A hora do algodão da direita


Hoje, com o país e os portugueses em estado de necessidade e efervescência, começa o escrutínio às opções, à iniciativa e aos impactos da ação. É o tempo do algodão que não engana.


Assumir funções é sempre a hora do algodão, o equivalente à abertura do melão e a tantos outros momentos em que se perceciona o verdadeiro valor dos protagonistas políticos nos desafios maiores a que têm de enfrentar: responder às necessidades, antecipar realidades e preparar o futuro.

Depois de lhe ter caído de podre, nos braços, o poder de uma maioria absoluta, com substanciais recursos financeiros, e de um começo desastrado na Assembleia da República, a posse de Montenegro marca o início da hora do algodão de uma direita exaurida do exercício do poder em condições mínimas de normalidade. O caminho faz-se sobre uma camada de gelo fino e uma margem de manobra exígua para as ânsias acumuladas de anos na oposição, com a exigência acrescida das expectativas geradas e do acosso de um Chega empoderado pelo voto popular do populismo e atração dos descontentamentos acumulados. Não faltarão ajudas de circunstância, dos afagos das noites televisivas dos domingos informativos, com os despudorados Paulo Portas e Luís Marques Mendes, aos interesses expectantes de bons ares, mas os desafios são enormes. É certo que a primeira imagem, a da formação do governo, correu com a discrição que se impõe, com uma aposta centrada nos quadros disponíveis para um combate com parca sustentação e sustentabilidade política no parlamento. É certo que essa imagem positiva contrasta com o desastre da gestão parlamentar da eleição do Presidente e da Mesa da Assembleia da República, como se não fossem previsíveis as diatribes de quem a coluna política de um molusco. Valeu-lhe, não uma “abstenção violenta”, tão invocada pela atual liderança do PS e pelos seus acólitos, mas um voto favorável dos deputados socialistas para deslindar o imbróglio. Como sempre prevaleceu o veredicto do bom senso, esgrimido de forma conveniente, possível para uns, imperdoável quando utilizado por outros. O senso, o bom senso e o sentido de equilíbrio para o compromisso que deveriam estar sempre presentes são utensílios de geometria variável para o quadro do vale tudo, intercalado por impulsos simbólicos para português ver.

Hoje, com a posse do novo governo começa a hora do algodão da direita, o momento de responder às expectativas criadas, as gerais e as setoriais; aos desafios da ambição plasmada no programa eleitoral e aos problemas brandidos para desgaste político, no Serviço Nacional de Saúde, na Educação, na execução do PRR, nas funções de soberania, na autoridade do Estado, na coesão territorial e no funcionamento da economia, só para invocar alguns. Hoje, começa o tempo de fazer, fazer melhor do que os anteriores, para provar que a gestão sob a Troika não foi feitio, mas defeito, mesmo quando foi além dos ditames do memorando.

Hoje, com o país e os portugueses em estado de necessidade e efervescência, com os partidos políticos e as lideranças à procura de um perfil e do respetivo posicionamento para este novo tempo, começa o escrutínio às opções, à iniciativa e aos impactos da ação. É o tempo do algodão que não engana, à direita, no poder, e à esquerda, na oposição.

Por agora, depois do natural escrutínio sobre os titulares de funções governativas, com os padrões de exigência anteriores, será tempo de programa de governo e de início de cumprimento dos compromissos assumidos, base importante de agregação dos descontentamentos vigentes e das expectativas goradas pela maioria absoluta. 

Como compatibilizar os recursos existentes, abastados pelas circunstâncias da governação do PS, com as reivindicações presentes e em espera?

Como impulsionar sinais positivos de políticas e de funcionamentos dos serviços públicos essenciais para as pessoas e para os territórios sem ter uma base sólida de suporte político no parlamento?

Como responder às exigências das autonomias regionais com a República ou de setores em relação à governação sem gerar uma desmultiplicação de expectativas e descontentamentos?

Como governar em linha com os compromissos eleitorais, mantendo critérios inteligíveis em relação às opções, ao que disseram no passado e pretendem fazer no presente?

