Camisolas Amarelas


Em sociedades cada vez mais desiguais, a deflagração de perceções de injustiça relativa são pasto fácil para as revoltas espontâneas e para os aproveitamentos populistas


Cada povo tem a sua identidade e, embora a aceleração da mobilidade entre países e continentes e a miscigenação de culturas possam esbater os traços, há dinâmicas que funcionam num determinado contexto e que dificilmente poderão funcionar noutros. A força com que irrompeu o movimento dos coletes amarelos em França e a fraqueza que revelou quando foi tentado replicá-lo em Portugal, são disso um impressivo exemplo.

Embora a nossa história também tenha alguns exemplos de levantamentos e revoltas populares ( a Wikipédia contabiliza 47), França é o berço das grandes revoluções, muitas delas, como a revolta contra o absolutismo monárquico iniciada em 1789 ( a designada revolução francesa) ou o movimento contestatário de maio de 1968, suficientemente fortes para deixarem marcas profundas e constituírem pontos de viragem com impacto em todo o mundo.

Os coletes amarelos mobilizaram-se em França contra Emmanuel Macron, um Presidente que continua a suscitar um elevado grau de aceitação internacional pela clareza e coragem das suas opções e propostas geopolíticas, mas que definha na popularidade interna, não apenas porque as reformas estruturais são sempre dolorosas para uma parte da população, mas sobretudo porque deixou instalar a perceção de que o preço das reformas será faturado ao povo mais desvalido, contrastando com uma isenção de esforço para os mais abastados.

Em sociedades cada vez mais desiguais, a deflagração destas perceções de injustiça relativa são pasto fácil para as revoltas espontâneas e para os aproveitamentos populistas do justo sentimento de descontentamento, desilusão e frustração. Macron deixou-se encapsular como o Presidente dos ricos.

Em Portugal, embora existam focos de descontentamento inevitáveis numa sociedade complexa, a perceção geral, refletida nos estudos de opinião, é que tem havido um esforço das instituições para libertar o País de um ciclo de empobrecimento induzido por uma estratégia financeira sem sensibilidade social nem eficácia económica aplicada pela coligação PPC (Passos/Portas/Cavaco).

Não está por isso criado no nosso País, nem o rasto histórico nem o ambiente social propício à propagação de movimentos espontâneos que consigam atingir a dimensão necessária para serem domados e usados pelos populistas contra o funcionamento das instituições.

Nos dias de hoje, no entanto, os contextos políticos e sociais podem mudar com grande velocidade. Não é avisado que as instituições em geral e o governo em particular, descansem sobre o fracasso da primeira tentativa de captura populista de um movimento social inspirado nos coletes amarelos franceses.

É preciso fomentar a mobilização e a cidadania participativa. Continuar a dar voz a quem reivindica e a explicar pedagogicamente o que pode ser feito já, o que tem que ser feito mais tarde e o que só pode ser feito de forma diferente.

O País precisa de cidadãos que nas suas áreas de atividade, acreditem, liderem, melhorem, conquistem, contaminem, entusiasmem. Camisolas amarelas com sentido de pertença a uma comunidade com história e ambição, que com o seu esforço nos permitam cortar as metas de desenvolvimento de que necessitamos e estão ao nosso alcance.

Eurodeputado