Carlos Silva. “A UGT está disponível para discutir congelamento salarial em 2017”

Carlos Silva. “A UGT está disponível para discutir congelamento salarial em 2017”


Secretário-geral da central sindical reivindica, porém, outras medidas de compensação para os trabalhadores. E não abdica de uma atualização do salário mínimo


Apesar do discurso interno, as pressões externas parecem estar a resultar e o governo, afinal, vai avançar com mais medidas de austeridade em 2017, nomeadamente o congelamento de salários.

Não há dúvida de que não pode deixar de ser preocupante a enorme pressão internacional que está a ser feita sobre o governo português em relação ao cumprimento dos nossos Orçamentos. Não haver aumentos salariais e o congelamento da progressão das carreiras significa que os funcionários públicos continuam a ser o bode expiatório de muitas das políticas de austeridade que são aplicadas aos países com dificuldades económicas. A UGT vai reafirmar a sua oposição e rejeição das sanções, mesmo que a título zero, e rejeitar a continuação da política de austeridade. Mas fico muito preocupado quando vejo o FMI a continuar a carregar sobre a economia portuguesa, lançando algum pânico nomeadamente sobre o setor bancário, como se pudesse prejudicar a economia global. Não compreendo.

Como interpreta isso?

É um perfeito disparate a juntar a outros que o FMI tem feito, nomeadamente a errónea avaliação que fez da economia portuguesa nos últimos anos. Aliás, basta ver que foi o FMI que desenhou o programa de ajustamento, com tremendos sacrifícios para os portugueses, e vejam os resultados. Onde está o abaixamento do défice? Onde está o abaixamento do rácio da dívida pública? Onde está a criação de emprego? Onde está o crescimento económico? Tudo falhou. O FMI deveria ter algum cuidado e respeito pelos Estados soberanos quando põe em causa determinados caminhos políticos decididos soberanamente pelos governos. O FMI não está contente com os erros que tem cometido e quer continuar a cumprir uma meta ideológica muito liberal, mas que efetivamente vem ao arrepio dos verdadeiros problemas da economia.

O FMI não era o “credor bom” da troika?

O FMI dá uma no cravo e outra na ferradura. Diz uma coisa perante a opinião pública mas, depois, os chefes de missão fazem exatamente o contrário do que diz a diretora-geral. A prática do FMI não corresponde ao discurso. O discurso é simpático, cortês, de abertura, de flexibilização das metas, mas depois, na prática, o FMI é o primeiro a armar-se em carrasco. O FMI tem sido o carrasco da economia portuguesa e esta divagação sobre o setor bancário leva a pensar que há aqui um descrédito que começa a corroer a própria credibilidade e reputação do fundo.

Mas voltando às medidas de austeridade, um congelamento salarial em 2017 é ou não aceitável?

É um cenário que podemos estar disponíveis para discutir. Podemos discutir alternativas que podem passar não só por questões pecuniárias. Se houver mais dias de descanso, mais dias de férias… Há sempre compensações. Os trabalhadores têm de perceber. No final de dezembro estará completa a reversão total dos cortes dos funcionários públicos. A partir daí esperamos que possa haver uma atualização salarial. Mas julgo que não será nenhum drama se não houver uma atualização salarial no próximo ano. Uma coisa é certa: ao discutirmos a atualização do salário mínimo, abarcará, só no setor público, quase 200 mil trabalhadores. Se calhar, as esferas intermédias e mais altas podem não ter.

Mas uma coisa são cortes nos salários e pensões, outra são suspensões na evolução dos salários.

Se houver estagnação económica e se algumas metas estiverem em risco de ser cumpridas, isso só se vai analisar no fim do ano. Mas tem de haver a ponderação necessária do movimento sindical para perceber o que vai ser feito em 2017. Para uma coisa a UGT não está disponível: para cortes cegos que continuem a incidir sobre os rendimentos dos trabalhadores. É necessário crescimento e emprego. Se, para se cumprirem determinadas metas orçamentais, o governo não conseguir avançar com aumentos salariais e o desbloqueamento da progressão das carreiras, é uma matéria que vamos ter de discutir com os sindicatos do setor. Mas deve haver abertura negocial para, em conjunto com os sindicatos, encontrar outras matérias de índole pecuniária para que os trabalhadores não continuem a sofrer na pele e na carteira as políticas recessivas dos últimos anos. Uma coisa são cortes, e isso estamos contra; não haver aumentos salariais, enfim, é uma questão que temos de analisar. Por exemplo, não deixaremos de discutir na concertação social a atualização do salário mínimo nacional para 2017. Temos um valor na cabeça, mas não lhe vou revelar qual é. Queremos ver o cenário macro até ao final do terceiro trimestre. No final de setembro, princípio de outubro, quando já se estiver a discutir o OE, veremos quais são as expetativas do próprio governo. Mas não deixaremos de apresentar uma proposta de atualização.

Leia mais na edição impressa do jornal i