O tempo do algodão que é para a direita no poder e para a esquerda na oposição, estará também presente no funcionamento dos restantes órgãos de soberania, nas instituições, nas ordens profissionais e na comunicação social. Em todos será interessante avaliar as modelações, os ajustes e as despudoradas mudanças de atitude em relação ao exercício do poder político.

É hora do algodão, por regra, não engana!

NOTAS FINAIS

PERDIGÃO PRESIDENCIAL PERDEU A PENA. O pesaroso espetáculo parlamentar e para lamentar da escolha da mesa da Assembleia da República, que cora de vergonha qualquer democrata, deveria ter suscitado do inquilino de Belém exigências acrescidas de governabilidade à governação. Perante a ramboia, no mínimo, um acordo escrito de apoio à governação pela Iniciativa Liberal, mas não. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

 

A DIABOLIZAÇÃO DO COMPROMISSO. A sementeira da diabolização do compromisso em grandes questões de interesse geral gera agora um incómodo que só não é maior porque o modo é, uma vez mais, de sobrevivência política, em que tudo e o seu contrário são invocados. É vê-los com despudor, a defender o que contestaram no passado, à esquerda e à direita.

 

EM VEZ DE EVOLUÇÃO, REGRESSÃO. A carreira militar está sem capacidade de atração, recupera-se a ideia do Serviço Militar Obrigatório. O país que não é capaz de gerar condições de atração num pilar que ganhou relevância acrescida, invoca agora também a importância da experiência militar obrigatória na formação dos mais jovens. As famílias demitem-se. A escola demite-se. A sociedade facilita. O SMO é que vai resolver as deficiências educativas e de formação cívica. Em vez de evolução, regressão. É mais fácil.

 

DOMINGO TELEVISIVO À NOITE. “Houston, We have a problem!”. Não faz nenhum sentido o fustigo de direita de Portas e Mendes, sem nenhum contraditório ou equilíbrio à esquerda, mesmo que seja noutro espaço, com idêntica relevância.

A hora do algodão da direita


Hoje, com o país e os portugueses em estado de necessidade e efervescência, começa o escrutínio às opções, à iniciativa e aos impactos da ação. É o tempo do algodão que não engana.


Assumir funções é sempre a hora do algodão, o equivalente à abertura do melão e a tantos outros momentos em que se perceciona o verdadeiro valor dos protagonistas políticos nos desafios maiores a que têm de enfrentar: responder às necessidades, antecipar realidades e preparar o futuro.

Depois de lhe ter caído de podre, nos braços, o poder de uma maioria absoluta, com substanciais recursos financeiros, e de um começo desastrado na Assembleia da República, a posse de Montenegro marca o início da hora do algodão de uma direita exaurida do exercício do poder em condições mínimas de normalidade. O caminho faz-se sobre uma camada de gelo fino e uma margem de manobra exígua para as ânsias acumuladas de anos na oposição, com a exigência acrescida das expectativas geradas e do acosso de um Chega empoderado pelo voto popular do populismo e atração dos descontentamentos acumulados. Não faltarão ajudas de circunstância, dos afagos das noites televisivas dos domingos informativos, com os despudorados Paulo Portas e Luís Marques Mendes, aos interesses expectantes de bons ares, mas os desafios são enormes. É certo que a primeira imagem, a da formação do governo, correu com a discrição que se impõe, com uma aposta centrada nos quadros disponíveis para um combate com parca sustentação e sustentabilidade política no parlamento. É certo que essa imagem positiva contrasta com o desastre da gestão parlamentar da eleição do Presidente e da Mesa da Assembleia da República, como se não fossem previsíveis as diatribes de quem a coluna política de um molusco. Valeu-lhe, não uma “abstenção violenta”, tão invocada pela atual liderança do PS e pelos seus acólitos, mas um voto favorável dos deputados socialistas para deslindar o imbróglio. Como sempre prevaleceu o veredicto do bom senso, esgrimido de forma conveniente, possível para uns, imperdoável quando utilizado por outros. O senso, o bom senso e o sentido de equilíbrio para o compromisso que deveriam estar sempre presentes são utensílios de geometria variável para o quadro do vale tudo, intercalado por impulsos simbólicos para português ver.

