Desde que adquiriu a rede social Twitter – a qual denominou X – em outubro de 2022, Elon Musk tornou-se numa personalidade transcendente à sua área, passando a operar também como um interveniente político de inegável influência. Sendo o X uma das plataformas mais utilizadas para difusão de notícias, opiniões e comunicações políticas, a nova abordagem do fundador da Tesla – que tem como bandeira a liberdade de expressão – tem sido glorificada por uns e temida por outros.
Num mundo cada vez mais polarizado, em que a dimensão do fosso entre as opiniões mais extremadas aumenta a cada dia, o espaço intermédio de racionalidade e pensamento crítico pode correr perigo de vida. E o X não escapa, evidentemente, a esta tendência, estando inundado de narrativas construídas com base em mentiras ou informações pouco precisas.
Porém, a solução não passa pela proibição de determinadas contas ou conteúdos, que dependendo do pendor ideológico de quem o faz, irá contribuir para este efeito polarizante. Elon Musk percebeu isto e optou, em nome da luta contra a desinformação, por um mecanismo de verificação de factos – mesmo que apresente lacunas – e não pela cultura de cancelamento.
Investigação no Brasil
Alexandre de Moraes, um dos juízes do Supremo Tribunal Federal do Brasil, lançou uma investigação, que está em curso, em torno do tema da desinformação nas redes sociais, na qual inclui o bilionário americano. Mas, no passado domingo, após as reações do empresário, foi aberta outra investigação – sendo esta última individual – por alegada obstrução, onde Moraes concluiu que Musk terá iniciado uma «campanha de desinformação» acerca das ações do principal tribunal brasileiro. Desde então, tem sido um dos principais temas da atualidade internacional.
«A conduta flagrante de obstrução à Justiça brasileira, incitação ao crime, ameaça pública de desobediência às ordens judiciais e futura falta de cooperação da plataforma são factos que desrespeitam a soberania do Brasil», declarou o juiz, como avançado pela Euronews. Este veredicto vem na sequência da investigação sobre milícias digitais, que resultou na detenção de deputados próximos ao ex-Presidente, Jair Bolsonaro, e na invasão a casas dos seus apoiantes, após a revolta em Brasília – nos edifícios onde residem os poderes brasileiros – em janeiro do ano passado.
Com o conflito declarado, e perante a pressão judicial do Brasil para «bloquear determinadas contas populares no Brasil», Elon Musk anunciou que desafiará a ordem do tribunal mesmo que provavelmente perca «todas as receitas no Brasil». «Os princípios são mais importantes do que o lucro», rematou o empresário, que viria a acrescentar que Alexandre de Moraes «traiu descarada e repetidamente a constituição e o povo do Brasil. Devia demitir-se ou ser destituído».
Como consequência, o X poderá mesmo acabar por ser banido em território brasileiro, tendo já Musk apelado aos brasileiros para adquirirem uma VPN – uma rede privada virtual que permite aceder a conteúdos interditos na rede de origem – para continuarem a aceder ao X. É algo de uso comum em países que adotam políticas restritivas às informações online.
Caso se venha a confirmar a suspensão da rede social, o Brasil integrará o grupo de países em que o acesso não é permitido, juntando-se à China, ao Irão, a Mianmar, à Coreia do Norte, à Rússia e ao Turquemenistão. Poderá também ser uma jogada de aproximação de Lula da Silva aos seus aliados, com tiques ditatoriais, dos BRICS.
Ainda assim, e como existe sempre um contraditório, vários defensores de Alexandre de Moraes afirmam que «as suas decisões, embora extraordinárias, são legalmente sólidas e necessárias para purgar as redes sociais de notícias falsas, bem como para extinguir ameaças à democracia brasileira», escreveu a Euronews.
A Agência Brasil apresentou o testemunho de Flávia Santiago, professora de direito constitucional da Universidade Estadual de Pernambuco, que defende que «cada democracia estabelece os seus limites. A democracia brasileira tem limites e um deles é não pôr em dúvida as próprias instituições democráticas. Isso faz parte da nossa proposta de democracia que está na Constituição de 1988». Já Michael Shellenberger, jornalista americano no Brasil e confesso votante de Joe Biden, acredita que há mais para além disso. Shellemberger publicou na sua conta do X o segundo parágrafo do artigo 220.º, Capítulo V da Constituição da República Federativa do Brasil, onde se pode ler: «É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística».
Em Portugal, apenas dois partidos, a Iniciativa Liberal e o Chega – ainda que em 2020, André Ventura se tenha proposto a acabar com a «bandalheira» no então Twitter –, se posicionaram oficialmente contra a decisão do tribunal brasileiro. Do PSD, partido no Governo, manifestou-se Tiago Moreira de Sá, investigador, professor universitário e ex-deputado: «O que está a acontecer no Brasil é de extrema gravidade. Não podemos ficar calados. As boas relações luso-brasileiras não implicam ser submisso e conivente com ataques à liberdade de expressão».
Podemos estar perante um problema, transversal a várias democracias atualmente, de politização da justiça, um fenómeno nada abonatório para o bom funcionamento das instituições democráticas e que mina, de certa forma, o próprio Estado de Direito.
A cruzada de Musk
Mas nem só no Brasil Elon Musk enfrenta adversidades. Em junho de 2023, Thierry Breton, comissário europeu para o Mercado Interno, ameaçou o dono do X após o lançamento da nova legislação sobre conteúdos online: «A minha missão é garantir que, a partir de 25 de agosto [de 2023], eles vão respeitar as leis, ou não poderão continuar a operar na Europa. E todos eles querem continuar a operar na Europa».
Ainda no fim de 2023, Musk garantiu que «estaria preparado para ir para a prisão» se «achar que uma agência governamental está a infringir a lei nas exigências que faz à plataforma».
Considerado um herói por uns e um vilão por outros, Elon Musk continua firme e carrega consigo o objetivo autoproposto da liberdade de expressão, um valor tão frágil e tão importante, pelo qual vale sempre a pena lutar.