O incontornável de Abril


Abril que foi utopia, em muitos casos concretizada no essencial do impulso libertador, é hoje uma miragem quando registamos o nível de disfunção de um amplo conjunto de serviços públicos.


Abril é tempo de exaltação dos valores democráticos, da Liberdade e do caminho percorrido com avanços civilizacionais inquestionáveis, mas tem de ser um momento de renovada exigência em relação à República, aos pilares da Democracia e aos copos meio cheios que perduram nas nossas realidades concretas, além das euforias partidárias ou das bolhas mediáticas. Quando proliferam as razões de preocupação com a prestação e a sustentabilidade não pode a pronúncia ficar na auto exaltação, na festa ou na indiferença perante as disrupções, as políticas, as partidárias e as dos quotidianos. Como é possível persistirem greves a fio sem capacidade de gerar compromisso quando afetam a vida de milhares de cidadãos empurrados pela narrativa para o uso do transporte público? Como é a indiferença dos impactos do exercício de direitos constitucionais que fustigam as esferas de liberdade individual, por exemplo, nas escolas, e pilares fundamentais do Estado como acontece com a justiça. Como é possível o insuportável prolongamento dos impactos negativos sem ação e compromisso.

Minar Abril é isso mesmo, não compreender o desgaste que se provoca, por ação ou por omissão, no funcionamento das instituições, supostos portos de abrigos dos interesses gerais e da afirmação de uma estratégia para o país. O deslaço não pode ser a solução como não o é a incompetência e o desnorte que povoam o espaço mediático, aquém e além.

Abril que foi utopia, em muitos casos concretizada no essencial do impulso libertador, é hoje uma miragem quando registamos o nível de disfunção de um amplo conjunto de serviços públicos face às necessidades concretas dos cidadãos, às tendências e às metas enunciadas para o país, a União Europeia e o Mundo. A tolerância e diversidade cedeu lugar a um tribalismo insano, maniqueísta e sectarista que, face à amplitude dos problemas e dos desafios, insiste em engendrar narrativas de desculpabilização sem nexo; exercitar perspetivas parciais ou dispensar quem poderia contribuir para a concretização de mais respostas integradas. O exercício efémero de funções públicas vulgarizou, aligeirou-se e dá expressão a protagonistas, propostas políticas e posições sem pingo de solidez ou sustentação.

Abril pode continuar a ser sonho, recordação de um tempo singular e memória da coragem de quem depôs a ditadura, implantou a Democracia e a protegeu de tentações persistentes de desvios à esquerda e à direita. Abril pode e deve continuar a ser muito, sobretudo para as gerações que não experienciaram esses tempos e que não dão os valores democráticos pressuposto das vivências atuais. A Democracia nunca pode ser um dado adquirido e o quadro de problemas, desafios e ameaças existentes deveria fazer soar as campainhas de arme dos democratas, em vez de um perigoso embandeirar em arco que alimenta a descrença popular nas instituições e nos eleitos; que promove mercado de afirmação para os extremismos populistas e perpetua problemas estruturais de acesso a bens e serviços fundamentais. Das funções de soberania às funções sociais a degradação, é cada vez mais difícil aceder a bens e serviços básicos, com a saúde a ser o mais relevante para as pessoas e a justiça para as dinâmicas da sociedade e da economia. Saber que nada é decidido judicialmente em tempo útil é um ponto de partida para o posicionamento de alguns, gerando a descrença neste pilar fundamental do Estado.

Abril, no limiar do meio século, precisa de olhar para o copo meio vazio, para o essencial que ainda não está ao alcance do cidadão comum, onde quer que ele esteja no território nacional e qualquer que seja a sua condição. Não o fazer, perpetuando uma certa indiferença em relação à disfunção dos casos concretos em questões essenciais, na saúde, na educação, na proteção social, mas também na pobreza, na exclusão, nas injustiças e no deslaçar que desmultiplica obstáculos à coesão social e territorial, é ser conivente com a degradação geral do ambiente democrático.

