Uma história para adormecer…


Em qualquer idade, as histórias para adormecer são um momento de gozo, diversão, entretenimento e também de terapia. Para os mais velhos e os próprios adultos, ler um bocadinho à noite, nem que sejam dois ou três poemas, um artigo de jornal ou algumas páginas de um romance, podem ajudar a fechar bem as contas…


Muitos pais questionam-se sobre se há ou não vantagens em contar uma história antes de a criança dormir. A resposta é sim! Mais, creio que para toda a gente faria bem, no sentido de encaminhar para o sono, ler algumas linhas de um livro ou de uma revista ou jornal, já deitado na cama. Mas voltemos às crianças.

Uma história ao adormecer é um momento em que há mistura de ternura, alegria, repouso, encaminhar para o sono e criatividade. Além disso, é uma excelente oportunidade para, estando a criança já deitada, os pais se abstraírem da intrusiva televisão ou do computador e estarem com os filhos, já que, inclusivamente, a maioria refere estar pouco tempo com eles.

Qualquer pessoa dorme melhor quando se sente segura. A presença dos pais, através da voz e dos códigos interpessoais, ajuda a desenvolver a parte emocional do cérebro, potenciando a inteligência emocional, os laços de confiança e o sentir-se capaz de “atravessar a noite” sem que algo de mau venha a ocorrer. Não nos esqueçamos que, na nossa memória antropológica de centenas de milhares de anos, estão “conservados” os medos e perigos que os humanos correram e, em consequência, as medidas preventivas, como o estar alerta nas alturas do dia em que os predadores ou os inimigos atacavam: a noite.

É engraçado constatar que pai e mãe têm maneiras geralmente diferentes de contar a mesma história: as mães seguem mais o livro ou o guião e não alteram tanto a voz, os pais inventam e dramatizam, com piadas e vozes teatrais.

Para criar uma rotina com vista a uma boa “higiene do sono”, é muito importante a história ao deitar. A maioria das crianças resiste a ir para a cama por dois motivos: por um lado, o receio de desligar, de perder o controlo, de se entregar ao destino; por outro, porque têm tanta coisa que querem fazer que dormir será encarado como uma perda de tempo. Ainda há as que querem ficar para “deitar os pais”, ou seja, por acharem que têm tantos direitos como os pais, incluindo a hora de deitar, e isso já são motivos menos bons.

Será que as crianças de hoje desaprenderam de dormir ou, pelo menos, têm maior dificuldade em adormecer e resistência ao sono, provavelmente porque o excesso de estímulos e os horários tardios das famílias não ajudam? Na ausência de estudos credíveis, não sei se este fenómeno é mais ou menos frequente do que antes – até porque pouco se ligava ao sono dos mais pequenos -, mas o que é facto é que os problemas do sono são muito comuns e encarados cada vez mais com rigor e importância. Antes, porventura, fechava-se a porta e a criança que berrasse até adormecer, o que causava desamparos e traumas de vária índole; hoje está-se mais atento, mesmo que por vezes se caia no extremo oposto. Os horários escolares e laborais e os malfadados TPC não ajudam, acrescidos da intrusividade dos ecrãs, telemóveis, iPads, computadores e televisão, que roubam o tempo do serão e ainda ocupam a hora da refeição (se as pessoas caírem nessa!). Creio que as famílias têm de parar para pensar o tempo da sua vida em casa, que pode ser mais bem organizado e não ser consumido com coisas sem significado ou ganhos reais, sejam programas de qualidade duvidosa ou a ver pela enésima vez as notícias, e que se deve atender aos ritmos e desígnios dos vários elementos.

Uma questão que se pode colocar é saber porque as crianças insistem, muitas vezes, em ouvir as mesmas histórias repetidas. Poder-se-á questionar o que os contos lhes podem dar no sentido de respeitarem o seu limite intelectual e na ajuda para lidar com a agressividade, a rejeição, os medos, os dilemas, a justiça, a morte, os problemas próprios da idade.

