Sem surpresas, o Orçamento do Estado para o próximo ano foi aprovado, o último de António Costa – com os a favor do PS, a abstenção do Livre e do PAN e os votos contra dos restantes partidos: PSD, Chega, IL, BE e PCP -mas com direito a discurso sobre ‘milagres’ de Fernando Medina e com o primeiro-ministro cessante emocionado ao ser aplaudido de pé. À saída, António Costa considerou ter «[virado] a página da austeridade e [tirado] o país de uma situação de défice excessivo para uma situação de sólida e tranquila estabilidade orçamental, o que aumenta agora as liberdades das escolhas políticas», em jeito de balanço do período (oito anos) em que esteve à frente de três Governos.
Ao todo, em sede de especialidade foram aprovadas cerca de 40 propostas de alteração do PS e 60 da oposição, em que uma das mais emblemáticas foi a eliminação da norma que previa que o Imposto Único de Circulação (IUC) dos carros matriculados até junho de 2007 aumentasse 25 euros no próximo ano. A somar à descida de impostos, à subida de salários e pensões e a mais investimento público. Mas o resultado final não convence os economistas contactados pelo Nascer do SOL, já que, dizem, estamos perante um documento a prazo.
«É evidente que é um Orçamento eleitoralista. Os discursos finais foram todos eleitorais. Aliás, estavam todos em campanha. É um orçamento de ficção, de brincadeira. É só para cumprirmos a formalidade de termos um documento aprovado quando, ainda por cima, nos últimos anos tido o que é orçamentado depois não é aplicado. Não dou grande importância a isto e tendo em conta que que vem aí um novo Governo ainda é mais ficção. Se for o PSD vai fazer um Orçamento retificativo de certeza absoluta, se for o PS podem fazer alterações», diz ao nosso jornal Luís Aguiar-Conraria.
O economista dá alguns exemplos em matéria de impostos, como a redução do IVA para a taxa intermédia das alheiras e do óleo alimentar e o recuo quanto ao agravamento do IUC. «São medidas eleitoralistas, mas também têm um impacto mais ou menos limitado. Em matéria de despesa temos atualmente o Governo a fazer negociações como é o caso dos médicos que tem um impacto orçamental fortíssimo que nem sequer está contemplado no documento quando pode representar milhões de euros de despesa».
Também António Mendonça, bastonário da Ordem dos Economistas, reconhece que «há um risco elevado de termos um Orçamento retificativo no próximo ano. Por várias razões. Não apenas porque há uma incerteza relativamente ao desfecho eleitoral mas também porque há uma ameaça de recessão».
Ainda assim, o economista admite que o documento agora aprovado «tem folgas e alguma margem de manobra para qualquer Governo poder adaptar em função da evolução das circunstâncias». No entanto, salienta que, mesmo com a incerteza em torno do desfecho das eleições, iremos continuar a viver sobre esse Orçamento. «Nestas coisas temos de ser pragmáticos, mas o Orçamento tem maleabilidade e flexibilidade para responder às situações, independentemente de quem estiver no Governo. É certo que existem fortes probabilidades, sobretudo se o Governo for de cor diferente, de fazer algumas alterações orçamentais. Se o Governo for da mesma cor, talvez não. É muito difícil estar a fazer grandes projeções sobre o que vai acontecer mas penso que o Orçamento tem potencialidade, flexibilidade e margem de manobra para atender às situações quer do ponto de vista interno quer do ponto de vista da evolução da conjuntura internacional», confessa ao Nascer do SOL.
‘Milagre não está nos santos’
Fernando Medina defendeu o seu último Orçamento deste Governo e deixou claro: O «milagre económico» – expressão usada recentemente por Paul Krugman – de Portugal não está nos «santos», mas sim nas «boas políticas» implementadas pelo Governo. O ministro das Finanças puxou dos galões e acrescentou: «A redução da dívida não é um capricho, não é um troféu, não é um fetiche. É um caminho que garante a nossa soberania». E defendeu ainda que «os resultados da boa política estão à vista».
Sobre estas palavras, Luís Aguiar-Conraria assume que a economia portuguesa tem tido um bom desempenho nos últimos anos. «Não dou crédito ao Governo, mas quando as coisas correm mal também não culpo o Governo. Por exemplo, quando caiu por causa do turismo também não culpei o Governo», diz. O economista explica ainda que «estas flutuações de ‘correr bem num ano e depois ser mau no outro’ tem muito pouco a ver com os Governos», uma vez que «há uma mudança estrutural na economia portuguesa», acrescentando que é «muito mais virada para o exterior do que éramos, o que nos obriga a ter uma economia muito mais competitiva», deixando como exemplo o facto de as qualificações aumentarem ao longo dos anos. «Estamos com uma economia mais resistente e com maior capacidade de crescimento nos próximos anos e isso é independente de qualquer medidazinha que o Governo tenha tomado».
Já António Mendonça defende que existe, de facto, «uma evolução positiva». Mas defende que é um misto. «Acho que há, em primeiro lugar, uma evolução objetiva da economia, independentemente de quem estivesse no Governo», disse o bastonário, destacando que a conjuntura internacional e o turismo impulsionaram bem a economia portuguesa. «Mas é óbvio que também não vou tirar credibilidade e influência a quem estava no Governo», acrescentou, para concluir que «houve preocupação do Governo em atender às situações mais graves, designadamente em termos dos efeitos do impacto da inflação, entre outros».