É por isso incompreensível todas as faltas de senso que dão espaço de progressão aos populistas, aos extremistas e a um Presidente da República que, sem recato e equilíbrio, se comporta como um incendiário, mantendo uma enorme indiferença em relação a tudo o que, sendo relevante para as pessoas e os territórios, não tem existência mediática. Como outros que fizeram parte da anterior solução governativa à esquerda e agora fustigam os impactos diferidos das opções, dos desleixos e dos erros, serão todos parte da fotografia dos que minaram o sonho de Abril e os pilares da Democracia. Não é por se verberar muitas vezes o amor a Abril que se supera os desmentidos da ação e da realidade concreta das pessoas e dos territórios. Fizemos muito, muito precisa de ser retificado e há novos desafios. Fingir que não há bloqueios e disfunções relevantes enquanto se enunciam metas de sonho é faltar ao essencial da utopia de Abril. Ainda no domingo, ouvia o coordenador do Plano de Ação para o envelhecimento Ativo e Saudável enunciar ideias, projetos e iniciativas fantásticas, quando boa parte da população sénior nem tem acesso ao essencial, desde logo no acesso à saúde. Honrar a memória de Abril é não fazer do anúncio em modo de cenoura a panaceia para responder ao presente de indigno, sob o ponto de vista humano, em muitas áreas.

Dito isto, apesar das circunstâncias e das efabulações, 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.

 

NOTAS FINAIS

PARECE PARECER DEMAIS. O esforço de valorização da instituição parlamentar, na Comissão de Inquérito da TAP, confronta-se com diversos manás para os adversários do sistema democrático, mas o governo não precisa de ir ainda mais longe. Ter duas ministras a proteger um parecer jurídico de sustentação de um desmando governativo e um ministro a proclamar a sua inexistência é demais. Organizem-se.

 

O BOM, O MAU E O VILÃO. Na Ucrânia, há um agredido e um agressor, a Rússia. Ponto. Parte do posicionamento dos Estados oscila entre os valores, a ideologia e os negócios, sendo que os últimos tendem a prevalecer sobre o primeiro. É pena, mas é o que criámos.

 

FINALMENTE, JORGE MIGUÉIS. A República nem sempre trata bem os seus servidores. Jorge Miguéis era um deles, organizou 66 eleições em Portugal. Morreu em 2019. O Presidente da República condecorou-o agora a título póstumo. Fez-se justiça.

O incontornável de Abril


Abril que foi utopia, em muitos casos concretizada no essencial do impulso libertador, é hoje uma miragem quando registamos o nível de disfunção de um amplo conjunto de serviços públicos.


Abril é tempo de exaltação dos valores democráticos, da Liberdade e do caminho percorrido com avanços civilizacionais inquestionáveis, mas tem de ser um momento de renovada exigência em relação à República, aos pilares da Democracia e aos copos meio cheios que perduram nas nossas realidades concretas, além das euforias partidárias ou das bolhas mediáticas. Quando proliferam as razões de preocupação com a prestação e a sustentabilidade não pode a pronúncia ficar na auto exaltação, na festa ou na indiferença perante as disrupções, as políticas, as partidárias e as dos quotidianos. Como é possível persistirem greves a fio sem capacidade de gerar compromisso quando afetam a vida de milhares de cidadãos empurrados pela narrativa para o uso do transporte público? Como é a indiferença dos impactos do exercício de direitos constitucionais que fustigam as esferas de liberdade individual, por exemplo, nas escolas, e pilares fundamentais do Estado como acontece com a justiça. Como é possível o insuportável prolongamento dos impactos negativos sem ação e compromisso.

Minar Abril é isso mesmo, não compreender o desgaste que se provoca, por ação ou por omissão, no funcionamento das instituições, supostos portos de abrigos dos interesses gerais e da afirmação de uma estratégia para o país. O deslaço não pode ser a solução como não o é a incompetência e o desnorte que povoam o espaço mediático, aquém e além.

Abril que foi utopia, em muitos casos concretizada no essencial do impulso libertador, é hoje uma miragem quando registamos o nível de disfunção de um amplo conjunto de serviços públicos face às necessidades concretas dos cidadãos, às tendências e às metas enunciadas para o país, a União Europeia e o Mundo. A tolerância e diversidade cedeu lugar a um tribalismo insano, maniqueísta e sectarista que, face à amplitude dos problemas e dos desafios, insiste em engendrar narrativas de desculpabilização sem nexo; exercitar perspetivas parciais ou dispensar quem poderia contribuir para a concretização de mais respostas integradas. O exercício efémero de funções públicas vulgarizou, aligeirou-se e dá expressão a protagonistas, propostas políticas e posições sem pingo de solidez ou sustentação.

