Drama do fim de um tempo


De que servirá o poder se não for verdadeiramente para contrariar as dinâmicas negativas e lançar sementes para um sentido afirmativo do futuro, naturalmente com riscos e imprevistos? 


Olhamos em redor e mais além, sem deixar de percecionar uma espécie de fim de um tempo, pontuado pelo desaparecimento de figuras que povoaram as nossas vivências, de Gorbachev à Rainha Isabel II, numa voragem de desequilíbrios, disfunções e incertezas em que alguns persistem nas receitas da habilidade política, ilusionismo e facilitismo de sempre para responder às complexidades das sociedades modernas.

De que servirá o poder se não for verdadeiramente para contrariar as dinâmicas negativas e lançar sementes para um sentido afirmativo do futuro, naturalmente com riscos e imprevistos? O poder tem de significar transformação positiva, não configuração a interesses particulares, manutenção de equilíbrios eleitorais ou outras visões poucochinhas, sem rasgo nem sentido de futuro para todos, em todos os pontos do território nacional.

De que valerá gerar expectativas e perceções suscetíveis de serem contrariadas pela realidade dos factos, além das narrativas políticas construídas, enquanto se projetam as pessoas para uma vivência em que a alternativa às incertezas é apenas a vivência do presente, sem perspetivas de futuro, ou sujeitas à recorrente montanha-russa dos recursos, entre o ter e o não ter, em que os portugueses têm sido enleados nas últimas décadas?

A invés da teoria do fim da história, de Hegel a Fukuyama, não há aqui nenhum ponto de equilíbrio positivo, nenhum virtuosismo decorrente do liberalismo ou da democracia. O Presidente francês falava do fim da era da abundância, mas do que se trata verdadeiramente é do claudicar perante as dinâmicas negativas para gerar uma época das incertezas, de opções sem explicação e de gestão sem capacidade de concretização, sem mínimos de previsibilidade para as pessoas e as comunidades. É um reconhecimento da impotência para responder em tempo útil às contrariedades, a par de exercícios de prepotência no desenvolvimento dos processos políticos, seja no tempo de substituição de membros do governo ou no momento temporal da apresentação de medidas de mitigação dos impactos da guerra e da inflação. Há demasiadas cartas escondidas para a clareza linear das dificuldades dos quotidianos. O mundo mudou, os processos políticos não.

Num ápice, passámos da ambição do emprego para a vida para a volatilidade total nas diversas variantes das nossas vidas, no que depende de cada, no que resulta das convergências comunitárias, no Estado e nas relações internacionais.

Em anos, apesar dos aumentos dos salários mínimos nacionais, aproximamos a classe média dos patamares mais baixos, numa insustentável proximidade por baixo que caracteriza a realidade de quem começou agora a trabalhar e de quem tem longas carreiras contributivas. Em décadas, transformámos os remediados em fustigados pela carga fiscal enquanto se afirmam as contabilidades criativas de quem mais ganha e dos que lucram com o funcionamento do mercado, as opções políticas e as insuficiências do Estado, na sua ânsia de acorrer a tudo em vez de ser eficaz no que combate a desigualdade e gera coesão e oportunidades, em todo o território nacional.

Viver o fim de um tempo é o normal no devir da história, mas custa constatar tanta incapacidade para perceber o modo e a circunstância.

Uma maioria absoluta em que não há uma visão estratégica integrada, em que a coordenação política é um logro, em que os protagonistas estão mais focados nas agendas pessoais e na marcação aos outros do que na gestão global do país, em que não se desenleiam das teias da burocracia e das quintinhas para afirmar uma capacidade concretizadora. Sendo certo que a conjuntura continua a ter variantes que não são controláveis, tudo isto é um desbaratar de oportunidade política especial, sem desculpas.

Uma presidência da República prolixa no comentário, mas sem filtro para perceber as teias implacáveis da banalização, da hiperatividade insana e do aproveitamento político da sua presença para fins particulares como aconteceu recentemente na Universidade de Verão do PSD ou nas Comemorações da Independência do Brasil.
Um quadro político partidário, social e sindical sem capacidade de gerar convergência e compromisso para a ação positiva e transformadora, com noção das disponibilidades, das incertezas e de uma ambição para o país.

