Maradona. A ascensão de um ídolo ao Olimpo do futebol

Maradona. A ascensão de um ídolo ao Olimpo do futebol


Depois de documentários sobre Amy Winehouse e Ayrton Senna, o realizador britânico Asif Kapadia mostra o trajeto ascendente do astro argentino. ‘Diego Maradona’ foi exibido em Cannes e convenceu.


Dificilmente haverá melhor combinação entre a paixão pelo cinema e o futebol. Retratar a ascensão fulgurante daquela que será, muito provavelmente, a maior estrela do futebol de todos os tempos até poderia ser um registo demasiado marcado por elementos déjà vu, só que o olhar do britânico Asif Kapadia aproxima-se muito da emoção apaixonada que despertam as estrelas do futebol. Kapadia que esteve para fazer um filme sobre Cristiano Ronaldo, mas acabou apenas por participar na produção do documentário Ronaldo, lançado em 2015, quando o realizador ainda estava envolvido com o projeto sobre Amy Winehouse. Trouxe agora a Cannes Diego Maradona, sobre o período áureo entre 1984 e 1991. Pena é que o astro argentino não tenha marcado presença na exibição.

Entramos no filme da forma mais fulgurante, como se de num filme de ação se tratasse. Dentro de um carro pequeno, avançamos no pequeno cortejo que leva o jogador à apresentação no estado San Paolo, em Nápoles. A máquina ruge, derrapa, acelera, desvia-se in extremis dos peões. Contudo aqui não se trata de Ayrton Senna, o documentário que o autor de Amy Winehouse fez sobre a história do famosíssimo piloto de Fórmula 1. Curiosamente, Kapadia explicou até em Cannes que Maradona era um grande fã de Senna, até porque ambos foram famosos em Itália ao mesmo tempo: “Diego ganhou um campeonato pelo Nápoles em 1990, no mesmo ano em que Senna foi campeão”.

Este acaba por ser um sinal de que a adrenalina dos estádios em delírio, das celebrações a cada golo mágico obtido em dribles impossíveis, se pode misturar também com as complexas ligações com a Camorra local e todo o circo em redor, em particular com Carmine Giuliano, o patrão da máfia local, e a partir de certa altura fornecedor de droga e mulheres ao jogador. Aliás, assim que chega a Itália logo lhe perguntam: “Sabe o que é a Camorra?” Se não sabia ficaria rapidamente a saber. Isto naturalmente numa altura em que o controle de doping era praticamente inexistente.

Como se tudo fosse visto com a euforia de um snif de cocaína. Mas tudo o que sobe acaba por trazer a ressaca e premeditar o fim do sonho.

É claro que parte de tudo isto pertence mais ou menos à história, tal como o golo da ‘mão de Deus’ no Mundial de 86 no México, de lembrança agridoce para Portugal. A grande diferença é que nos esquecemos de tudo isso a partir do momento em que entramos naquela correria estrada fora. E porque Kapadia teve acesso a um volume impressionante de imagens de arquivo, que lhe permitiu basicamente fazer o filme sem necessidade de recurso às irritantes ‘talking heads’ que explicam o que não podemos ver. Pois aqui vemos tudo. E escutamos até a voz (em off) de Diego que irá comentando todos os seus pontos mais altos como os mais baixos. Igualmente importante, os relatos do seu preparador-físico Fernando Signorini, parte da chave para o sucesso do jogador.

Diego Maradona é assim um registo completo do período italiano que nos permite conhecer também Fioritto Villa, na altura um autêntico bairro de lata nos arredores de Buenos Aires. Passando por um curto flashback apenas para dar conta da forma traumática da passagem de Maradona pelo Barcelona, que acabou com cenas de pancadaria no campo.

É interessante viajar até 1984, o primeiro campeonato de Maradona em Itália, numa época em que os cânticos racistas eram vulgares. Tais como as tarjas que escreviam que “Nápoles são os ‘africanos’ de Itália”, entre outros piropos.

Naquela cidade do Sul de Itália, Maradona conseguirá o milagre de recuperar uma equipa em risco de descer de divisão e conquistar o ‘scudetto’ por duas vezes, isto num período em que o jogador conseguirá o Mundial na Argentina e ainda uma Taça UEFA pelo seu clube. Para os amantes de futebol naquela pobre região italiana isto era assunto sério de milagre e ‘Dieguito’ a imagem de Deus nos relvados.

No final do filme, trocamos com um conhecido jornalista argentino algumas impressões acerca da qualidade “fora deste mundo” de Maradona. Ele refere que o documentário não traz muito de novo. Talvez para um local, mas para o resto do mundo dificilmente deixará de ser um documento singular e precioso.