O teu é mais devoluto que o meu


É tudo demasiado inconsistente e poucochinho para ser verdade. O devoluto faz caminho para o vazio em que apenas a sobrevivência política e as agendas políticas individuais contam.


Devoluto 1. Adquirido por devolução. 2. Desocupado; vago. 3. Não cultivado. 4. Diz-se das fêmeas que acabam de passar um ano sem ter crias.

O devoluto tomou conta do debate público, com a proposta governamental de bomba atómica na habitação, através do arrendamento compulsivo, depois de anos de sustentada indiferença perante os sinais de constrangimento no acesso à habitação e encaixe financeiro dos impostos resultantes das atividades do imobiliário. Presente no debate por estes dias há muito que o devoluto está presente nas realidades dos quotidianos individuais e comunitários, nas medidas do dia e nas grandes opções estratégicas, amiúde sem visão estruturada de futuro.

O devoluto, mais do que o espaço das casas sem nenhum tipo de vida, é o vazio que preenche demasiadas realidades individuais e as dinâmicas da vida em comunidade, com o Estado, as instituições, o social, o público e o privado a virarem as costas a mínimos de compromisso, valores e princípios na regulação dos direitos e deveres no estabelecimento das regras básicas da vivência em sociedade.

Tocados a inveja e a configuração cívica de baixo rendimento conformamo-nos, individual e coletivamente, com o exercício de considerar o carácter ou estado devoluto de terceiros em pior estado do que o nosso e desse poucochinho se faz muito de oportunidades para as narrativas que nos são impostas e pelas realidades a elas subjacentes. “Podia ser pior”, “Antes assim que o que estava previsto” ou “Afinal, não é tão mau” são pensamentos e frases plantadas nas opções de gestão e de modelação das comunidades e do país.

Vive-se em modo devoluto, mesmo que a margem de tolerância dos cidadãos seja cada vez menor, que o enfado se torne presença nos constrangimentos do dia-a-dia e a democracia revele preocupantes níveis de erosão perante os acontecimentos e as omissões.

O vazio do devoluto conta com a falta de senso para se propagar, qual contágio.

É devoluta a falta de noção da Igreja Católica perante um relatório que evidencia a realidade da surdina abafada, dos padres suspeitos mudados de lugar, das vítimas indefesas perante o desvio comportamental de gente da fé e de uma estrutura que está alheada do tempo, dos ritmos da atualidade e das perceções individuais e das comunidades. A posição da Conferência Episcopal de sexta-feira passada é a consagração desse estado devoluto, de vazio total perante a realidade concreta dos abusos, as circunstâncias e a conjuntura. Não estão calçados em nenhuma posição dominante da história, do poder ou da moralidade que permita tamanha desfaçatez de na palavra e na consequência do perdão pedido não se colocarem plenamente ao lado das vítimas que testemunharam os abusos, suspendendo de imediato as maçãs podres do pomar. Persistir nessa proteção dos abusadores, por missão, enquanto se dilata a implacável sanção social com dizeres de “tolerância zero”, é não compreender o tempo atual, os impactos de parte da verdade revelada e o sinal de desincentivo à denúncia que é emitido. Esse estado devoluto da liderança da Igreja Católica em Portugal mete dó, mas parece que é extensivo ao estado de conservação da estrutura de liderança, com bispos sem condições para um exercício pleno e vacaturas que não são antecipadas, com incontornáveis impactos nas dinâmicas junto das comunidades e dos territórios, em tempos de vazios, quando a palavra e a ação poderiam fazer a diferença para muitos.

É devoluto o sentido de deslaço, de implosão dos compromissos de equilíbrio e de responsabilidade cívica que se vai registando no quotidiano, com os cidadãos que cumprem a serem fustigados por greves, contestações, ganâncias e outras coisas que tais que perturbam os seus ritmos de estudo, trabalho e vida. Nesta conjuntura devoluta vigora a lei da oportunidade mais forte, sem valores e sem princípios, sem noção da parte e do todo, focado na importância da circunstância e da sua evidência mediática para a obtenção de uma renda qualquer, monetária, política ou de popularidade. É esse o registo de total estado devoluto, descaramento ou falta de vergonha na cara mesmo, com que o PCP terá plantado uma vereadora de Loures à porta do Hospital Beatriz Ângelo em protesto contra o estado das respostas de saúde daquela infraestrutura. Entre os que, no suporte à solução de governo, inspiraram o preconceito ideológico e os que, na governação, materializaram o fim de boa parte das parcerias público privadas na saúde, sem acautelar, por exemplo, a efetiva compensação de recursos humanos pela redução do horário de trabalho e as dinâmicas demográficas nos prestadores e na população, vigora a total falta de vergonha na cara. A situação concreta é grave, mas tem uma assinatura a diversas mãos, por ação e por omissão. Não se implodem realidades que funcionam, sem assegurar que as alternativas têm arcaboiço para absorver os impactos da redução das respostas. É um pressuposto básico, como o de assegurar que o Estado é exemplo no que pretende que os cidadãos, as instituições e as empresas concretizem. Não o ter em conta é consagrar um Estado devoluto, pelo vazio de valores, critérios e explicação fundada das opções, sem capacidade para concretizar o que quer impor. Agora, quando não consegue concretizar cruzamentos de dados entre os seus serviços ou resolver bloqueios nos metadados, quer impor às empresas de água, luz ou gás uma espécie de regresso da bufaria de outros tempos em modo de “a tua devoluta é maior que a minha”. É tudo demasiado inconsistente e poucochinho para ser verdade, mas querem que seja. A implosão não é transformação. O devoluto faz caminho para o vazio em que apenas a sobrevivência política e as agendas políticas individuais contam. O interesse geral que arranje uma casa devoluta, porque nas preocupações não há espaço disponível.

