O Brasil continua em alta tensão, mesmo tendo Jair Bolsonaro finalmente admitido que tinha perdido as eleições presidenciais. Quanto aos apoiantes de Inácio Lula da Silva há enormes receios após autoridades policiais anunciarem que desmantelaram uma conspiração terrorista, causando que se alterassem os planos para a tomada de posse de Inácio Lula da Silva, marcada para 1 de janeiro. Já no que toca aos bolsonaristas e não só, houve quem ficasse furioso por Lula querer tanto que Nicolás Maduro fosse à sua tomada de posse que ponderou assinar um «decreto-relâmpago» para permitir a sua entrada no país, proibida por Bolsonaro.
Se havia quem receasse quanto à democracia brasileira caso o Governo ficasse nas mãos de Bolsonaro, também há quem receie quanto a ter Lula no poder. Há uma «ameaça judicial à democracia do Brasil», descreveu no Wall Street Journal a colunista Mary Anastasia O’Grady, que se queixou que os onze juízes do Supremo Tribunal estariam a preparar-se para limitar o poder do Congresso Nacional, dominado por conservadores e aliados de Bolsonaro. O’Grady lembrou que estes juízes já tinham revogado a condenação de Lula por corrupção – devido à parcialidade do juiz Sérgio Moro durante a operação Lava Jato – e acusou-os de «ultrapassar a sua jurisdição e contornar o estado de direito por motivos políticos sem consequências».
Umas das mais recentes decisões do Supremo Tribunal, na semana passada, fora de que estabelecer o chamado teto de gastos – que impedida aumentos no orçamento do Estado acima de um determinado valor – estava fora das competências do Congresso Nacional. Isso permitirá a Lula da Silva levar programas sociais mais ambiciosos. E tem revoltado muitos dos centristas e conservadores que apoiaram a sua candidatura por estarem fartos de Bolsonaro, e que exigiam um certo grau de austeridade financeira, como o Armínio Fraga, antigo presidente do Banco Central brasileiro, que se mostrou algo frustrado. «Não me arrependo do meu voto, mas estou preocupado», assumiu, em entrevista ao canal Globo.
Ainda assim o Presidente eleito do Brasil, conhecido pela capacidade negocial para montar coligações, tem mostrado alguma sensibilidade aos centristas e ‘coxinhas’ – a alcunha dos direitistas brasileiros – que o apoiaram. Ou pelo menos mostrou-se disposto a satifazê-los com cargos, anunciando o nome de mais 16 dos seus ministros, fechando os altos cargos do seu Governo com maior presença que o esperado do centro e direita. Contando com dirigentes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Partido Social Democrático (PSD) e o União Brasil, oferecendo três pastas a cada a troco da garantia da governabilidade, segundo o Estado.
Aliás, com os primeiros dois partidos as negociações para a formação de Governo ficaram num impasse até à última hora, sendo as reuniões com o União Brasil um autêntico «drama», descreveu a Valor Econômico. O partido, que não ficou satisfeito com os nomes no novo Executivo, integrou-o mas mantém-se como independente no Congresso Nacional.
Contudo, o Presidente, que não é nenhum novato nas lides políticas, lá se impôs e mesmo estando em minoria no Congresso Nacional conseguiu criar o seu próprio Centrão – ou seja, um grupo parlamente informal de deputados, acusados de cultivar proximidade ao poder Executivo e de trocar votos por favores. Lula soube enterrar velhos rancores, recrutando Gilberto Kassab, líder do PSD, cuja carreira foi marcada por suspeitas de corrupção. Kassab foi ministro de Dilma Roussef, depois apoiou o impeachment da sua chefe, a delfim de Lula, e volta agora ao lado do Partido dos Trabalhadores.
Claro que Lula, apesar de contar com estes apoios, não pode fazer tudo o que lhe apetece sem pensar duas vezes. Foi isso que sucedeu quanto ao convite ao Presidente venezuelano para ir à sua tomada de posse. Lula foi aconselhado pela sua equipa a não o fazer, dado que o custo político seria elevado, avançou a Folha de S. Paulo. O apoio do regime venezuelano é visto como um ativo tóxico para boa parte da sociedade brasieleira.
Mesmo assim, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, um centrista do Partido Socialista Brasileiro (PSB), já desde o início de dezembro que negociava com a Administração Bolsonaro para revogar a proibição de Maduro entrar no Brasil, sem sucesso. A medida tinha sido decretada em 2019, num período conturbado, quando a Venezuela foi palco de protestos e boa parte da comunidade internacional reconheceu Juan Guaidó como Presidente interino.
Se a vontade de receber Maduro preocupou a direita, outros estão muito mais preocupados com as tendências terroristas entre bolsonaristas. Segundo a Polícia Civil do Distrito Federal, George Washington Sousa e Alan Diego Rodrigues planearam explodir pelo menos uma bomba em Brasília, para semear o caos, instalando-a num camião carregado de querosene deixado próximo do Aeroporto Internacional de Brasília. Foram apreendidas ainda diversas armas, incluindo carabinas, espingardas pistolas e centenas de munições.
Os dois suspeitos viviam em dois estados distantes, a mais de 1300 km um do outro, e cruzaram-se nos acampamentos bolsonaristas, avançou a BBC Brasil. Estes acampamentos diante de quarteís das Forças Armadas, exigindo um golpe militar, tornaram-se «incubadoras de terroristas», declarou o futuro ministro da Justiça e Segurança Público, Flávio Dino.
Não espanta que as autoridades estejam em alerta máximo em Brasília entre 31 de dezembro e 1 de janeiro. Todas as forças policiais da capital brasileira vão ser mobilizadas para garantir a segurança da tomada de posse, onde são esperadas umas 300 mil pessoas, mas não o Presidente cessante, que deverá passar a passagem de ano em Orlando, na Florida, de que tanto gosta. E não planeia estar presente quando Lula ficar com o seu posto.