MP: a reforma do estatuto (II)


Tinha pensado continuar a escrever sobre o Estatuto do Ministério Público: fá-lo-ei certamente depois


Sentado num pequeno bistrot em Haia, sigo melancólico o Verão nesta cidade onde sozinho, de turno, prossigo a minha função, quando quase todos se foram já.

Vantagens e desvantagens dos magistrados sulistas, que continuam, criteriosos, a executar aquilo de que muitos outros se gabam mas nem sempre cumprem.

As nuvens correm baixas, rápidas, densas e vagamente coloridas por uma réstia de sol, empurradas pelo vento furioso, vindo do mar do Norte.

Dentro, enquadradas pela luz de velas acesas e já outonais de um Julho triste, soam baladas melancólicas de uns tais Jon and Roy: um mix de Dylan descafeinado. O ambiente é acolhedor, mas só. Parece um quadro de Hopper.

Pessoas, à mesa, olham para fora, sorrindo nostálgicas através das janelas sem cortinados, porventura saudosas dos Verões que nunca puderam gozar demoradamente.

Caras que nunca lembrarão esta que as contempla e que também delas se esquecerá: máscaras gregas de uma Grécia que hoje abominam.

Pessoas satisfeitas e seguras de uma felicidade que se desinteressa dos outros – de todos os outros – e que depressa retomam leituras salvíficas.   

Lá fora passam homens e mulheres apressados, aprumados e resolutos, corridos pelo vento e por uma chuva que afinal nunca os molhará.

Correm a pé e sobretudo de bicicleta, que dominam como ninguém.

Eu, não sei se inventando ou verdadeiramente lembrando, recordo outros Verões em que, jovem, o sol e a luz crua me cegavam, reflectidos pelas paredes brancas de um Algarve ainda autêntico. Todavia, este pequeno espaço, este bistrot, sinto-o acolhedor e lugar de vidas cheias.

Podia pensar-se todo um filme aqui: um filme francês talvez, ou um sempre desejado – mas nunca alcançado – cinema português, incapaz até de retratar uma geração burguesa que nunca realizou verdadeiramente os seus sonhos de felicidade libertária.

Uma burguesia que nunca venceu e que, quando quase o conseguiu, se suicidou, pois descobriu que a vitória não era sua, mas de outros. Porventura destes que aqui contemplo, absorto.

Assim é Haia em finais de Julho, à espera ou depois de um Verão que já foi, ou ainda não veio e – ao que me dizem – nunca virá.

Aqui se reúnem pessoas de toda a Europa; pessoas sós, falando todas um inglês que inventam como podem, um esperanto sem esperança e, pior, sem angústia ou sofrimento.

Pessoas criando estórias dos países que apenas existem nas suas imaginações e memórias, mas cuja força antiga domina e conduz já, de novo, os demónios que uma vez mais nos afligem.

2. Pensava continuar a escrever sobre o Estatuto do Ministério Público: fá-lo-ei certamente, depois.
Há momentos em que devemos parar e olhar para tudo o que nos impusemos, mesmo para o poder cumprir devidamente.

Hoje somos confrontados e movidos por tantas pulsões que julgamos nossas – mas não são – que importa estar sós e reflectir sobre o que queremos continuar a querer.

Nesta Europa de muitos sorrisos – uns verdadeiros e amigos, outros de circunstância – convém parar, olhar e meditar sobre o caminho a percorrer. 

Avaliar o que – colectiva e pessoalmente – conseguimos para os outros, para os nossos, e para nós, aquilo que perdemos e deixámos perder e procurar a razão dessa perda.
Correr sempre, sem pensar, não ajuda nada. 

3. Estar sentado neste bistrot, ver a gente que está e que passa, procurar ler o que pensam e porque pensam e sentem assim, reconduz-nos às nossas opções de vida, à nossa vida.
Talvez o próximo texto possa beneficiar deste pequeno, mas necessário, intermezzo.
 
