Se o país não é para velhos e não é para jovens, é para quem?


Ao fim de 50 anos de Democracia, além dos ciclos políticos, é consagrar um País que não é para novos nem para velhos, desprovido de uma classe média forte, que vive à espera das migalhas, dos suplementos e do possível. 


Crescemos e vivemos a pairar sobre nós a ambição utópica de querer deixar às gerações futuras um país melhor do que aquele que recebemos. Estamos à beira de andar nisto há 50 anos, em vivência democrática, e, no entanto, a coisa não está fácil. Está mesmo mais próxima do fracasso do que de um qualquer sucesso.

É certo que, em diversos indicadores, não há comparação possível entre o tempo do Estado Novo e a atualidade, mas propusemo-nos a fazer mais do que poucochinho e a realidade, mesmo que confortada com mínimos caritativos, do Estado ou de instituições complementares, não pode ser aceitável.

A pandemia destapou com crueldade a realidade das vivências de boa parte da população sénior, imersa em registos de degradação da dignidade humana, com ausência de respostas para as especificidades geriátricas e sujeita às circunstâncias das dinâmicas das famílias, com ritmos de vida em que, mesmo querendo, é quase impossível conciliar emprego com mais tempo para os mais próximos.

O drama é que se o atual nível de resposta familiar e social não responde a padrões mínimos de conforto, qualidade de vida e acompanhamento da população sénior, como será com o galopante envelhecimento da população e o saldo demográfico negativo?

É que no outro lado da pirâmide, na órbita da premissa da ambição de um legado melhor, o quadro não é mais famoso e quem tem filhos sabe bem do que falamos. É claro que as fronteiras são coisas do passado, as dinâmicas supranacionais são uma evidência e a globalização, mesmo constrangida pela pandemia, continuará a ter o seu pulso incontornável, mas não estamos a legar nada de melhor e não estamos a conseguir fixar os mais jovens, apesar das narrativas políticas, das prioridades verbalizadas sem atração que baste e tudo se desmorona com uma qualquer experiência no exterior em modelos de organização, de funcionamento e de oportunidades muito diferentes da oferta nacional.

A conversa da geração mais qualificada de sempre contrasta com uma realidade em que a criação de oportunidades tem de estar muito mais além dos enquadramentos partidários, das redes de exercitação de cunha ou de outras distorções do nosso modelo de organização e de funcionamento. Se somos bons lá fora, porque não somos ainda melhores em Portugal.

Com tanto conformismo e configuração às realidades mundanas do país, ao quotidiano das sobrevivências e à expiação dos mínimos na construção do tal legado, já nem damos conta com os sobressaltos noticiosos. O País está a perder até a capacidade de se indignar, de querer ir mais além das migalhas que brotam e dos quadros de referência que uma maioria absoluta permite, ainda que nivelando por baixo. Pouco é melhor que nada, mas bom, bom, era outra coisa.

Era não termos 20% de jovens entre os 15 e os 39 anos a viverem fora do país, como enuncia um estudo do Professor Rui Pena Pires, do ISCTE-IUL, que fez manchete do Público por estes dias com indiferença generalizada. Um país que não tem gente, pode conviver alegremente com a perda de 80 mil cidadãos por ano, excluindo o tempo da pandemia?

Podemos dar-nos ao luxo desse perda de energia, qualificação e capacidade de trabalho, por razões económicas, falta de oportunidades compatíveis com bons padrões de vida e insuficiente incentivo à geração de sonho, de esperança e de utopia? O estudo evidencia que cerca de 70% dos portugueses que foram trabalhar e viver para o exterior nos últimos anos têm entre 15 e 39 anos, em termos gerais, 20% dos jovens vivem no exterior e 20% das crianças com nacionalidade portuguesa nasceram no estrangeiro.

Alguns dirão que é uma dinâmica positiva, de cosmopolitismo, fruto de programas como o Erasmus que rasga horizontes, de uma maior consciência das oportunidades existentes noutras paragens, mas, em boa parte, é só conversa para encanar a perna à rã. O que estamos a construir não atrai, não fixa, nem é sustentável, sobretudo se o patamar de exigência e a intolerância com certas práticas nacionais for mais elevado como acontece com boa parte dos jovens. 

Continuar a achar que só conversa resolve esta falta de capacidade de atração de quem saiu e de fixação de quem ainda cá está, sem alterar o funcionamento da sociedade, os modus operandi e as oportunidades de realização pessoal e profissional é persistir no erro que leva à partida.

Entre o país das garantias totais, do emprego para a vida, e o das incertezas gerais, em que se ignoram as tendências e as dinâmicas, tem de haver capacidade de gerar um meio termo, sustentável, que seja capaz de fixar os que cá estão e conseguir atrair os que já saíram, experienciaram outras realidades e têm condições de vida que o país não lhes proporciona.

