Vemo-los nos filmes e imaginamos mil e uma situações que nos fariam recorrer aos seus serviços. Pode-nos parecer uma coisa distante, mas a verdade é que cada vez mais pessoas procuram detetives privados em Portugal. Segundo os dados revelados no mês passado, pela plataforma Fixando – que consultou mais de 1200 pedidos na área da investigação privada –, a sua contratação cresceu em 2023 e as estimativas apontam para um aumento continuado este ano, numa procura feita “sobretudo por mulheres” (60%). A procura geral pelos serviços subiu 41% só no ano passado e as previsões apontam para um acréscimo de 37%.
Os dados revelam que o adultério está entre as principais razões que levam à contratação deste serviço (2/3 das contratações o equivalente a 62%). Seguem-se os pedidos de vigilâncias (19%), a investigação de roubos ou outras atividades criminais (7%), verificação de antecedentes (4%), procura de ativos ocultos (4%) e investigação de casos relacionados com a custódia de crianças (3%)”.
Mas o que é realmente um detetive privado? O que é preciso para chegar até aí? Quais os principais desafios da área? Quais os preços que levam? O i falou com dois profissionais que nos respondem a estas questões e que tiram o pano que esconde aquela que é uma das profissões mais misteriosas do mundo.
Ser detetive privado
Segundo Paulo Perdigão, da empresa Detetives Privados de Lisboa (ICDetectives), estes têm um papel bastante importante. “O detetive privado é aquele que ouve, apoia, aconselha e recomenda determinado tipo de ações a desenvolver, para aliviar o sofrimento de muitas pessoas que vivem angustiadas pelas inúmeras situações familiares mal resolvidas”, começa por afirmar, acrescentando que também é ele, através do trabalho que desenvolve, que “dá respostas às respostas que as empresas procuram”. “Seja a nível interno, seja por influência externa à mesma”, explica. Além disso, é ainda “um apoio importante a escritórios de advogados que pretendem aprofundar e recolher matéria de prova para agregar a processos para apresentação em tribunal”. De acordo com o profissional, para se ser detetive é necessário, sobretudo, ter gosto pela área, apostar na formação e ter perseverança. “Não é fácil entrar no mercado”, garante.
Já para Nuno Pinto, também ele detetive privado, esta é uma pergunta que carece de uma resposta dada em duas vertentes: a vertente sobre o enquadramento da própria profissão em si, e as qualidades que um detetive particular deve de ter. Segundo o mesmo, esta é uma profissão de exercício livre, sem regulamentação, querendo dizer que “não é necessário obter qualquer licença para o seu exercício”. “Os detetives privados não têm estatuto próprio e não possuem quaisquer privilégios para conduzirem as suas investigações, ao mesmo tempo também não estão abaixo de qualquer outro cidadão”, revela.
Na verdade, existe um enquadramento económico da atividade desde 1990, onde foi enquadrada pela primeira vez na prestação geral de serviços, tendo-se seguido uma junção com as atividades de segurança privada. Atualmente, os detetives privados estão inseridos no CAE 80300 “Actividades de Investigação”.
“Aquele que decide escolher exercer a profissão de detetive privado deve antes demais centrar as suas atenções na ética profissional (…) deve estar a par das leis inerentes ao assunto que vai investigar, pesquisar e inteirar-se devidamente de como pode recolher os pretendidos elementos de prova, e inclusivamente se o pode fazer”, alerta Nuno Pinto, que acrescenta que este deve ainda solicitar a opinião de um advogado, que o aconselhará a proceder dentro da lei. De resto, para si, a questão da ética é transversal a todas as atividades. “Estar declarado perante a autoridade tributária, possuir um escritório para atendimento dos seus clientes, e na minha sincera opinião procurar filiar-se num organismo associativo”. Esta foi a primeira coisa que fez antes de começar a trabalhar, diz.
