado de Israel.

Tudo cercado de muros e semeado de colonatos judaicos, que tornam a vida quotidiana impossível aos Palestinianos, qualquer perspectiva de desenvolvimento sustentável uma mera miragem.

Os colonatos que corroem e destroem o território Palestiniano crescem à vista desarmada. Neste momento há cerca de 340.000 colonos a viver em ilhas fortificadas e armadas em pleno território Palestiniano. Em 1972 eram menos de mil.

O exército Israelita faz sentir a sua pesada presença quer nos territórios ocupados, quer naqueles que estão supostamente sob administração da Autoridade Palestiniana.

Quem defende a Palestina? Ninguém. Uma população inteira é prisioneira na sua própria terra, milhões arrastam diariamente um fardo de miséria fabricada (basta olhar para a vizinha Jordânia, em que 50% da população é Palestiniana, para se ver o que é e o que podia ser…), de desesperança e de profunda frustração. No meio de tudo isto, o Hamas é um mero epifenómeno.

Não cabe aqui atribuir culpas ou elencar soluções miraculosas. Sou e sempre fui um apoiante do Estado de Israel, que em boa verdade é o único Estado democrático e civilizado do médio oriente, mas interrogo-me sobre se pode ser considerado democrático um Estado que trata desta forma os habitantes dos territórios que conquistou pelas armas, já sem falar do direito internacional.

Ao fim e ao cabo é tudo uma questão de democracia com qualidade. 

Ex-secretário de Estado da Justiça
Advogado, subscritor do “Manifesto por uma Democracia de Qualidade”