Coluna. A morte do “mais velho”


Coluna, boa noite. Tudo bem? Desde que o Benfica ganhe. Mas o jogo ainda nem começou! Sim, mas ganhou o último que fui ver. Aquele na sexta-feira… Com o Paços de Ferreira. Isso. Desculpe o meu compasso de espera, mas nunca joguei com o Paços [o primeiro jogo com o Benfica foi em 1982, ou…


Coluna, boa noite. Tudo bem?

Desde que o Benfica ganhe.

Mas o jogo ainda nem começou!

Sim, mas ganhou o último que fui ver. Aquele na sexta-feira…

Com o Paços de Ferreira.

Isso. Desculpe o meu compasso de espera, mas nunca joguei com o Paços [o primeiro jogo com o Benfica foi em 1982, ou seja 12 anos depois de Coluna arrumar as botas] e então o nome falhou-me. Não foi por mal.

Claro que não, mas obrigado pelo esclarecimento. Agora é Benfica e Lyon. Foi o primeiro jogador a saltar de um clube para o outro. Alguma sensação especial?

Não. O Benfica é o Benfica. Sou do Benfica desde que nasci. Quando jogava em Moçambique, o FC Porto apresentou-me uma proposta [90 contos por três épocas] e o Sporting outra [100 contos por duas épocas]. O Benfica igualou a do Sporting e eu fui para lá. Num abrir e fechar de olhos. Repito, o Benfica é o Benfica. Seja qual for o outro clube, não me divido.

Mas então e aquela época no Lyon?

O Benfica é o Benfica. Ponto.

O último telefonema do i para Coluna data de Novembro-2010, a propósito do Benfica-Lyon da fase de grupos da Liga dos Campeões, e o capitão não esconde o seu benfiquismo com “o Benfica é o Benfica, ponto”. Final parágrafo, claro.

Coluna. A maioria trata-o por capitão, inclusive Eusébio, que lhe reservara outro epíteto: “o mais velho”. Mas ele, tímido e sossegado, não precisa da braçadeira para ganhar respeito, muito menos de levantar a voz. Impõe-se com a naturalidade dos campeões e é assim que se faz capitão do Benfica. E de Portugal. E da selecção do Resto do Mundo. Coluna é Coluna, ponto. Final parágrafo, claro.

Coluna começa a dar nas vistas na África lusófona, mais precisamente em Moçambique, ao serviço do Desportivo de Lourenço Marques, então filial do Benfica, cujo sócio fundador e antigo guarda-redes é o seu pai. Carlos Mesquita, treinador do Desportivo e antigo jogador do FC Porto, quer levar o avançado para as Antas mas é o Benfica quem leva a melhor. Chega a Lisboa em 1954 e segue directamente para o Lar do Jogador, inaugurado precisamente nesse ano, sob a orientação de Otto Glória.

“Nunca mais me esquecerei dessa época”, conta Coluna. “Foi a minha primeira temporada pelo Benfica e ganhei tudo [campeonato e Taça], sem esquecer que tive a honra de ser um dos jogadores que estrearam o Estádio da Luz. Foi a maior satisfação da minha vida desportiva, sobretudo se tivermos em conta que o Sporting dos Cinco Violinos havia ganho os últimos quatro campeonatos. Na altura, o Benfica passou por uma revolução, com a entrada do Otto Glória, um dos melhores treinadores que vi, juntamente com Bela Guttmann e Fernando Riera. Ele entendia de futebol, era um bom conselheiro e deu-me sempre muita força para ser o capitão dentro de campo. Naquele tempo, os treinadores não podiam levantar-se e falar para o campo, senão eram expulsos pelo árbitro. Assim, ele dizia-me: “Coluna, lá dentro és o responsável”.” Mantém-se aquela ideia inicial, Coluna é Coluna, ponto. Final parágrafo, claro.

