Bernardino Soares ao i. “Portugal deve preparar-se para a saída do Euro”


Ganhou a Câmara de Loures para o PCP nas autárquicas de 2013, coligou-se com o PSD, e até elogia os sociais-democratas no concelho. Já a política nacional é toda uma outra conversa. Sobram críticas ao governo e a Cavaco Silva – “os cientistas políticos deviam estudar se alguma vez um Presidente apoiou tanto um governo”.…


Ganhou a Câmara de Loures para o PCP nas autárquicas de 2013, coligou-se com o PSD, e até elogia os sociais-democratas no concelho. Já a política nacional é toda uma outra conversa. Sobram críticas ao governo e a Cavaco Silva – “os cientistas políticos deviam estudar se alguma vez um Presidente apoiou tanto um governo”. E o PS? “Mudou o líder.” Quanto ao seu futuro, aos 43 anos Bernardino Soares é taxativo: não vai passar pela liderança do PCP.

 

Passos Coelho não pagou à Segurança Social durante vários anos. Devia ter-
-se demitido na sequência deste caso?

Passos Coelho devia ter-se demitido há muito tempo. Esse facto é relevante, mas a minha opinião não depende dele: a política que tem vindo a seguir é tão negativa que há muito devia ter sido demitido pelo Presidente da República. Mas este facto realça um aspecto importante, que é o da dimensão ética da política. Há aqui uma dimensão ética – ou de falta dela – que é ainda mais importante quando se trata de um governo que andou a fazer cortes, reduções de apoios e de salários com uma justificação de justiça e equidade que não corresponde à verdade e ainda fica mais desguarnecida com esta atitude do primeiro-ministro.

O Presidente colocou a questão no plano da luta político-partidária…

A declaração do Presidente da República tem, ela própria, a explicação para o facto de ele a ter feito, que é cheirar a clima pré-eleitoral. Ao Presidente já lhe cheira a clima pré-eleitoral e quis defender o primeiro-ministro e o PSD. De outra forma, o que teríamos de concluir é que o Presidente da República desvaloriza um facto que obviamente tem relevância que é o primeiro-ministro não ter cumprido os seus deveres para com a Segurança Social. Como isto não pode ser admissível para ninguém, julgo que procurou desvalorizar a questão e com isso proteger o PSD e Passos Coelho.

O Presidente tem protegido o governo?

Sim. Este governo teve no Presidente da República porventura o seu maior aliado. Os cientistas políticos deviam estudar este período, desde que os presidentes da República são eleitos, para ver se alguma vez houve algum que tivesse apoiado tanto o governo em funções.

Cavaco não foi um Presidente isento?

Não foi com certeza o Presidente de todos os portugueses. Foi um Presidente que defendeu uma política que coincide com a do governo.

Falta um ano para Cavaco terminar o segundo mandato. Diria que foi o pior Presidente da democracia?

Talvez sim. Podia dizer de outra maneira: se quisermos definir o perfil de um bom Presidente, o do actual não é. Espero que o próximo tenha um perfil bastante diferente. Se for semelhante, não será um bom Presidente.

O PS tem, há alguns meses, uma nova liderança. Mudou alguma coisa com António Costa?

Mudou o líder.

Mais nada?

Faltam posicionamentos políticos diferenciados em relação a questões de fundo. Podemos dizer que, nesta ou naquela questão, o PS tem mostrado – aliás, como o líder anterior também – esta ou aquela discordância em relação ao governo. Mas o que há de fundamentalmente diferente na política económica, na política em relação à União Europeia, na área laboral, na área social, que o actual PS já tenha expressado em relação à política que está a ser seguida pelo governo? É difícil encontrar.

Então acha que o PS de António Costa está muito próximo da direita?

É um partido que se predispõe, tanto quanto sabemos até agora, a prosseguir nesta linha de alternância, em que está o PS e depois o PSD, em que no fundamental há linhas de orientação política de fundo que se mantêm: as privatizações, o benefício do sector financeiro, a degradação da legislação laboral, a diminuição dos direitos sociais, a subserviência em relação à União Europeia e a continuidade de uma política que nos põe totalmente na dependência da União Europeia. Esses vectores têm-se mantido sistematicamente. Até agora não há nenhuma novidade.

E será de esperar que haja?

Cada um terá a sua expectativa, a minha não é muito elevada.

As sondagens neste momento dão o PS à frente, mas sem maioria absoluta. O PCP estaria disposto a alguma forma de aliança que viabilizasse uma governação do PS?