Não o conseguir fazer, ao fim de 50 anos de Democracia, além dos ciclos políticos, é consagrar um País que não é para novos nem para velhos, desprovido de uma classe média forte, que vive à espera das migalhas, dos suplementos e do possível. É poucochinho e vai-nos desgraçar. 

NOTAS FINAIS

OS AMANHÃS QUE CANTAM. O amanhã é incerto. O presente é difícil, mas as narrativas políticas e partidárias insistem em trazer para o éter das atenções públicas temas para 2024, 2025 e afins. É o caso das Presidenciais de 2026, da promoção de putativos candidatos a esta distância, quais cenouras para acalentar o quotidiano das pessoas, como se isso fosse tema além dos corredores do poder e dos media. Somos viciados em futurologia, embevecidos com debates que não relevam nada para o dia-a-dia, ao nível do pão e circo dos romanos. É entretê-los. Entre suplementos e distrações, a coisa segue estável.

A INDIFERENÇA POLÍTICA. Confesso que uma das coisas que mais me perturba no atual exercício político é a indiferença perante o concreto, a incapacidade para pegar nas pontas e construir soluções para casos concretos que mexem com emprego, com a vida de pessoas e ativos da economia nacional.

Por exemplo, a ligeireza com que uma TAP capitalizada com dinheiros públicos, alinhada com o governo, manda para o desemprego 120 trabalhadores qualificados para o desemprego e gera uma rota de insolvência para uma empresa como a White Airways, geradora de 800 milhões de euros para o PIB nacional ao longo dos anos. Lembro-me que em governos anteriores do PS não era assim. Havia sempre alguém que dizia não a esta indiferença face ao concreto.

EUFORIAS EUROPEIAS, ZANGAS NACIONAIS. O acordo europeu para uma nova solução de transporte de energia do sul para o centro da Europa, gerou euforias e zangas, com insultos à mistura no plano partidário e político. Os portugueses podem não saber o que é melhor, mas sabem que havia um projeto com financiamento que estava bloqueado e que há agora um acordo, sem financiamento, sem calendário, para ser desenvolvido, com o acordo de Portugal, Espanha e França. Em suma, há uma urgência, há uma solução que paira. A Europa a ser Europa face às necessidades dos povos.

Se o país não é para velhos e não é para jovens, é para quem?


Ao fim de 50 anos de Democracia, além dos ciclos políticos, é consagrar um País que não é para novos nem para velhos, desprovido de uma classe média forte, que vive à espera das migalhas, dos suplementos e do possível. 


Crescemos e vivemos a pairar sobre nós a ambição utópica de querer deixar às gerações futuras um país melhor do que aquele que recebemos. Estamos à beira de andar nisto há 50 anos, em vivência democrática, e, no entanto, a coisa não está fácil. Está mesmo mais próxima do fracasso do que de um qualquer sucesso.

É certo que, em diversos indicadores, não há comparação possível entre o tempo do Estado Novo e a atualidade, mas propusemo-nos a fazer mais do que poucochinho e a realidade, mesmo que confortada com mínimos caritativos, do Estado ou de instituições complementares, não pode ser aceitável.

A pandemia destapou com crueldade a realidade das vivências de boa parte da população sénior, imersa em registos de degradação da dignidade humana, com ausência de respostas para as especificidades geriátricas e sujeita às circunstâncias das dinâmicas das famílias, com ritmos de vida em que, mesmo querendo, é quase impossível conciliar emprego com mais tempo para os mais próximos.

O drama é que se o atual nível de resposta familiar e social não responde a padrões mínimos de conforto, qualidade de vida e acompanhamento da população sénior, como será com o galopante envelhecimento da população e o saldo demográfico negativo?

É que no outro lado da pirâmide, na órbita da premissa da ambição de um legado melhor, o quadro não é mais famoso e quem tem filhos sabe bem do que falamos. É claro que as fronteiras são coisas do passado, as dinâmicas supranacionais são uma evidência e a globalização, mesmo constrangida pela pandemia, continuará a ter o seu pulso incontornável, mas não estamos a legar nada de melhor e não estamos a conseguir fixar os mais jovens, apesar das narrativas políticas, das prioridades verbalizadas sem atração que baste e tudo se desmorona com uma qualquer experiência no exterior em modelos de organização, de funcionamento e de oportunidades muito diferentes da oferta nacional.

A conversa da geração mais qualificada de sempre contrasta com uma realidade em que a criação de oportunidades tem de estar muito mais além dos enquadramentos partidários, das redes de exercitação de cunha ou de outras distorções do nosso modelo de organização e de funcionamento. Se somos bons lá fora, porque não somos ainda melhores em Portugal.

