Bauhaus of the Seas Sails: movimento por um design ecossistémico


O primeiro passo da Bauhaus of the Seas Sails é a constituição de assembleias locais a que chamamos Fóruns do Mar. Estas pretendem incluir cidadãos mas também populações não humanas – tais como algas, peixes e crustáceos – nos processos de discussão, criação e decisão.


Em resposta à iniciativa da Comissão Europeia New European Bauhaus, iniciámos a partir de Lisboa um movimento que procura situar o design num novo paradigma ecológico. A Bauhaus of the Seas Sails é um dos 6 consórcios vencedores da primeira linha de financiamento europeu nesta área. Liderado pelo Instituto Superior Técnico, este consórcio que inclui 7 cidades europeias e 18 parceiros municipais, culturais e académicos vai realizar, nos próximos 3 anos, uma série de iniciativas que cruzam áreas disciplinares – da gastronomia à arquitectura, do design de interação à engenharia dos materiais – para promover formas de relacionamento sustentável entre cidades e ecossistemas aquáticos. Na lagoa de Veneza, no mar de Malmö ou ao estuário do Tejo, estas iniciativas promoverão uma nova forma de pensar e agir em linha com a necessária transição ecológica. 

Na Europa, um continente envolto em quatro mares – Mediterrâneo, Báltico, do Norte e Negro – e um oceano, estar perto de água definiu a fundação e caracteriza a vida de muitas cidades. Contudo, o aumento do nível médio das águas do mar é apenas uma de várias ameaças visíveis que num futuro demasiado próximo põem em risco tanto a herança cultural que caracteriza estes densos e antigos aglomerados urbanos, como os modos de vida e sobrevivência das suas populações. Os esforços de proteção contra estas ameaças, tais como fortificações e outras infraestruturas costeiras, têm não só um prazo de validade como vêm transformando significativamente a paisagem visível e a vida subaquática. O mar tem-se também tornado um espelho da superprodução que caracteriza a sociedade capitalista global em que vivemos: basta lembrar as imagens de ilhas de plástico que nos chegam (e nos chocam) pelos meios de comunicação. 

Partindo da condição partilhada entre cidadãos europeus e o mar, a Bauhaus of the Seas Sails reimagina a forma como essa convivência se pode estruturar no futuro. No contexto actual de crise climática, afastamo-nos de estratégias extractivistas que entendem o mar enquanto recurso a ser depredado e de visões exclusivistas que separam as populações que vivem e trabalham na terra e no mar. Ao invés, procuramos encontrar modos sustentáveis de relação e troca com o mar, para o qual delineamos uma metodologia assente num processo de auscultação e inclusão que assegure uma representatividade populacional e mais que humana. Como o faremos? 

Sabemos que existem processos de representatividade da natureza através de pessoas em comunidades cujas cosmologias entendem que não existe separação entre cultura e natureza. Por exemplo, na fronteira petrolífera e mineira da Amazónia Equatorial – uma das regiões mais biodiversas e ricas em minerais da Terra – que se encontra sob pressão de atividades extrativas em larga escala, foi desencadeada uma série de processos judiciais que fizeram história. O paradigmático processo acionado pelo povo indígena Kichwa de Sarayaku foi ganho em 2012 com base na sua concepção da floresta enquanto entidade viva e que como tal não pode ser destruída, já que está intimamente ligada a muitos outros lugares, animais e pessoas. Foram as múltiplas dimensões da floresta tropical enquanto entidade física, jurídica e cosmológica que justificaram o seu reconhecimento como sujeito de pleno direito pelo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos. Este reconhecimento, que obteve o prémio Equador das Nações Unidas em 2021, vai ao encontro do pensamento do filósofo francês Michel Serres que alerta para a necessidade de os indivíduos reverem o “contrato social primitivo”: só com um Contrato Natural, em que a natureza é considerada um sujeito de direito, haverá um equilíbrio na relação da humanidade com o planeta. Serres entende que a crise socioambiental contemporânea é também uma crise cultural, dado o modo como a cultura ocidental tem pensado e interferido na natureza. Mas como abordar a questão da representatividade e direito da natureza no continente europeu, marcado pelas suas sociedades seculares? 

O primeiro passo da Bauhaus of the Seas Sails é a constituição de assembleias locais a que chamamos Fóruns do Mar. Estas pretendem incluir cidadãos mas também populações não humanas – tais como algas, peixes e crustáceos – nos processos de discussão, criação e decisão. No território português, estas iniciativas focar-se-ão em três áreas fundamentais: uma dieta e gastronomia regenerativas, a literacia oceânica e a investigação em materiais e produtos de origem marinha. 

Um dos parceiros deste consórcio é o Het Nieuwe Instituut de Roterdão, onde se tem desenvolvido o projecto Zoöp, o qual consiste na constituição de assembleias de representantes da natureza. Este visa assegurar que certos elementos naturais fazem ouvir a sua voz, representando-se por meio de pessoas em conselhos de administração e outras estruturas culturais. Pretendemos ampliar a ambição e potencial deste projecto alargando-o aos territórios de instituições académicas, culturais e municipais.  

Através da instituição de Zoöps, e com o auxílio de tecnologias de auscultação e participação, nos Fóruns do Mar procuraremos explorar como pode o design – no seu sentido mais lato – contribuir para o bem-estar da sociedade nas suas dimensões humana e mais que humana. Porque acreditamos que apenas uma abordagem ecossistémica pode dar resposta à interdependência entre seres que caracteriza a complexidade ecológica dos contextos em que vivemos. A começar pelas cidades à beira-mar.