Ouvir várias vezes a história é, no fundo, tentar compreender todo o seu enredo e, depois de uma primeira apreciação mais global, ter em atenção os pormenores, que são tão importantes como o tema de fundo. As histórias ensinam-nos muito sobre a vida, o percurso de vida, o bem e o mal, a luta e os conflitos éticos, os medos, entre tantas outras coisas, mas através de heróis, que não a criança diretamente. Permitem também aliviar tensões e emoções, compreender sentimentos e como o mundo funciona, em termos de responsabilidade do que fazemos e do impacte que tem sobre os outros.

De qualquer forma, e pensando que depois virá o “manto negro da noite”, é importante desenhar um final feliz para dar a segurança de que a criança necessita para dormir e reduzir potenciais angústias, quer da noite que chega, quer do dia que passou e do que aí virá.

Um final feliz dará a certeza de que o bem vence o mal e que a normalidade das coisas fica reposta, mas à custa de trabalho, luta, vencendo receios e tendo uma estratégia positiva e corajosa para a vida. Aprender a lidar com a frustração e as contrariedades do dia-a-dia é fundamental, e quase todas as histórias nos ensinam isso, bem como os limites e a ideia de que não podemos ter tudo.

Claro está que, sobretudo quando são os progenitores masculinos a contar a história, há um empolgamento, mas que é natural e não excita mas diverte. Advogo que se conte a história com a criança já deitada e com pouca luz. Qualquer história serve, desde as tradicionais, que devem primeiro ser contadas como foram escritas, ou seja, o bem vence o mal e mata-o, e depois inventando outras personagens que permitem aos pais enviar recados aos filhos e a estes, quando se apoderam também da capacidade de delinear enredos, veicularem mal-estares ou até referirem situações pelas quais estejam a passar e que tenham medo de referir abertamente.

Resumindo: em qualquer idade, as histórias para adormecer são um momento de gozo, diversão, entretenimento e também de terapia. Para os mais velhos e os próprios adultos, ler um bocadinho à noite, nem que sejam dois ou três poemas, um artigo de jornal ou algumas páginas de um romance, pode ajudar a fechar bem as contas do dia e permitir um suave deslizar para o sono, que se deseja calmo, tranquilo e reconfortante.

Pediatra

Escreve à terça-feira


Uma história para adormecer…


Em qualquer idade, as histórias para adormecer são um momento de gozo, diversão, entretenimento e também de terapia. Para os mais velhos e os próprios adultos, ler um bocadinho à noite, nem que sejam dois ou três poemas, um artigo de jornal ou algumas páginas de um romance, podem ajudar a fechar bem as contas…


Muitos pais questionam-se sobre se há ou não vantagens em contar uma história antes de a criança dormir. A resposta é sim! Mais, creio que para toda a gente faria bem, no sentido de encaminhar para o sono, ler algumas linhas de um livro ou de uma revista ou jornal, já deitado na cama. Mas voltemos às crianças.

Uma história ao adormecer é um momento em que há mistura de ternura, alegria, repouso, encaminhar para o sono e criatividade. Além disso, é uma excelente oportunidade para, estando a criança já deitada, os pais se abstraírem da intrusiva televisão ou do computador e estarem com os filhos, já que, inclusivamente, a maioria refere estar pouco tempo com eles.

Qualquer pessoa dorme melhor quando se sente segura. A presença dos pais, através da voz e dos códigos interpessoais, ajuda a desenvolver a parte emocional do cérebro, potenciando a inteligência emocional, os laços de confiança e o sentir-se capaz de “atravessar a noite” sem que algo de mau venha a ocorrer. Não nos esqueçamos que, na nossa memória antropológica de centenas de milhares de anos, estão “conservados” os medos e perigos que os humanos correram e, em consequência, as medidas preventivas, como o estar alerta nas alturas do dia em que os predadores ou os inimigos atacavam: a noite.

É engraçado constatar que pai e mãe têm maneiras geralmente diferentes de contar a mesma história: as mães seguem mais o livro ou o guião e não alteram tanto a voz, os pais inventam e dramatizam, com piadas e vozes teatrais.

