Buenos Aires. Porquê jantar fora quando podemos ir a casa do chef?


Saímos de um hostel com pulgas para a zona mais cara de Buenos Aires, a Recoleta. Nos prédios com porteiros e entradas com plantas maiores que nós – nada melhor que a terapia de choque para abrir o apetite – procuramos o endereço que nos foi enviado no dia anterior para o email. Um “jantar…


Saímos de um hostel com pulgas para a zona mais cara de Buenos Aires, a Recoleta. Nos prédios com porteiros e entradas com plantas maiores que nós – nada melhor que a terapia de choque para abrir o apetite – procuramos o endereço que nos foi enviado no dia anterior para o email. Um “jantar à porta fechada” com dez desconhecidos e dress code “casual/informal”. “Sejam pontuais e cheguem entre as 20h45 e as 21h00”, acrescentava o chef Dan Perlman.

Jantar em casa de um chef de cozinha é moda na Argentina. “Bem, é uma tradição na América do Sul”, explica-nos o próprio Dan. Nos últimos anos, ganhou uma força ainda maior em Buenos Aires e qualquer guia da cidade argentina que se preze tem uma lista de chefs para visitar. Em casa dos próprios, claro, esqueça os restaurantes.

A Casa SaltShaker, do norte-americano Dan Perlman, que se mudou para Buenos Aires em 2005, é um dos mais populares. “Cozinha com influência mediterrânica” soa bem para quem quer desenjoar de parrillas e matar saudades da Europa.

O que faz um chefe norte-americano a servir jantares em sua casa em Buenos Aires? “Vim para aqui porque me apaixonei por ele”, esclarece. “Ele” é o namorado, Henry, que vai ser o nosso empregado de mesa por uma noite. Mas já lá vamos que ainda nem nos sentámos.

Professor de tango quando não recebe desconhecidos em casa para jantares, Henry abre-nos a porta do prédio às 20h45 e pensamos onde raio nos viemos meter. Antes de entrarmos, recordamos experiências passadas em casa de “chefs”. Chinês clandestino da Mouraria, chinês clandestino do Intendente, outro chinês clandestino no mesmo prédio do Intendente e a famosa cachupa desfocada que se costumava seguir às noites de Incógnito. Saudades.

Dan Perlman, 54 anos, nunca serviu jantares em prédios duvidosos perto de discotecas mas desde os anos 90 que ganhou experiência na cozinha de luxuosos restaurantes em Michigan e Nova Iorque. “Fazia coisas muito diferentes, desde comida italiana a japonesa, até “new american food”, o que quer que isso seja, um conceito que estava muito na moda”, recorda.

Tocam à campainha e chegam os primeiros convidados da noite. Quatro amigas de Trinidad e Tobago a viver em Brooklyn e de férias na Argentina. Hora de servir o cocktail de abertura, uma espécie de shot de manga. “Ou será maracujá?”, pergunta uma delas. É melhor não beber muito porque a ementa vem bem regada – cinco vinhos, todos eles argentinos e de Mendonza a acompanhar os cinco pratos – mesmo a sobremesa tem um moscatel. As reservas para os jantares à porta fechada (10 pessoas à mesa) estão quase sempre preenchidas e começam com “semanas de antecedência”. O menu muda semanalmente e é geralmente de “cozinha mediterrânica com um toque indiano” – picante, portanto. Dan cozinha durante a tarde e os pratos do dia incluem desde uma sopa fria com gelado de pimenta negra a risotto de ervilhas com ovo, passando por cheesecakes de margarita.

“Originalmente, há 200 anos, os restaurantes funcionavam sempre em casa das pessoas”, conta. Aqui, é um regresso às origens com um toque moderno. Pela casa espalham-se molduras das viagens de Dan e Henry e algumas onde Henry dança tango com os seus alunos. É como ir jantar a casa de um amigo de um amigo onde tem de se fazer conversa. Os restantes convidados acabaram por ser todos americanos (um casal gay de Brooklyn e um casal com uma filha a morar em São Paulo). “Se tivessem vindo ontem era só argentinos e falava-se espanhol.”

Por fim a conta, 50 euros por pessoa, o que dá uma média de 10 euros por copo de vinho. De volta a Portugal estamos à espera de um convite para jantar em casa de José Avillez ou Ljubomir Stanisic.