As Investigações
Relativamente às investigações que realiza, segundo Paulo Perdigão, um detetive privado em Portugal desenvolve atividades de investigação particular, dentro do âmbito privado. “Podem ser contratados por pessoas singulares para casos familiares tais como filhos envolvidos em más companhias, consumo de estupefacientes, controlo do poder parental ou, por empresas, que pretendem averiguar situações relacionadas com funcionários, desvio de mercadorias, concorrência desleal, baixas fraudulentas, etc”, enumera. Em grosso modo, no seu caso, tem a infidelidade conjugal em primeiro lugar, regulação parental em segundo – com vista a obtenção de provas para o divórcio, onde tentamos averiguar comportamentos desviantes de uma das partes – e casos relacionados com empresas. “Esta ordem pode depender da especialidade de cada investigador privado”, aponta. Já a cobrança de dívidas ou algo similar, está completamente fora do seu âmbito de atuação. “Podemos sim, localizar devedores ou pessoas desaparecidas”, esclarece.
Apesar de não querer revelar as suas áreas de maior atuação, regra geral, segundo Nuno Pinto, são as pessoas de meia-idade que o procuram. Já Paulo Perdigão afirma que não há um critério definido. “Sejam novas, mais velhas, mais abastadas ou com menos capacidade financeira”, afirma. No entanto, no que toca a casos de infidelidade, nestes quase 20 anos de atividade, uma coisa é certa: o período entre os 15 e os 25 anos de casamento, é o período mais crítico dentro de uma relação, seja por desgaste ou falta de diálogo. “É, regra geral dentro desta baliza, que se provam a maioria dos casos de traição conjugal”, adianta.
Interrogado sobre um serviço que mais o tenha marcado, o segundo detetive conta: “Durante um flagrante à hora de almoço que se iria realizar, o cliente pediu para que lhe arranjássemos alguém para o acompanhar, pois temia a reação da mulher e do amante que iriam estar dentro do carro deste último. De salientar que o cliente era um indivíduo de aparência tranquila, apesar dos seus cerca de 100 kgs e do seu 1,90 de altura. Acedemos ao seu pedido e arranjámos um elemento de segurança pessoal para o acompanhar. Quando foi dada luz verde após confirmação do encontro que estava a decorrer entre a esposa do nosso cliente e o amante desta, o cliente foi ao encontro dos dois”. Não se adivinhava o que aconteceria a seguir: “Quando chegou à viatura acompanhado do segurança e de familiares e ter trancado a saída da viatura onde se encontrava a esposa, avistou os dois juntos, simplesmente teve um ataque de raiva enorme!”. De acordo com Paulo Perdigão, começou descontroladamente a esmurrar e a pontapear a viatura, que era uma carrinha comercial caracterizada com o nome da empresa do amante. A carrinha ficou completamente amassada e danificada. “O cliente gritava e espumava da boca! Os amantes não saíram do carro e o segurança que inicialmente seria para o proteger do amante da mulher, serviu para proteger a mulher e o amante”, lembra.
Relação com MP e preços
No que toca à relação entre detetives privados e o Ministério Público (MP) esta é “praticamente inexistente”. “Os detetives atuam no setor privado e não têm qualquer articulação. A não ser por força de qualquer acontecimento que leve ao necessário contacto com as autoridades, não existe qualquer relação formal”, admite Nuno Pinto, ressalvando no entanto, que a Polícia de Segurança Pública já solicitou por duas vezes a regulação da atividade, por meio do relatório anual de segurança privada, no sentido de nomeadamente esclarecer o que os detetives privados podem ou não fazer, por forma a que não suscite qualquer tipo de confusão em relação ao trabalho da polícia.
De acordo com o detetive, Espanha tem uma das melhores leis no que respeita à investigação privada. “Os detetives espanhóis podem atuar em Portugal sem restrições, uma vez que pertencem à UE e têm regulamentação própria. Um detetive português se decidir atuar em Espanha, vai ter graves problemas legais e é considerado um clandestino. Ora, isto não é de todo aceitável”, condena. Na sua empresa, o valor hora é de 50€ por dupla de trabalho para casos e situações avulso. “Baseado neste valor, para casos com duração superior a três dias, criamos um orçamento mais adequado ao caso que o cliente apresenta”, revela. “Em Espanha, o valor hora é de 70€ por investigador. Uma dupla cobra o valor de 120€/hora. Por aqui pode-se ver a discrepância de valores”, remata.