Quando trabalhava na banca de investimentos, era frequente analisar planos de reestruturação de empresas. Tratava-se geralmente de entidades com desequilíbrios de balanço, investimentos financiados por capitais alheios, grande endividamento, dificuldades de tesouraria, resultados operacionais e prejuízos avultados.
No entanto, pressupostos criteriosamente selecionados por ilustres consultores, acompanhados de alguma racionalização interna, conduziam de imediato a um aumento das vendas, a uma diminuição de custos e à obtenção de resultados positivos crescentes, situação que obviamente recomendava o apoio do banco a um alongamento da dívida, ao fortalecimento do fundo de maneio, a um estimulante período de carência de capital e juros, ao financiamento dos investimentos em curso, garantia de cash flow no curto prazo.
Os resultados, de crescentemente negativos passavam a crescentemente positivos e, se traduzidos num gráfico, configurariam a imagem de um stick de hóquei. O que não deixaria de ser excelente, não fora os sofisticados pressupostos escolhidos escaparem, quase sempre por completo, à capacidade de controlo da empresa e dos gestores. Na primeira reunião com os responsáveis, a imagem do stick era normalmente suficiente para demonstrar que a evolução estimada era um mero passe de mágica que poderia começar por iludir o banco, mas a empresa seria certamente a vítima final.
Passados anos, muitos ainda me perguntam como vai o stick. O facto é que a aplicação da ideia, que não inventei, apenas repliquei, levou a verdadeiras reestruturações das propostas de reestruturação iniciais.
Lembrei-me destes episódios quando, faz pouco mais de um ano, o gestor do PS apresentou aos portugueses, com o suporte da “autoridade” dos ilustrados consultores que o elaboraram, um macro plano de reestruturação da economia e das finanças do país, de modo a conseguir o crescimento da produção, no caso do PIB, a diminuição dos prejuízos, no caso do défice, e o fim da austeridade. O que seria excelente, não fora o plano baseado em pressupostos que escapavam ao seu controle, mas que um afinado power point considerou jeitosos para consubstanciar um modelo inovador capaz de colocar, de uma penada, o país a crescer, a dívida a diminuir, o défice a definhar, a austeridade a acabar. Crescimentos das exportações a 5,9% e do investimento a 7,8% vinham mesmo a calhar.
Os trabalhos de construção da geringonça e do OE para 2016 levaram a que o plano fosse retocado, alterando pressupostos à medida para que se mantivessem os grandes objetivos iniciais.
Claro que qualquer observador sensato e autoridades independentes, nacionais e internacionais, verificaram que os pressupostos se tornaram ainda menos controláveis e mais incapazes de produzir os resultados previstos.
O que se confirma no “crescimento” da produção, que andará abaixo de 1%, efeito de pressupostos irrealizáveis, com a receita fiscal a crescer o triplo do produto, aumentando a carga tributária e estagnando consumo e investimento, a despesa a aumentar, o investimento público a cair para compensar o aumento dos funcionários e o fim do IVA da restauração. As exportações de 2016 apresentaram o valor mais baixo desde 2009, enquanto a dívida atingiu o valor mais alto de sempre.
Numa democracia de qualidade, em que deputados não fossem meros delegados à ordem do chefe, o plano político e económico da geringonça, padecendo do síndroma do stick de hóquei, tal a ficção dos seus pressupostos, seria rejeitado no Parlamento. O stick configurado no programa seria mesmo o instrumento ideal para lançar a ficção para bem longe. Ao contrário, ofereceram-no como presente à geringonça, que teima em manter pressupostos e modelo.
E cá estamos todos a aguentar as stickadas, máximos na dívida, zero na economia.
Economista e Gestor
Subscritor do Manifesto
Por uma Democracia de Qualidade
pcardao@gmail.com