PCP e BE. A luta continua dentro da esquerda

PCP e BE. A luta continua dentro da esquerda


Referendo sobre União Europeia abriu uma guerra entre PCP e Bloco. “Quedai-vos sozinhos em tal pântano”, diz o eurodeputado João Ferreira 


O referendo sobre a União Europeia abriu uma troca de críticas entre os dois partidos de esquerda que apoiam o governo, sem precedentes desde que foi assinado o acordo para viabilizar o executivo do PS. Os bloquistas acusam o PCP de incoerência por ter deixado de apoiar uma consulta popular. Os comunistas não aceitam a crítica e alertam que “a experiência da Grécia demonstra que o referendo não deve ser instrumentalizado em função de objetivos populistas e de protagonismo mediático”. 

Mas para perceber a guerra na esquerda é preciso recuar à Convenção do BE do passado dim de semana. Catarina Martins avançou com uma proposta para a realização de um referendo se a União Europeia aplicar sanções a Portugal. O PCP – juntamente com PS, PSD e CDS  – rejeitou a ideia e o Bloco respondeu com um artigo no “Esquerda.net” – o jornal do partido – em que acusa os comunistas de incoerência. “Contra o que tem defendido desde há 25 anos, Partido Comunista opõe-se à proposta de referendo ao Tratado Orçamental”, escreveram os bloquistas. Nas redes sociais, Jorge Costa, deputado do BE, partilhou o artigo e lembrou que “o programa do PCP às eleições europeias de 2014 defendia claramente ‘o direito inalienável do povo português de debater e se pronunciar de forma esclarecida, incluindo por referendo, sobre o conteúdo e objetivos dos acordos e tratados, atuais e futuros’”.  

“QuedaI-vos sozinhos” Foi esta acusação que fez o PCP subir o tom das críticas. João Ferreira, deputado comunista no Parlamento Europeu, não pensava “voltar ao assunto”, mas “dadas as circunstâncias” decidiu responder ao Bloco. “Se o oportunismo é coisa feia, a manipulação não lhe fica atrás. Depois de um hino ao primeiro, eis uma ode à segunda”, escreveu na sua página do Facebook o eurodeputado comunista. João Ferreira acusa o BE de fazer uma proposta vaga – “dá para tudo e não dá para nada” – e recusa dar apoio a uma “iniciativa destas”. A justificação é que “o referendo é um instrumento demasiado sério para ser usado para levar a água ao seu moinho de estreitas e oportunistas agendas mediáticas. Não podem esperar isso do PCP. Isso não. Lamento, mas quedai vós sozinhos em tal pântano”. 

O deputado António Filipe também não deixou o BE sem resposta. “O PCP não mudou de opinião sobre o referendo nestes 25 anos. Mas há quem tenha mudado da manhã de sábado para o início da tarde de domingo”. A farpa é dirigida a Catarina Martins, que no início da Convenção do BE admitiu que “este não é o momento de saltarem com cartadas de referendos”.

António Filipe demarca-se da estratégia seguida pelo partido de Catarina Martins e explica que o caminho do PCP “é pouco compatível com sound bites de ocasião e com o apoio apriorístico a ‘propostas’ que podem ser boas para lançar ao ar mas que nem se percebe com que pés assentam no chão”. 

O deputado do PCP já tinha escrito que a Constituição trava a proposta do BE: “A Constituição só permite referendos sobre questões que devam ser decididas através de convenção internacional ou de ato legislativo. Não admite referendos revogatórios de decisões já tomadas. Concorde-se ou não, é assim”.

BE não responde As críticas são duras, mas o BE prefere não responder e remete qualquer explicação para o artigo publicado no “Esquerda.Net”. O artigo foi publicado na terça-feira à tarde e atualizado quase à meia-noite para acrescentar que, “em nota divulgada ao fim da tarde de terça-feira, o PCP confirma a alteração da sua posição quanto ao recurso ao referendo”.

A nota do gabinete de  imprensa do PCP explica com detalhe a posição dos comunistas sobre a proposta de Catarina Martins. “Avançar neste quadro, com uma proposta de referendo para tomar posição contra as sanções, significa admitir a possibilidade de capitulação perante a União Europeia, admitindo que por via do referendo podem ser legitimadas as sanções ou outras imposições europeias. 

O PCP considera que a experiência da Grécia mostra que “o referendo não deve ser instrumentalizado em função de objetivos populistas e de protagonismo mediático”.

Esta não é a primeira guerra entre BE e PCP. Na análise do resultado das eleições presidenciais, em janeiro, os comunistas acusaram a candidatura de Marisa Matias de “recorrer à falta de rigor e de respeito pela verdade, bem como à exploração demagógica de temas de ocasião”. Os bloquistas já acusaram várias vezes o PCP de “sectarismo”.

O BE tem conseguido melhores resultados eleitorais do que os comunistas. Nas eleições legislativas, em outubro, o BE conseguiu mais de 10% dos votos e o PCP 8,2%. A distância foi mais clara nas presidenciais: Marisa Matias ficou em terceiro lugar, com mais de 10% dos votos, e Edgar Silva não chegou aos 4%.