Investigadores no Instituto Superior Técnico / Instituto de Tecnologias Interativas (ITI LARSyS)

Bauhaus of the Seas Sails: movimento por um design ecossistémico


O primeiro passo da Bauhaus of the Seas Sails é a constituição de assembleias locais a que chamamos Fóruns do Mar. Estas pretendem incluir cidadãos mas também populações não humanas - tais como algas, peixes e crustáceos - nos processos de discussão, criação e decisão.


Em resposta à iniciativa da Comissão Europeia New European Bauhaus, iniciámos a partir de Lisboa um movimento que procura situar o design num novo paradigma ecológico. A Bauhaus of the Seas Sails é um dos 6 consórcios vencedores da primeira linha de financiamento europeu nesta área. Liderado pelo Instituto Superior Técnico, este consórcio que inclui 7 cidades europeias e 18 parceiros municipais, culturais e académicos vai realizar, nos próximos 3 anos, uma série de iniciativas que cruzam áreas disciplinares – da gastronomia à arquitectura, do design de interação à engenharia dos materiais – para promover formas de relacionamento sustentável entre cidades e ecossistemas aquáticos. Na lagoa de Veneza, no mar de Malmö ou ao estuário do Tejo, estas iniciativas promoverão uma nova forma de pensar e agir em linha com a necessária transição ecológica. 

Na Europa, um continente envolto em quatro mares – Mediterrâneo, Báltico, do Norte e Negro – e um oceano, estar perto de água definiu a fundação e caracteriza a vida de muitas cidades. Contudo, o aumento do nível médio das águas do mar é apenas uma de várias ameaças visíveis que num futuro demasiado próximo põem em risco tanto a herança cultural que caracteriza estes densos e antigos aglomerados urbanos, como os modos de vida e sobrevivência das suas populações. Os esforços de proteção contra estas ameaças, tais como fortificações e outras infraestruturas costeiras, têm não só um prazo de validade como vêm transformando significativamente a paisagem visível e a vida subaquática. O mar tem-se também tornado um espelho da superprodução que caracteriza a sociedade capitalista global em que vivemos: basta lembrar as imagens de ilhas de plástico que nos chegam (e nos chocam) pelos meios de comunicação. 

Partindo da condição partilhada entre cidadãos europeus e o mar, a Bauhaus of the Seas Sails reimagina a forma como essa convivência se pode estruturar no futuro. No contexto actual de crise climática, afastamo-nos de estratégias extractivistas que entendem o mar enquanto recurso a ser depredado e de visões exclusivistas que separam as populações que vivem e trabalham na terra e no mar. Ao invés, procuramos encontrar modos sustentáveis de relação e troca com o mar, para o qual delineamos uma metodologia assente num processo de auscultação e inclusão que assegure uma representatividade populacional e mais que humana. Como o faremos? 

Sabemos que existem processos de representatividade da natureza através de pessoas em comunidades cujas cosmologias entendem que não existe separação entre cultura e natureza. Por exemplo, na fronteira petrolífera e mineira da Amazónia Equatorial – uma das regiões mais biodiversas e ricas em minerais da Terra – que se encontra sob pressão de atividades extrativas em larga escala, foi desencadeada uma série de processos judiciais que fizeram história. O paradigmático processo acionado pelo povo indígena Kichwa de Sarayaku foi ganho em 2012 com base na sua concepção da floresta enquanto entidade viva e que como tal não pode ser destruída, já que está intimamente ligada a muitos outros lugares, animais e pessoas. Foram as múltiplas dimensões da floresta tropical enquanto entidade física, jurídica e cosmológica que justificaram o seu reconhecimento como sujeito de pleno direito pelo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos. Este reconhecimento, que obteve o prémio Equador das Nações Unidas em 2021, vai ao encontro do pensamento do filósofo francês Michel Serres que alerta para a necessidade de os indivíduos reverem o “contrato social primitivo”: só com um Contrato Natural, em que a natureza é considerada um sujeito de direito, haverá um equilíbrio na relação da humanidade com o planeta. Serres entende que a crise socioambiental contemporânea é também uma crise cultural, dado o modo como a cultura ocidental tem pensado e interferido na natureza. Mas como abordar a questão da representatividade e direito da natureza no continente europeu, marcado pelas suas sociedades seculares? 

O primeiro passo da Bauhaus of the Seas Sails é a constituição de assembleias locais a que chamamos Fóruns do Mar. Estas pretendem incluir cidadãos mas também populações não humanas – tais como algas, peixes e crustáceos – nos processos de discussão, criação e decisão. No território português, estas iniciativas focar-se-ão em três áreas fundamentais: uma dieta e gastronomia regenerativas, a literacia oceânica e a investigação em materiais e produtos de origem marinha. 

Um dos parceiros deste consórcio é o Het Nieuwe Instituut de Roterdão, onde se tem desenvolvido o projecto Zoöp, o qual consiste na constituição de assembleias de representantes da natureza. Este visa assegurar que certos elementos naturais fazem ouvir a sua voz, representando-se por meio de pessoas em conselhos de administração e outras estruturas culturais. Pretendemos ampliar a ambição e potencial deste projecto alargando-o aos territórios de instituições académicas, culturais e municipais.  

Através da instituição de Zoöps, e com o auxílio de tecnologias de auscultação e participação, nos Fóruns do Mar procuraremos explorar como pode o design – no seu sentido mais lato – contribuir para o bem-estar da sociedade nas suas dimensões humana e mais que humana. Porque acreditamos que apenas uma abordagem ecossistémica pode dar resposta à interdependência entre seres que caracteriza a complexidade ecológica dos contextos em que vivemos. A começar pelas cidades à beira-mar.

Investigadores no Instituto Superior Técnico / Instituto de Tecnologias Interativas (ITI LARSyS)