Com tanto conformismo e configuração às realidades mundanas do país, ao quotidiano das sobrevivências e à expiação dos mínimos na construção do tal legado, já nem damos conta com os sobressaltos noticiosos. O País está a perder até a capacidade de se indignar, de querer ir mais além das migalhas que brotam e dos quadros de referência que uma maioria absoluta permite, ainda que nivelando por baixo. Pouco é melhor que nada, mas bom, bom, era outra coisa.

Era não termos 20% de jovens entre os 15 e os 39 anos a viverem fora do país, como enuncia um estudo do Professor Rui Pena Pires, do ISCTE-IUL, que fez manchete do Público por estes dias com indiferença generalizada. Um país que não tem gente, pode conviver alegremente com a perda de 80 mil cidadãos por ano, excluindo o tempo da pandemia?

Podemos dar-nos ao luxo desse perda de energia, qualificação e capacidade de trabalho, por razões económicas, falta de oportunidades compatíveis com bons padrões de vida e insuficiente incentivo à geração de sonho, de esperança e de utopia? O estudo evidencia que cerca de 70% dos portugueses que foram trabalhar e viver para o exterior nos últimos anos têm entre 15 e 39 anos, em termos gerais, 20% dos jovens vivem no exterior e 20% das crianças com nacionalidade portuguesa nasceram no estrangeiro.

Alguns dirão que é uma dinâmica positiva, de cosmopolitismo, fruto de programas como o Erasmus que rasga horizontes, de uma maior consciência das oportunidades existentes noutras paragens, mas, em boa parte, é só conversa para encanar a perna à rã. O que estamos a construir não atrai, não fixa, nem é sustentável, sobretudo se o patamar de exigência e a intolerância com certas práticas nacionais for mais elevado como acontece com boa parte dos jovens. 

Continuar a achar que só conversa resolve esta falta de capacidade de atração de quem saiu e de fixação de quem ainda cá está, sem alterar o funcionamento da sociedade, os modus operandi e as oportunidades de realização pessoal e profissional é persistir no erro que leva à partida.

Entre o país das garantias totais, do emprego para a vida, e o das incertezas gerais, em que se ignoram as tendências e as dinâmicas, tem de haver capacidade de gerar um meio termo, sustentável, que seja capaz de fixar os que cá estão e conseguir atrair os que já saíram, experienciaram outras realidades e têm condições de vida que o país não lhes proporciona.

Não o conseguir fazer, ao fim de 50 anos de Democracia, além dos ciclos políticos, é consagrar um País que não é para novos nem para velhos, desprovido de uma classe média forte, que vive à espera das migalhas, dos suplementos e do possível. É poucochinho e vai-nos desgraçar. 

NOTAS FINAIS

OS AMANHÃS QUE CANTAM. O amanhã é incerto. O presente é difícil, mas as narrativas políticas e partidárias insistem em trazer para o éter das atenções públicas temas para 2024, 2025 e afins. É o caso das Presidenciais de 2026, da promoção de putativos candidatos a esta distância, quais cenouras para acalentar o quotidiano das pessoas, como se isso fosse tema além dos corredores do poder e dos media. Somos viciados em futurologia, embevecidos com debates que não relevam nada para o dia-a-dia, ao nível do pão e circo dos romanos. É entretê-los. Entre suplementos e distrações, a coisa segue estável.

A INDIFERENÇA POLÍTICA. Confesso que uma das coisas que mais me perturba no atual exercício político é a indiferença perante o concreto, a incapacidade para pegar nas pontas e construir soluções para casos concretos que mexem com emprego, com a vida de pessoas e ativos da economia nacional.

Por exemplo, a ligeireza com que uma TAP capitalizada com dinheiros públicos, alinhada com o governo, manda para o desemprego 120 trabalhadores qualificados para o desemprego e gera uma rota de insolvência para uma empresa como a White Airways, geradora de 800 milhões de euros para o PIB nacional ao longo dos anos. Lembro-me que em governos anteriores do PS não era assim. Havia sempre alguém que dizia não a esta indiferença face ao concreto.

EUFORIAS EUROPEIAS, ZANGAS NACIONAIS. O acordo europeu para uma nova solução de transporte de energia do sul para o centro da Europa, gerou euforias e zangas, com insultos à mistura no plano partidário e político. Os portugueses podem não saber o que é melhor, mas sabem que havia um projeto com financiamento que estava bloqueado e que há agora um acordo, sem financiamento, sem calendário, para ser desenvolvido, com o acordo de Portugal, Espanha e França. Em suma, há uma urgência, há uma solução que paira. A Europa a ser Europa face às necessidades dos povos.