O que é preciso em relação aos cenários após as eleições não é perguntar com quem, é perguntar para quê. Se for para fazer uma política semelhante à actual ninguém conta com o PCP. Se for para uma mudança de vectores essenciais da política que tem levado o país à situação em que está hoje, aí sim, podem contar com o PCP. Nós não avaliamos propostas ou programas vendo de onde eles vêm, mas pelo seu conteúdo, a sua vontade efectiva de mudar radicalmente a situação que estamos a viver. E é aí que se deve levantar esta questão. Não numa mera aritmética de distribuição de lugares, mas sim na vontade de mudar ou não a política do país.

Essa posição é muitas vezes criticada por não admitir cedências e não contribuir para viabilizar um governo de esquerda. E por empurrar o PS para a direita.

Como se o PS não tivesse vontade própria. O PS sempre fez opções à direita, nos seus entendimentos, nas questões fundamentais. E depois vem acusar o PCP de não o acolher no regaço da esquerda quando ele sempre se afastou dela. Isso é que é o problema. Quando o PS quis fazer alterações num sentido positivo nunca lhe faltaram os apoios e as convergências com o PCP. Por exemplo, a política em relação à toxicodependência, que hoje é um exemplo em todo o mundo: nunca faltou ao PS o apoio do PCP, porque essa política ia num sentido positivo. Agora privatizações, legislação laboral, sector público, apoio ao sector financeiro, política fiscal, vemos sempre o PS a encostar-se às posições da direita. Como é que podemos, nós, encostar-nos às posições da direita? Para isso já cá temos o PS.

Na sua perspectiva, portanto, o PS de Costa é igual ao de Seguro?

Não quero fazer essas comparações, isso é uma questão interna do PS. O que procuro ver é o que foi apresentado enquanto alternativa que seja substancialmente diferente daquilo que o governo está a fazer. E aí é que escasseiam as novidades. Não se resume ao líder, implica a orientação de fundo do PS, que, tanto quanto me parece, continua a não estar concretizada na perspectiva de uma viragem à esquerda.

O que é que, em termos programáticos, afasta o PCP do BE?

O PCP não está afastado do BE. Têm tido posições convergentes na Assembleia da República com enorme frequência.

De vez em quando há umas reuniões, ambos falam em convergência e nunca passa disso…

Mas vamos lá ver, para haver uma convergência não é preciso os partidos fundirem–se. É preciso debaterem as suas diferenças, as suas convergências, e podemos dizer que na maioria das questões há uma grande convergência nas posições tomadas. E depois há salutares diferenças. Essa diversidade é positiva. Mas não há nenhum obstáculo às convergências, como se vê todas as semanas na Assembleia da República.

Mas não é imaginável um acordo PCP/BE, pré ou pós-eleitoral…

Mas porque é que ele tem de existir? Porque é que dois partidos que têm origens e identidades diferentes não podem manter a sua autonomia e ao mesmo tempo convergir numa série de políticas, tendo perspectivas que não são iguais sobre a sociedade e captando para as suas fileiras, para o apoio às suas posições, pessoas que se identificam mais com um ou com outro? Não vejo qual é o problema.

A questão é isso poder ser admitido pelo menos como cenário para uma solução governativa. Não é coisa que se veja em Portugal…

Mas porque não? Desde que haja convergência nas posições fundamentais, isso é sempre possível. Agora a ideia de que só há convergência se os partidos se fundirem ou forem todos em coligação é que não é aceitável. Cada partido tem a sua identidade e isso não os impede de, quando entendem ser útil – e isso tem acontecido muitas vezes –, convergirem. A amálgama é que se calhar não seria muito transparente. Não vejo nisso um problema, vejo uma vantagem.

O PCP defende a saída do euro?

O PCP defende que o país deve preparar-se para a saída do euro, que é uma coisa um bocadinho diferente. Hoje, ao contrário de há alguns anos, em que só o PCP dizia isso e havia muito boa gente – que hoje aparece como acérrimo defensor dessa posição…

Está falar de quem?

Muita gente, mesmo à esquerda, ilustres economistas que durante muitos anos não quiseram dar o passo de apontar a nossa inclusão no euro como uma razão de fundo para a degradação da situação económica e social. Nós fizemos isso desde o início, hoje há uma grande convergência nesse sentido, de muita gente, até de direita… Portanto, se constatamos esse problema, temos de procurar uma solução. E temos de preparar o país para essa solução, para uma eventual saída, mas uma saída programada, controlada. Porque é evidente que as dependências que se criaram em relação ao sistema da união económica e monetária não permitem que se tome essa decisão de um dia para o outro, sem que haja uma preparação para que o país possa estar defendido desse abalo. E nós não estamos livres de um dia as potências que dirigem a União Europeia decidirem que há uma série de países que saem do euro.

“Devemos preparar-nos” é um pouco ficar na terra-de-ninguém. Parece que falta coragem para dar o passo seguinte – dizer “devemos sair”.

