O Mar do Sul da China tem sido um foco de tensões ao longo do tempo, e mesmo após um breve degelo na região, a atitude chinesa voltou a reatar a fricção. As pretensões da China em relação ao Mar não são segredo, mas as violações do direito internacional, a situação de Taiwan, a resistência dos países vizinhos e os interesses americanos têm colocado um travão nas suas ambições.
Situado entre o Oceano Pacífico e o Oceano Índico, trata-se de uma zona de elevada importância geoestratégica e comercial: nas suas águas circulam cerca de 40% de todo o gás natural liquefeito, existe abundância de petróleo e movimenta-se um volume comercial anual estimado em cerca de três biliões de dólares, o equivalente a um terço de todo o comércio internacional. Posto isto, e sublinhando que os Estados Unidos possuem grandes interesses comerciais no Mar do Sul da China, não é surpreendente que a República Popular da China queira controlar o Mar, mas as tentativas – com a agravante da situação em Taiwan – colocam a região numa permanente instabilidade.
‘Uma só China’
A máxima pela qual os chineses têm conduzido a sua política externa nesta região específica é a de ‘Uma só China’. Assim, a maior potência asiática tem deixado claro que Taiwan é parte integrante do seu território e agora pretende que o Mar do Sul da China esteja sob a sua jurisdição, mesmo contra as famosas ‘nove linhas’, designação da delimitação de fronteiras chinesas, que inclui já as Zonas Económicas Exclusivas.
Ao longo da sua história milenar, a China sempre se assumiu como uma potência terrestre, nunca apostando na criação de uma marinha robusta, ao contrário do seu principal adversário. Mas a evolução do sistema internacional exige adaptações, e os chineses acreditam que será essencial aprimorar o seu poderio naval. Controlar o Mar do Sul da China seria um passo fundamental para lograr esse objetivo. Porém, não será fácil, já que Taiwan, as Filipinas, o Vietname, a Malásia, o Brunei e a Indonésia, com apoio dos Estados Unidos, vão resistindo firmemente. Como demonstrou a Al Jazeera num vídeo informativo, Taiwan tem reivindicado os seus direitos marítimos ao mesmo tempo que se assume como nação soberana e independente, afastada do jugo chinês.
No período em que Donald Trump estava na Sala Oval, Xi Jinping tomou a decisão de militarizar o Mar, procedendo à instalação de bases em pequenas ilhas. Os Estados Unidos são um dos principais defensores da liberdade dos mares, o que levou ao confronto entre as duas administrações, que somando a guerra comercial, contribuiu para a deterioração das relações bilaterais.
Em 2021, Greg Poling, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, apresentou, à Al Jazeera, três futuros possíveis para a região: «Uma, e a que parece ser agora mais provável, é que a China forçará os países do Sudeste Asiático a aceitar as suas reivindicações. A que todos querem evitar é o conflito». A estação de informação acrescentou que o terceiro cenário passaria por negociações e um consequente entendimento.
Mas após três anos, o que seria mais previsível não foi concretizado. Estas pretensões chinesas violam a Carta da Nações Unidas, que Pequim assinou, e o Governo das Filipinas recorreu à justiça internacional com vista a travar a China.
Após a vitória dos filipinos, os chineses começaram a atuar no sentido da criação de um código de conduta – que já tinha sido proposto e debatido numa cimeira da ASEAN –-, de forma a atenuar as tensões diplomáticas. Tensões essas que voltaram a reaparecer na semana passada.
O incidente
No passado dia 5 de março, o Governo das Filipinas convocou o chefe da missão diplomática da China em Manila para repreender o que consideraram ser «ações agressivas» no Mar do Sul da China, avançou a Reuters. Os filipinos alegam que um dos navios que seguia em missão militar de rotina foi «atacado e bloqueado». Houve também, posteriormente, uma colisão entre navios dos dois países.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros das Filipinas atacou: «A interferência chinesa nas atividades legais e rotineiras das Filipinas na sua própria Zona Económica Exclusiva é inaceitável». Já os chineses garantem que agiram porque o navio das Filipinas se teria «intrometido ilegalmente» em águas cuja soberania Pequim reivindica. Naturalmente, também os americanos entraram em cena e Matthew Miller, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, classificou a atitude da China como «provocatória», condenando ainda o «desdém da República Popular da China pela segurança dos filipinos e pelo direito internacional». É de notar que os Estados Unidos e as Filipinas mantêm um Tratado de Mútua Defesa, o que poderá piorar as relações sino-americanas após as recentes tentativas de apaziguamento entre as superpotências, que culminaram com a visita do líder chinês, Xi Jinping, aos Estados Unidos. Esta cooperação é essencial para a estabilidade do quadro geopolítico que, nos últimos dois anos, assumiu uma volatilidade de proporções preocupantes.