 

NOTAS FINAIS

GOVERNO DOS AÇORES COM DIVERGÊNCIAS INSANÁVEIS. A sobrevivência política é um modo de vida. Nos Açores, tudo foi arrebanhado para uma solução de governo à direita como tinha acontecido na República. A evidência da fragilidade das soluções, apenas centradas no acesso ao poder, é clara. O que não são claras nem transparentes são as razões concretas das “divergências insanáveis e inultrapassáveis” que levaram à demissão do secretário Regional da Saúde e Desporto, num governo de fraca liderança, em que o cimento do CDS-PP se sobrepõe à permanência dos melhores da casa.

 

INVESTIGUE-SE, MESMO. Num país normal, o funcionamento da justiça não seria nenhum drama para a consciência tranquila, mas em Portugal é porque os agentes judiciais no seu conluio seletivo com a imprensa deixaram instalar-se a ideia de que que a investigação e as outras expressões normais de um estado de Direito podem ser feitas sem critério e provas sólidas, apenas porque sim. É olhar à justiça dos jornais, das violações seletivas dos segredos de justiça, das ações e das omissões para o retrato ser completo e suscitar indignação.

 

OURO DE PORTUGAL. Parabéns aos Campeões Pedro Pablo Pichardo e Auriol Dongmo. Campeões de um Portugal que se quer humanista e integrador.

O teu é mais devoluto que o meu


É tudo demasiado inconsistente e poucochinho para ser verdade. O devoluto faz caminho para o vazio em que apenas a sobrevivência política e as agendas políticas individuais contam.


Devoluto 1. Adquirido por devolução. 2. Desocupado; vago. 3. Não cultivado. 4. Diz-se das fêmeas que acabam de passar um ano sem ter crias.

O devoluto tomou conta do debate público, com a proposta governamental de bomba atómica na habitação, através do arrendamento compulsivo, depois de anos de sustentada indiferença perante os sinais de constrangimento no acesso à habitação e encaixe financeiro dos impostos resultantes das atividades do imobiliário. Presente no debate por estes dias há muito que o devoluto está presente nas realidades dos quotidianos individuais e comunitários, nas medidas do dia e nas grandes opções estratégicas, amiúde sem visão estruturada de futuro.

O devoluto, mais do que o espaço das casas sem nenhum tipo de vida, é o vazio que preenche demasiadas realidades individuais e as dinâmicas da vida em comunidade, com o Estado, as instituições, o social, o público e o privado a virarem as costas a mínimos de compromisso, valores e princípios na regulação dos direitos e deveres no estabelecimento das regras básicas da vivência em sociedade.

Tocados a inveja e a configuração cívica de baixo rendimento conformamo-nos, individual e coletivamente, com o exercício de considerar o carácter ou estado devoluto de terceiros em pior estado do que o nosso e desse poucochinho se faz muito de oportunidades para as narrativas que nos são impostas e pelas realidades a elas subjacentes. “Podia ser pior”, “Antes assim que o que estava previsto” ou “Afinal, não é tão mau” são pensamentos e frases plantadas nas opções de gestão e de modelação das comunidades e do país.

Vive-se em modo devoluto, mesmo que a margem de tolerância dos cidadãos seja cada vez menor, que o enfado se torne presença nos constrangimentos do dia-a-dia e a democracia revele preocupantes níveis de erosão perante os acontecimentos e as omissões.

O vazio do devoluto conta com a falta de senso para se propagar, qual contágio.