Não, não é isso. Prepararmo-nos para a saída quer dizer apenas que ela não deve ser feita de forma não programada, sem acautelar uma série de consequências.

Mas, não sendo a saída imposta, Portugal deve tomar essa decisão?

Deve preparar-se e tomar essa decisão quando estiver preparado para isso.

Essa solução não resultaria, por outra via, numa enorme austeridade sobre os portugueses?

Espero que não fosse assim. Mas também podemos fazer o exercício ao contrário: estamos no euro e há uma enorme austeridade sobre os portugueses. Não posso garantir que tudo se resolverá com a saída do euro. Mas posso garantir, porque o estamos a viver, que com as regras que estão impostas a austeridade é enorme e o país está a atrasar-se.

É possível sair do euro e continuar na União Europeia?

Há países que não estão no euro e estão na União Europeia.

Não saíram, não chegaram foi a entrar.

Mas não estão, é um facto. Não há nenhuma impossibilidade. Mas nós defendemos que o que deve ser dissolvido é a união económica e monetária, que é prejudicial a um conjunto de países e às relações entre os países da união. Essa é a nossa proposta de fundo: a dissolução da união económica e monetária, com todas as suas regras, orçamentais, cambiais, do euro, e todas as outras políticas que lhe estão associadas.

E o projecto europeu é possível sem essa componente?

Nós também não defendemos que o projecto europeu seja este que está em curso, que é um projecto de subdesenvolvimento para quem está na periferia e de concentração da riqueza em grandes grupos económicos e nas grandes potências dominantes. Não é um bom projecto europeu. Se ele desaparecer e passarmos a ter um outro relacionamento na Europa, na base da cooperação entre os países e os povos com vista a um desenvolvimento conjunto e não desigual, daremos um passo no sentido positivo.

A experiência do Syriza está a mostrar que um país sozinho não consegue contrariar a política de austeridade?

Vamos ver, ainda estamos numa fase muito inicial desse processo. Mas há uma coisa que tem de ficar bem clara, quaisquer que sejam os desenvolvimentos: o povo grego decidiu por uma mudança, rompendo com o quadro político vigente. Isto não pode ser apagado. Na Grécia o povo decidiu por um rumo diferente. E isso pode acontecer em qualquer estado da União Europeia, incluindo Portugal.

Do que estamos a ver o Syriza não está propriamente a conseguir pôr em prática o programa que levou a votos.

Vamos ver o que acontece. Não sou daqueles, nem o meu partido, que procuraram depois das eleições gregas colar um autocolante a dizer “cá em Portugal somos nós o Syriza”…

É normal, dado que existe um partido comunista grego.

Sim, que também teve melhores resultados nas eleições.

Foi largamente derrotado pelo Syriza.

As situações são diferentes, não penso que seja o fundamental. O fundamental é a rejeição das políticas europeias, troikistas, de austeridade, que foi amplamente maioritária naquelas eleições. Isso é um facto inequívoco. É verdade que a situação é muito complexa, mas acho que não devíamos tirar conclusões já. E vamos ver qual é a reacção do povo grego. De qualquer maneira, mesmo que esta experiência venha a fracassar, isso não apaga que é possível uma mudança e batalhar por essa mudança.

Como qualifica a acção do governo português neste processo?

Quis ficar do lado das potências dominantes e quis ser mostrado como o bom aluno, o bom exemplo. Na realidade, a situação que temos no país é o contrário daquilo que o governo apregoa: há mais desemprego, mais desigualdade, a economia tem um crescimento absolutamente anémico, nada está melhor. Há sectores fundamentais a ser privatizados, não houve dinheiro para acudir a nenhuma necessidade social ou de dinamização económica, mas há para aplicar nos bancos. Acho que o governo quis fazer isso também para consumo interno, porque quer demonstrar que não havia alternativa à política que seguiu. E quer, por isso, que o está a acontecer na Grécia fracasse, para que não se demonstre que é possível outro caminho. É o seu trunfo eleitoral: “Fizemos isto porque só podia ser este o caminho.” Mas é possível outro caminho. Mesmo que não tenha sucesso na Grécia, é evidente que é.

Nos últimos meses Portugal viu cair o BES, tem um ex-primeiro-ministro preso, têm-se sucedidos casos de detenções de altos quadros da administração pública. Como vê tudo isto? Estamos a viver uma crise de regime?

Vejo com grande preocupação porque as pessoas vão cada vez menos encontrando instituições em que possam confiar. Mesmo o Estado, pessoa colectiva que nos representa a todos, tem estado sob suspeita em muitos processos. Vejo com muita preocupação esta situação e preocupa-me também que possa ser aproveitada por derivas populistas que procurem caminhar por rumos antidemocráticos, atacando todos os partidos por igual, não procurando a diferenciação das posições políticas, no fundo legitimando um tipo de políticas que não vão alterar o rumo que tem sido seguido, mas vão procurar captar o descontentamento em relação a esse rumo. Isso pode acontecer. Espero que não aconteça no nosso país.

