Rui Moreira acha que os drogados são criminosos


“Ninguém fica indiferente a um toxicodependente que se injeta no meio da rua, à porta de uma escola, por exemplo. É um cenário decadente e ninguém tem de ser obrigado a ver isso. Mas daí a querer criminalizar esse ato vai todo um mundo”


Sejamos francos. Se o que disse Rui Moreira tivesse saído da boca de André Ventura, logo um coro infindável de vozes se teria feito ouvir. Mas o presidente da Câmara do Porto goza de um estatuto de independente, de homem ponderado, e poucos publicamente ousaram dizer que a sua proposta de criminalização dos toxicodependentes é uma verdadeira aberração e um retrocesso “civilizacional”, como o definiu João Goulão, diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). Ninguém fica indiferente a um toxicodependente que se injeta no meio da rua, à porta de uma escola, por exemplo. É um cenário decadente e ninguém tem de ser obrigado a ver isso. Mas daí a querer criminalizar esse ato vai todo um mundo. Rui Moreira devia, sim, ter defendido as salas de chuto, onde os heroinómanos possam matar o vício e sem incomodar seja quem for. Podia também ter falado que é preciso mais equipas de apoio aos toxicodependentes. Mas o autarca do Porto baralhou ainda mais as contas ao falar em quem consome droga na via pública. Estaria Rui Moreira a falar de canábis? Ou era só de heroinómanos? A descriminalização do consumo de droga foi uma grande conquista da democracia, não mandando para a cadeia viciados em heroína, uma praga que arrasou a geração que andaria hoje pelos 60 anos. Apostou-se na prevenção e muita gente fugiu da droga mais viciante do mercado. No entanto, calculo que Rui Moreira queira encher ainda mais as prisões portuguesas com as pessoas que se drogam na via pública. É sabido que os heroinómanos não são propriamente um belo cartaz para o turismo, mas isso não justifica que se mande para a prisão pessoas que precisam de ser tratadas – e não é na cadeia que vão conseguir deixar o vício. Está, pois, por perceber o que levou Rui Moreira a defender tal medida. Como disse, nenhuma família tem de se confrontar com um homem, com uma seringa na mão, a injetá-la no braço. O melhor mesmo é arranjar um sítio onde o possa fazer com todos os cuidados higiénicos, havendo ainda a hipótese de ser encaminhado para um centro de recuperação. Isso, sim.