Abril pode continuar a ser sonho, recordação de um tempo singular e memória da coragem de quem depôs a ditadura, implantou a Democracia e a protegeu de tentações persistentes de desvios à esquerda e à direita. Abril pode e deve continuar a ser muito, sobretudo para as gerações que não experienciaram esses tempos e que não dão os valores democráticos pressuposto das vivências atuais. A Democracia nunca pode ser um dado adquirido e o quadro de problemas, desafios e ameaças existentes deveria fazer soar as campainhas de arme dos democratas, em vez de um perigoso embandeirar em arco que alimenta a descrença popular nas instituições e nos eleitos; que promove mercado de afirmação para os extremismos populistas e perpetua problemas estruturais de acesso a bens e serviços fundamentais. Das funções de soberania às funções sociais a degradação, é cada vez mais difícil aceder a bens e serviços básicos, com a saúde a ser o mais relevante para as pessoas e a justiça para as dinâmicas da sociedade e da economia. Saber que nada é decidido judicialmente em tempo útil é um ponto de partida para o posicionamento de alguns, gerando a descrença neste pilar fundamental do Estado.

Abril, no limiar do meio século, precisa de olhar para o copo meio vazio, para o essencial que ainda não está ao alcance do cidadão comum, onde quer que ele esteja no território nacional e qualquer que seja a sua condição. Não o fazer, perpetuando uma certa indiferença em relação à disfunção dos casos concretos em questões essenciais, na saúde, na educação, na proteção social, mas também na pobreza, na exclusão, nas injustiças e no deslaçar que desmultiplica obstáculos à coesão social e territorial, é ser conivente com a degradação geral do ambiente democrático.

É por isso incompreensível todas as faltas de senso que dão espaço de progressão aos populistas, aos extremistas e a um Presidente da República que, sem recato e equilíbrio, se comporta como um incendiário, mantendo uma enorme indiferença em relação a tudo o que, sendo relevante para as pessoas e os territórios, não tem existência mediática. Como outros que fizeram parte da anterior solução governativa à esquerda e agora fustigam os impactos diferidos das opções, dos desleixos e dos erros, serão todos parte da fotografia dos que minaram o sonho de Abril e os pilares da Democracia. Não é por se verberar muitas vezes o amor a Abril que se supera os desmentidos da ação e da realidade concreta das pessoas e dos territórios. Fizemos muito, muito precisa de ser retificado e há novos desafios. Fingir que não há bloqueios e disfunções relevantes enquanto se enunciam metas de sonho é faltar ao essencial da utopia de Abril. Ainda no domingo, ouvia o coordenador do Plano de Ação para o envelhecimento Ativo e Saudável enunciar ideias, projetos e iniciativas fantásticas, quando boa parte da população sénior nem tem acesso ao essencial, desde logo no acesso à saúde. Honrar a memória de Abril é não fazer do anúncio em modo de cenoura a panaceia para responder ao presente de indigno, sob o ponto de vista humano, em muitas áreas.

Dito isto, apesar das circunstâncias e das efabulações, 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.

 

NOTAS FINAIS

PARECE PARECER DEMAIS. O esforço de valorização da instituição parlamentar, na Comissão de Inquérito da TAP, confronta-se com diversos manás para os adversários do sistema democrático, mas o governo não precisa de ir ainda mais longe. Ter duas ministras a proteger um parecer jurídico de sustentação de um desmando governativo e um ministro a proclamar a sua inexistência é demais. Organizem-se.

 

O BOM, O MAU E O VILÃO. Na Ucrânia, há um agredido e um agressor, a Rússia. Ponto. Parte do posicionamento dos Estados oscila entre os valores, a ideologia e os negócios, sendo que os últimos tendem a prevalecer sobre o primeiro. É pena, mas é o que criámos.

 

FINALMENTE, JORGE MIGUÉIS. A República nem sempre trata bem os seus servidores. Jorge Miguéis era um deles, organizou 66 eleições em Portugal. Morreu em 2019. O Presidente da República condecorou-o agora a título póstumo. Fez-se justiça.