José Sócrates tem-se queixado de perseguição política. Encontra alguma razão para essa queixa?

Sobre o processo que envolve o ex-primeiro-ministro apenas quero dizer que a justiça deve funcionar, sem interferência, e deve chegar às suas conclusões. Penso que o processo deve ser deixado no recato da justiça, que é onde não tem estado.

E a prisão preventiva?

Não tenho nenhuma opinião sobre isso. Faço fé em que as instituições judiciais tenham agido de acordo com a lei, com fundamentos suficientes para tomarem as decisões que tomaram.

Carvalho da Silva mostrou-se disponível para as presidenciais. É um bom candidato? Pode ter o apoio do PCP?

Neste momento temos de nos concentrar nas legislativas e na necessidade de uma nova política. Debater candidaturas presidenciais é claramente prematuro. Desviar atenções não é positivo. De resto, o PCP decidiu em congresso uma participação, com a sua posição própria, nas presidenciais.

É presidente de Loures desde Outubro de 2013. O que mudou na vida dos munícipes desde então?

Mudaram algumas coisas, muitas ainda estão por mudar. Nos tempos que correm a situação dos municípios é difícil, os recursos são poucos e as necessidades são muitas. Mas já mudaram muitas coisas. Mudou a gestão, que passou a ser muito rigorosa, procurando eliminar despesas inúteis, procurando renegociar contratos para termos menos despesa corrente, procurando renegociar a dívida – ao contrário do que o governo fez. Conseguimos uma diminuição da dívida, desde o início do mandato, de 18,6 milhões de euros, o que é qualquer coisa. Pusemos a câmara a funcionar, ainda insuficientemente. Resolvemos um problema decisivo que era a questão dos serviços municipalizados e da relação com o município de Odivelas: quando entrámos a água estava à beira de ser entregue a uma empresa privada. Nem se privatizou em Odivelas nem ficámos nós numa posição insustentável, porque teríamos a mesma estrutura, mas com menos receitas. Respira-se um ambiente bastante diferente, acho que hoje as pessoas olham para a câmara e confiam na câmara.

O PCP está em maioria em Loures, mas com o PSD. Parece haver alguma facilidade, da parte do PCP, em coligar-se com o PSD nas autarquias.

Isso tem uma razão objectiva. Em quase todas as autarquias em que o PCP ganha o seu competidor é o PS.

Isso não é, por si, impeditivo.

Se vir a realidade de todas as autarquias do país, há tendência para a força que ganha fazer um acordo com a terceira ou a quarta força, e não com a que ficou em segundo lugar. No concelho de Loures há uma enorme tradição de entendimentos de todos com todos, a geografia eleitoral do concelho torna muito difíceis as maiorias absolutas, só houve duas. O que fizemos foi procurar um entendimento com base no nosso programa, que permitisse alguma estabilidade num período que ia ser, e é, muito difícil em termos de gestão da câmara. Isso não impede nem a CDU nem o PSD de expressarem as suas posições com toda a abertura e frontalidade. Tem funcionado com grande lealdade.

As posições a nível nacional não podiam ser mais divergentes.

E isso reflecte-se nas tomadas de posição sobre política nacional nos órgãos municipais, em que a CDU muitas vezes vota de uma maneira e o PSD vota de outra. É absolutamente natural.

Foi 18 anos deputado. O que é que mais o surpreendeu agora, nesta função de presidente de câmara?

A intensidade da exigência da vida autárquica. Não estou a dizer, nem nunca direi isso, que não há tanta exigência na Assembleia da República, porque há. Simplesmente aqui é mais directa, o problema está ali para resolver e muitas vezes não há maneira de o resolver. Nesse sentido, isso torna esta função mais difícil.

Foi um jovem deputado, depois líder parlamentar, é um jovem presidente de câmara. Vai ser um jovem líder do PCP?

Não. Nem jovem nem velho. O meu compromisso com o meu partido é na Câmara de Loures. Não tenho nenhuma aspiração a mais nenhuma função no PC.

Vai ser recandidato a Loures?

Não sei, na altura própria eu e o partido decidiremos. Posso dizer que estou muito entusiasmado com estas funções, estou a 110% em Loures. Não tenho qualquer outra perspectiva política. E o meu partido tem um excelente secretário-geral, que ainda tem muito para dar ao país.

Mas o próprio já disse que não se eternizará…

Com certeza, é um sinal de grande sanidade, é preciso cada um ter isso para si, só abona em favor dele. Mas rejeito qualquer perspectiva desse tipo, nem é coisa que me passe pela cabeça.