Mundial-1930. Balbúrdia no Oeste a bordo do SS Conte Verde


Barcelona, 8 de Março de 1928. Há uma ideia no ar mas a indecisão é enorme. A FIFA reúne-se e o presidente Jules Rimet fala da ideia de um Mundial de selecções. Uns torcem o nariz, outros não – como o rei espanhol Afonso XIII, presente no congresso. Vai-se a votos e a maioria é…


Barcelona, 8 de Março de 1928. Há uma ideia no ar mas a indecisão é enorme. A FIFA reúne-se e o presidente Jules Rimet fala da ideia de um Mundial de selecções. Uns torcem o nariz, outros não – como o rei espanhol Afonso XIII, presente no congresso. Vai-se a votos e a maioria é quem mais ordena. Avança-se com o ano de 1930 para a edição. Onde? Uruguai. Porquê? Festeja 100 anos da primeira constituição.

Bah, que seja no Uruguai. Não são nada supersticiosos os pioneiros do Mundial que se abalançam a essa coisa olímpica de promover uma prova de tão largo alcance e não menor responsabilidade. São precisamente 13 os participantes, número muito aquém do desejado. A maioria dos países europeus (Portugal, por exemplo) rejeita o convite por considerar o Uruguai uma escolha disparatada pelo elevado custo e duração da viagem. Só quatro selecções se atrevem a ir de barco pelo Atlântico fora, em direcção a Montevideu, e metade delas é pressionada: a França por Jules Rimet, quem vai de comboio até Bucareste fazer um ultimato ao rei Carol de forma a juntar uns jogadores romenos à última hora para o evento. Só Bélgica e Jugoslávia viajam sem pressões de qualquer tipo. Todas elas, as quatro equipas, de barco.

Uma (Jugoslávia) no navio-correio Florida, desde Marselha. As outras três no SS Conte Verde, um barco italiano que arranca de Génova com a Roménia. Os franceses embarcam em Villefranche-sur-Mer, os belgas em Barcelona. Há escalas em Lisboa, Madeira, Canárias e Rio de Janeiro (aqui entra o Brasil só com um paulista – o avançado Araken – por divergências com a federação) até chegar a Montevideu.

Só um pormenor: o SS Conte Verde é utilizado entre 1938 e 1940 para o transporte de judeus da Alemanha/Áustria para Xangai. A capital da China é ainda palco do afundamento do barco, provocado pelos próprios italianos, para evitar que caia nas mãos dos japoneses em plena Segunda Guerra Mundial (1943). Recuperado pelos japoneses em Julho de 1944, o SS Conte Verde vai novamente ao fundo num ataque aéreo de um B-24 dos EUA em Agosto de 1944.

Posto isto, vamos lá ao futebol ou lá o que é. Ao quarteto europeu contrapõe a América do Sul com sete candidatos, aos quais se juntam México e EUA. Durante 17 dias, a prova decorre sem grande surpresa e reedita-se a final olímpica de 1928, entre Uruguai e Argentina. Nessa altura, já há jogos de bastidores. O central argentino Monti, por exemplo, não quer jogar, depois de receber ameaças de morte pelo telefone. É necessária a presença de dois dirigentes do San Lorenzo de Almagro, clube de Monti, para o convencer a tomar parte da final.

O resto da história já se sabe. O Uruguai marca primeiro mas consente a reviravolta antes do intervalo. Na segunda parte, 3-0 para os locais (um dos golos é de Hector Castro, também conhecido como El Manco por não ter a mão direita, perdida num acidente caseiro com uma serra enquanto criança). No dia seguinte, o 4-2 do Uruguai não é assim muito bem visto pelos jornais argentinos que protestam contra a violência do adversário e admitem o corte de relações desportivas entre os dois países, além de, claro, acusarem o árbitro de ter favorecido o anfitrião. É um relato de há 86 anos, mas poderia bem ser o de hoje.