Para criar uma rotina com vista a uma boa “higiene do sono”, é muito importante a história ao deitar. A maioria das crianças resiste a ir para a cama por dois motivos: por um lado, o receio de desligar, de perder o controlo, de se entregar ao destino; por outro, porque têm tanta coisa que querem fazer que dormir será encarado como uma perda de tempo. Ainda há as que querem ficar para “deitar os pais”, ou seja, por acharem que têm tantos direitos como os pais, incluindo a hora de deitar, e isso já são motivos menos bons.

Será que as crianças de hoje desaprenderam de dormir ou, pelo menos, têm maior dificuldade em adormecer e resistência ao sono, provavelmente porque o excesso de estímulos e os horários tardios das famílias não ajudam? Na ausência de estudos credíveis, não sei se este fenómeno é mais ou menos frequente do que antes – até porque pouco se ligava ao sono dos mais pequenos -, mas o que é facto é que os problemas do sono são muito comuns e encarados cada vez mais com rigor e importância. Antes, porventura, fechava-se a porta e a criança que berrasse até adormecer, o que causava desamparos e traumas de vária índole; hoje está-se mais atento, mesmo que por vezes se caia no extremo oposto. Os horários escolares e laborais e os malfadados TPC não ajudam, acrescidos da intrusividade dos ecrãs, telemóveis, iPads, computadores e televisão, que roubam o tempo do serão e ainda ocupam a hora da refeição (se as pessoas caírem nessa!). Creio que as famílias têm de parar para pensar o tempo da sua vida em casa, que pode ser mais bem organizado e não ser consumido com coisas sem significado ou ganhos reais, sejam programas de qualidade duvidosa ou a ver pela enésima vez as notícias, e que se deve atender aos ritmos e desígnios dos vários elementos.

Uma questão que se pode colocar é saber porque as crianças insistem, muitas vezes, em ouvir as mesmas histórias repetidas. Poder-se-á questionar o que os contos lhes podem dar no sentido de respeitarem o seu limite intelectual e na ajuda para lidar com a agressividade, a rejeição, os medos, os dilemas, a justiça, a morte, os problemas próprios da idade.

Ouvir várias vezes a história é, no fundo, tentar compreender todo o seu enredo e, depois de uma primeira apreciação mais global, ter em atenção os pormenores, que são tão importantes como o tema de fundo. As histórias ensinam-nos muito sobre a vida, o percurso de vida, o bem e o mal, a luta e os conflitos éticos, os medos, entre tantas outras coisas, mas através de heróis, que não a criança diretamente. Permitem também aliviar tensões e emoções, compreender sentimentos e como o mundo funciona, em termos de responsabilidade do que fazemos e do impacte que tem sobre os outros.

De qualquer forma, e pensando que depois virá o “manto negro da noite”, é importante desenhar um final feliz para dar a segurança de que a criança necessita para dormir e reduzir potenciais angústias, quer da noite que chega, quer do dia que passou e do que aí virá.

Um final feliz dará a certeza de que o bem vence o mal e que a normalidade das coisas fica reposta, mas à custa de trabalho, luta, vencendo receios e tendo uma estratégia positiva e corajosa para a vida. Aprender a lidar com a frustração e as contrariedades do dia-a-dia é fundamental, e quase todas as histórias nos ensinam isso, bem como os limites e a ideia de que não podemos ter tudo.

Claro está que, sobretudo quando são os progenitores masculinos a contar a história, há um empolgamento, mas que é natural e não excita mas diverte. Advogo que se conte a história com a criança já deitada e com pouca luz. Qualquer história serve, desde as tradicionais, que devem primeiro ser contadas como foram escritas, ou seja, o bem vence o mal e mata-o, e depois inventando outras personagens que permitem aos pais enviar recados aos filhos e a estes, quando se apoderam também da capacidade de delinear enredos, veicularem mal-estares ou até referirem situações pelas quais estejam a passar e que tenham medo de referir abertamente.

Resumindo: em qualquer idade, as histórias para adormecer são um momento de gozo, diversão, entretenimento e também de terapia. Para os mais velhos e os próprios adultos, ler um bocadinho à noite, nem que sejam dois ou três poemas, um artigo de jornal ou algumas páginas de um romance, pode ajudar a fechar bem as contas do dia e permitir um suave deslizar para o sono, que se deseja calmo, tranquilo e reconfortante.

Pediatra

Escreve à terça-feira