Hoje, com a posse do novo governo começa a hora do algodão da direita, o momento de responder às expectativas criadas, as gerais e as setoriais; aos desafios da ambição plasmada no programa eleitoral e aos problemas brandidos para desgaste político, no Serviço Nacional de Saúde, na Educação, na execução do PRR, nas funções de soberania, na autoridade do Estado, na coesão territorial e no funcionamento da economia, só para invocar alguns. Hoje, começa o tempo de fazer, fazer melhor do que os anteriores, para provar que a gestão sob a Troika não foi feitio, mas defeito, mesmo quando foi além dos ditames do memorando.

Hoje, com o país e os portugueses em estado de necessidade e efervescência, com os partidos políticos e as lideranças à procura de um perfil e do respetivo posicionamento para este novo tempo, começa o escrutínio às opções, à iniciativa e aos impactos da ação. É o tempo do algodão que não engana, à direita, no poder, e à esquerda, na oposição.

Por agora, depois do natural escrutínio sobre os titulares de funções governativas, com os padrões de exigência anteriores, será tempo de programa de governo e de início de cumprimento dos compromissos assumidos, base importante de agregação dos descontentamentos vigentes e das expectativas goradas pela maioria absoluta. 

Como compatibilizar os recursos existentes, abastados pelas circunstâncias da governação do PS, com as reivindicações presentes e em espera?

Como impulsionar sinais positivos de políticas e de funcionamentos dos serviços públicos essenciais para as pessoas e para os territórios sem ter uma base sólida de suporte político no parlamento?

Como responder às exigências das autonomias regionais com a República ou de setores em relação à governação sem gerar uma desmultiplicação de expectativas e descontentamentos?

Como governar em linha com os compromissos eleitorais, mantendo critérios inteligíveis em relação às opções, ao que disseram no passado e pretendem fazer no presente?

O tempo do algodão que é para a direita no poder e para a esquerda na oposição, estará também presente no funcionamento dos restantes órgãos de soberania, nas instituições, nas ordens profissionais e na comunicação social. Em todos será interessante avaliar as modelações, os ajustes e as despudoradas mudanças de atitude em relação ao exercício do poder político.

É hora do algodão, por regra, não engana!

NOTAS FINAIS

PERDIGÃO PRESIDENCIAL PERDEU A PENA. O pesaroso espetáculo parlamentar e para lamentar da escolha da mesa da Assembleia da República, que cora de vergonha qualquer democrata, deveria ter suscitado do inquilino de Belém exigências acrescidas de governabilidade à governação. Perante a ramboia, no mínimo, um acordo escrito de apoio à governação pela Iniciativa Liberal, mas não. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

 

A DIABOLIZAÇÃO DO COMPROMISSO. A sementeira da diabolização do compromisso em grandes questões de interesse geral gera agora um incómodo que só não é maior porque o modo é, uma vez mais, de sobrevivência política, em que tudo e o seu contrário são invocados. É vê-los com despudor, a defender o que contestaram no passado, à esquerda e à direita.

 

EM VEZ DE EVOLUÇÃO, REGRESSÃO. A carreira militar está sem capacidade de atração, recupera-se a ideia do Serviço Militar Obrigatório. O país que não é capaz de gerar condições de atração num pilar que ganhou relevância acrescida, invoca agora também a importância da experiência militar obrigatória na formação dos mais jovens. As famílias demitem-se. A escola demite-se. A sociedade facilita. O SMO é que vai resolver as deficiências educativas e de formação cívica. Em vez de evolução, regressão. É mais fácil.

 

DOMINGO TELEVISIVO À NOITE. “Houston, We have a problem!”. Não faz nenhum sentido o fustigo de direita de Portas e Mendes, sem nenhum contraditório ou equilíbrio à esquerda, mesmo que seja noutro espaço, com idêntica relevância.