“Além do Otto”, acrescenta Coluna, “o Benfica reforçou-se com três moçambicanos: eu, o Costa Pereira e o Naldo. O Costa Pereira e o Naldo foram de barco e chegaram primeiro a Lisboa. Eu cheguei depois, após uma viagem de avião que durou 34 horas. Dei a volta ao Mundo! Cheguei, fui logo titular, marquei golos nos primeiros jogos e fixei-me na equipa. Houve grandes jogos, mas recordo-me sobretudo da viagem ao Brasil, antes de vencer a Taça de Portugal. Fizemos dois jogos no Maracanã e outros dois em São Paulo, todos para a Taça Charles Miller. No primeiro, perdemos 1-0 com o Flamengo mas fomos elogiados pela Imprensa brasileira, a qual me chamou de “Didi português”.” Façam-lhe a vontade: Didi é Didi, ponto. Final parágrafo, claro.

Autor de dois golos nas duas finais da Taça dos Campeões (como ele, só José Águas, o capitão), uma com o Barça em 1961 e outra com o Real Madrid em 1962. Nesta última, Coluna é actor secundário de uma histórica pitoresca. Antes da marcação do penálti do 4-3, Santamaría passa por Eusébio e chama-lhe “maricón”. Eusébio não percebe e pergunta a Coluna o que é ele quer dizer com aquilo. “Olha, marca o golo e chama-lhe cabrón”. Dito e feito… A parte do golo, claro está. Penálti clássico, bola para um lado, guarda-redes para o outro. Depois, Eusébio fixa o 5-3 de livre indirecto, a punir (outra) falta de Santamaría. Coluna rola a bola para o número 8 e cabuuuuuum.

Dois golos em duas finais europeias seguidas. Coluna só não repete a proeza em 1963 vs. Milan por manifesta má sorte. A final de Wembley está empatada (1-1) aos 63 minutos, quando Coluna sofre uma entrada dura que o inutiliza. Numa época em que as substituições não são ainda permitidas, Coluna passa o tempo a coxear e o Milan coloca-se em vantagem numérica, que lhe seria proveitosa para levantar o troféu com o dois-um aos 69″, novamente por Altafini.

Ao longo dos tempos, atribui-se a falta a um tal Giovanni Trapattoni (número 6). O próprio Coluna acredita nisso. “Quando fomos convidados por uma TV italiana para esclarecer o assunto, Trapattoni acabou por faltar. Não teve coragem para enfrentar as câmaras e dizer a verdade. Lesionou-me e… não foi brincadeira”. Já Trapattoni tem uma máxima. “Nunca lesionei ninguém!” E tem razão.

Através das imagens da RTP, vê-se que o infractor é o número 7 (Pivatelli). O lance desenrola-se no meio-campo benfiquista, com Pivatelli a errar um passe, interceptado por Coluna. O capitão quer iniciar um contra-ataque mas é derrubado com uma entrada por trás: Pivatelli pisa o pé de apoio de Coluna. A bola sobra para uma dupla que segue de perto a progressão de Coluna: Eusébio e Trapattoni. O italiano chuta para a lateral e é aí que a câmara aponta para Coluna, prostrado no relvado com o peito do pé aberto. É assistido fora de campo por dois minutos mas volta – só para fazer número, encostado à linha

Aos 70″, logo depois do 2-1, Coluna abandona o relvado em direcção ao balneário. Sete minutos depois, Wembley aplaude o regresso do guerreiro. Como diria o milanista Rivera, “isto não foi 11 contra 10, mas sim 11 contra 10,5 porque Coluna joga tanto, tanto, tantisimo.” Pois, Coluna é um fora de série. Os números confirmam-no como terceiro mais utilizado de sempre (525 jogos, atrás de Nené-575 e Veloso-538) e ainda aquele com mais títulos de sempre na centenária história do Benfica (19). Coluna é Coluna, ponto. Final. Vítima de infecção pulmonar, no Instituto do Coração em Maputo, o “mais velho” despede-se aos 78 anos.