Jurista. Escreve à terça-feira   

MP: a reforma do estatuto (II)


Tinha pensado continuar a escrever sobre o Estatuto do Ministério Público: fá-lo-ei certamente depois


Sentado num pequeno bistrot em Haia, sigo melancólico o Verão nesta cidade onde sozinho, de turno, prossigo a minha função, quando quase todos se foram já.

Vantagens e desvantagens dos magistrados sulistas, que continuam, criteriosos, a executar aquilo de que muitos outros se gabam mas nem sempre cumprem.

As nuvens correm baixas, rápidas, densas e vagamente coloridas por uma réstia de sol, empurradas pelo vento furioso, vindo do mar do Norte.

Dentro, enquadradas pela luz de velas acesas e já outonais de um Julho triste, soam baladas melancólicas de uns tais Jon and Roy: um mix de Dylan descafeinado. O ambiente é acolhedor, mas só. Parece um quadro de Hopper.

Pessoas, à mesa, olham para fora, sorrindo nostálgicas através das janelas sem cortinados, porventura saudosas dos Verões que nunca puderam gozar demoradamente.

Caras que nunca lembrarão esta que as contempla e que também delas se esquecerá: máscaras gregas de uma Grécia que hoje abominam.

Pessoas satisfeitas e seguras de uma felicidade que se desinteressa dos outros – de todos os outros – e que depressa retomam leituras salvíficas.   

Lá fora passam homens e mulheres apressados, aprumados e resolutos, corridos pelo vento e por uma chuva que afinal nunca os molhará.

Correm a pé e sobretudo de bicicleta, que dominam como ninguém.

Eu, não sei se inventando ou verdadeiramente lembrando, recordo outros Verões em que, jovem, o sol e a luz crua me cegavam, reflectidos pelas paredes brancas de um Algarve ainda autêntico. Todavia, este pequeno espaço, este bistrot, sinto-o acolhedor e lugar de vidas cheias.

Podia pensar-se todo um filme aqui: um filme francês talvez, ou um sempre desejado – mas nunca alcançado – cinema português, incapaz até de retratar uma geração burguesa que nunca realizou verdadeiramente os seus sonhos de felicidade libertária.

Uma burguesia que nunca venceu e que, quando quase o conseguiu, se suicidou, pois descobriu que a vitória não era sua, mas de outros. Porventura destes que aqui contemplo, absorto.

Assim é Haia em finais de Julho, à espera ou depois de um Verão que já foi, ou ainda não veio e – ao que me dizem – nunca virá.

Aqui se reúnem pessoas de toda a Europa; pessoas sós, falando todas um inglês que inventam como podem, um esperanto sem esperança e, pior, sem angústia ou sofrimento.

Pessoas criando estórias dos países que apenas existem nas suas imaginações e memórias, mas cuja força antiga domina e conduz já, de novo, os demónios que uma vez mais nos afligem.

2. Pensava continuar a escrever sobre o Estatuto do Ministério Público: fá-lo-ei certamente, depois.
Há momentos em que devemos parar e olhar para tudo o que nos impusemos, mesmo para o poder cumprir devidamente.

Hoje somos confrontados e movidos por tantas pulsões que julgamos nossas – mas não são – que importa estar sós e reflectir sobre o que queremos continuar a querer.

Nesta Europa de muitos sorrisos – uns verdadeiros e amigos, outros de circunstância – convém parar, olhar e meditar sobre o caminho a percorrer. 

Avaliar o que – colectiva e pessoalmente – conseguimos para os outros, para os nossos, e para nós, aquilo que perdemos e deixámos perder e procurar a razão dessa perda.
Correr sempre, sem pensar, não ajuda nada. 

3. Estar sentado neste bistrot, ver a gente que está e que passa, procurar ler o que pensam e porque pensam e sentem assim, reconduz-nos às nossas opções de vida, à nossa vida.
Talvez o próximo texto possa beneficiar deste pequeno, mas necessário, intermezzo.
 
Jurista. Escreve à terça-feira