É devoluta a falta de noção da Igreja Católica perante um relatório que evidencia a realidade da surdina abafada, dos padres suspeitos mudados de lugar, das vítimas indefesas perante o desvio comportamental de gente da fé e de uma estrutura que está alheada do tempo, dos ritmos da atualidade e das perceções individuais e das comunidades. A posição da Conferência Episcopal de sexta-feira passada é a consagração desse estado devoluto, de vazio total perante a realidade concreta dos abusos, as circunstâncias e a conjuntura. Não estão calçados em nenhuma posição dominante da história, do poder ou da moralidade que permita tamanha desfaçatez de na palavra e na consequência do perdão pedido não se colocarem plenamente ao lado das vítimas que testemunharam os abusos, suspendendo de imediato as maçãs podres do pomar. Persistir nessa proteção dos abusadores, por missão, enquanto se dilata a implacável sanção social com dizeres de “tolerância zero”, é não compreender o tempo atual, os impactos de parte da verdade revelada e o sinal de desincentivo à denúncia que é emitido. Esse estado devoluto da liderança da Igreja Católica em Portugal mete dó, mas parece que é extensivo ao estado de conservação da estrutura de liderança, com bispos sem condições para um exercício pleno e vacaturas que não são antecipadas, com incontornáveis impactos nas dinâmicas junto das comunidades e dos territórios, em tempos de vazios, quando a palavra e a ação poderiam fazer a diferença para muitos.

É devoluto o sentido de deslaço, de implosão dos compromissos de equilíbrio e de responsabilidade cívica que se vai registando no quotidiano, com os cidadãos que cumprem a serem fustigados por greves, contestações, ganâncias e outras coisas que tais que perturbam os seus ritmos de estudo, trabalho e vida. Nesta conjuntura devoluta vigora a lei da oportunidade mais forte, sem valores e sem princípios, sem noção da parte e do todo, focado na importância da circunstância e da sua evidência mediática para a obtenção de uma renda qualquer, monetária, política ou de popularidade. É esse o registo de total estado devoluto, descaramento ou falta de vergonha na cara mesmo, com que o PCP terá plantado uma vereadora de Loures à porta do Hospital Beatriz Ângelo em protesto contra o estado das respostas de saúde daquela infraestrutura. Entre os que, no suporte à solução de governo, inspiraram o preconceito ideológico e os que, na governação, materializaram o fim de boa parte das parcerias público privadas na saúde, sem acautelar, por exemplo, a efetiva compensação de recursos humanos pela redução do horário de trabalho e as dinâmicas demográficas nos prestadores e na população, vigora a total falta de vergonha na cara. A situação concreta é grave, mas tem uma assinatura a diversas mãos, por ação e por omissão. Não se implodem realidades que funcionam, sem assegurar que as alternativas têm arcaboiço para absorver os impactos da redução das respostas. É um pressuposto básico, como o de assegurar que o Estado é exemplo no que pretende que os cidadãos, as instituições e as empresas concretizem. Não o ter em conta é consagrar um Estado devoluto, pelo vazio de valores, critérios e explicação fundada das opções, sem capacidade para concretizar o que quer impor. Agora, quando não consegue concretizar cruzamentos de dados entre os seus serviços ou resolver bloqueios nos metadados, quer impor às empresas de água, luz ou gás uma espécie de regresso da bufaria de outros tempos em modo de “a tua devoluta é maior que a minha”. É tudo demasiado inconsistente e poucochinho para ser verdade, mas querem que seja. A implosão não é transformação. O devoluto faz caminho para o vazio em que apenas a sobrevivência política e as agendas políticas individuais contam. O interesse geral que arranje uma casa devoluta, porque nas preocupações não há espaço disponível.

 

NOTAS FINAIS

GOVERNO DOS AÇORES COM DIVERGÊNCIAS INSANÁVEIS. A sobrevivência política é um modo de vida. Nos Açores, tudo foi arrebanhado para uma solução de governo à direita como tinha acontecido na República. A evidência da fragilidade das soluções, apenas centradas no acesso ao poder, é clara. O que não são claras nem transparentes são as razões concretas das “divergências insanáveis e inultrapassáveis” que levaram à demissão do secretário Regional da Saúde e Desporto, num governo de fraca liderança, em que o cimento do CDS-PP se sobrepõe à permanência dos melhores da casa.

 

INVESTIGUE-SE, MESMO. Num país normal, o funcionamento da justiça não seria nenhum drama para a consciência tranquila, mas em Portugal é porque os agentes judiciais no seu conluio seletivo com a imprensa deixaram instalar-se a ideia de que que a investigação e as outras expressões normais de um estado de Direito podem ser feitas sem critério e provas sólidas, apenas porque sim. É olhar à justiça dos jornais, das violações seletivas dos segredos de justiça, das ações e das omissões para o retrato ser completo e suscitar indignação.

 

OURO DE PORTUGAL. Parabéns aos Campeões Pedro Pablo Pichardo e Auriol Dongmo. Campeões de um Portugal que se quer humanista e integrador.