A recente greve dos médicos suscitou uma catadupa de declarações do ministro da tutela e da recente Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) de difícil entendimento para o cidadão comum, pela multiplicidade de alegadas soluções apresentadas.
Faltam médicos de família, há 1,6 milhões de portugueses à espera? O Sr. ministro garante terem sido contratados mais médicos. O DE-SNS reconhece, no entanto, desconhecer quantos dos médicos contratados têm horários reduzidos, nem sabe qual a presente força de trabalho médico no SNS em termos de número de horas.
Fecham as urgências um pouco por todo o país? A Reorganização das urgências de várias especialidades será conhecida esta semana, garante o DE-SNS, Fernando Araújo.
Mas há um pequeno senão: a prometida estratégia de reorganização em rede só contempla, tanto quanto é público, das urgências de urologia, gastrenterologia e pediatria dos hospitais de Lisboa e Vale do Tejo.
Em comunicado, lá vem mais uma promessa: o plano final de reorganização das respostas do SNS será “agora concluído pela DE-SNS, com a tranquilidade, ponderação e diálogo necessários”, por se tratar de “matérias complexas e que afetam de forma profunda a vida das pessoas”.
Há pelo menos uma verdade: a grave situação do SNS afeta de forma profunda a vida das pessoas. Dificilmente encontramos um setor onde a atual crise de governação afete tão diretamente a vida diária.
Se essas dificuldades eram já evidentes antes de 2020, a pandemia agravou fragilidades estruturais do SNS, cujos problemas não se resolvem com juras de rápida resolução, comunicados delicodoces, ou propostas ideológicas. Salvar o SNS exige visão, clareza de missão e a concretização urgente das tão necessárias reformas continuamente adiadas.
Teria sido um ato de inteligência política que poderia unir todos os agentes da saúde em torno de uma causa comum, o governo ter ouvido os partidos da oposição e a sociedade portuguesa antes de avançar com o Estatuto do SNS. Entendem os governantes que tudo podem fazer, ignorando todos e os resultados estão à vista.
É unânime, quer entre dos profissionais de todos os setores envolvidos, dos seus organismos representativos e, já agora, do maior partido da oposição, que o atual estado de degradação do SNS está a atingir um ponto crítico. Mais: em termos de futuro, o estatuto do SNS não traz soluções exequíveis.
Anuncia-se o aumento do número de profissionais no SNS, que não é garantia de mais cuidados aos utentes, já que grande parte das contratações serviu para manter a capacidade existente. A eficácia do SNS depende, entre outros fatores, do número de horas trabalhadas e não do número de profissionais. Mas, como reconheceu o responsável da Direção Executiva, esta estrutura desconhece este indicador.
E a verdade é que, nos últimos 7 anos, o SNS mergulhou numa difícil e profunda crise, para a qual muito contribuíram as decisões políticas erradas e eivadas de preconceito ideológico, mas também a incapacidade de perceção do sistema de saúde como um todo, cenário agravado por uma pandemia inesperada e indesejada.
O estado caótico e de pré-ruptura do SNS evoluiu para um colapso anunciado. É indesmentível a desorganização, a falta de liderança e a gestão desastrosa dos recursos humanos.
Apesar da narrativa do aumento de investimento no SNS, a execução orçamental demonstra o logro. Na realidade, em 2022, o Orçamento do Estado (OE) previa um investimento de 509 milhões de euros (M€). Os últimos dados disponíveis referem um grau de execução de apenas 45%, de 230 M€.
Já o OE para 2023 apresenta para saúde, no conjunto das despesas públicas, no valor mais alto da última década. Acontece que grande parte deste esforço está associado a efeitos preço, não se prevendo um aumento significativo da capacidade de prestação de cuidados de saúde.
É imperativo o atual SNS evolua para um Sistema de Saúde assente num modelo de cuidados integrados, centrado nas pessoas e nas suas necessidades específicas, focado na melhoria da qualidade de vida e do bem estar, ao invés de um sistema apenas orientado para a doença, como atualmente existe. Para tal, impõe-se uma reorganização do SNS a sério e a revisão da atual Lei de Bases da Saúde, se quisermos impedir o colapso. O PSD continuará a apresentar propostas, mesmo que o PS as continue a chumbar. Podem chumbar mas nós continuaremos a lutar pelo nosso país.
Deputado do PSD e coordenador da comissão de saúde