Enleados no verdadeiro poucochinho, tudo acaba por ser cotado por baixo. A ambição, as, referências, a prática e os resultados. O drama do fim de um tempo é a reconfiguração por baixo, de quem decide e de quem se conforma, ambos entregues à lei das circunstâncias, sem vontade de exigir mais e transformar. É o triunfo do turno, com atenuantes e desculpas. Gratos pelo que temos, no limiar da graça divina, ao invés da divisa da Região Autónoma dos Açores, “Antes morrer livres que em paz sujeitos”.

NOTAS FINAIS

ATAQUES INFORMÁTICOS DE GEOMETRIA VARIÁVEL. Custa que em matéria de valores e princípios, existam os de primeira e os de segunda. Este jornal, este grupo de comunicação social, foi alvo de mais um ataque informático, que o impediu de exercitar a liberdade de imprensa e o direito a informar. É miserável que esse ataque ao Estado de Direito Democrático tenha sido pouco mais do que um rodapé na consideração de outros meios, de comentadores e afins. Continuamos na senda de Brecht, primeiro vão estes, algum dia irão todos, será tarde para reagir com coerência e sentido comunitário.

O PACOTE QUAL PACOTE. A ânsia do regresso à normalidade e o subsídio de férias, para os que têm, mascara a realidade, mas não ilude o encaixe de receitas fiscais com os combustíveis, a inflação e o turismo. Há incertezas e variantes, mas esta coisa de segmentação dos pacotes e de desculpas esfarrapadas – a espera pela reunião do conselho europeu, na linha bom aluno, tão criticada no passado – só alimenta a ideia de bodo aos pobres. Primeiro, as pessoas e as famílias, depois as empresas. O pássaro na mão pode fazer demasiadas vítimas futuras.

MARCELO DE FIGURANTE. A bandalheira em que o atual Presidente do Brasil transformou uma cerimónia oficial com a presença do homólogo português envergonha qualquer ser civilizado. Não há história ou relação entre povos que não precise de valores e princípios. Há coisas que já não conseguimos reescrever, mas sobre o presente e o futuro terá de ser esse o caminho. Marcelo presta-se a tudo e a ser figurante, num miserável espetáculo. E já agora, começa a irritar a xenofobia gritante de alguns espécimes treinadores brasileiros em relação aos treinadores portugueses no Brasil.

É MISERÁVEL O QUE SE PASSOU EM FAMALICÃO. Obrigar uma criança a despir uma camisola do seu clube e a assistir um jogo de tronco nu é miserável e traumático. Não tem desculpa nem perdão. Exige-se intervenção dos poderes públicos e da gente do futebol, que o quer valorizar e um espetáculo seguro e das famílias. 

Escreve à segunda-feira 

Drama do fim de um tempo


De que servirá o poder se não for verdadeiramente para contrariar as dinâmicas negativas e lançar sementes para um sentido afirmativo do futuro, naturalmente com riscos e imprevistos? 


Olhamos em redor e mais além, sem deixar de percecionar uma espécie de fim de um tempo, pontuado pelo desaparecimento de figuras que povoaram as nossas vivências, de Gorbachev à Rainha Isabel II, numa voragem de desequilíbrios, disfunções e incertezas em que alguns persistem nas receitas da habilidade política, ilusionismo e facilitismo de sempre para responder às complexidades das sociedades modernas.

De que servirá o poder se não for verdadeiramente para contrariar as dinâmicas negativas e lançar sementes para um sentido afirmativo do futuro, naturalmente com riscos e imprevistos? O poder tem de significar transformação positiva, não configuração a interesses particulares, manutenção de equilíbrios eleitorais ou outras visões poucochinhas, sem rasgo nem sentido de futuro para todos, em todos os pontos do território nacional.

De que valerá gerar expectativas e perceções suscetíveis de serem contrariadas pela realidade dos factos, além das narrativas políticas construídas, enquanto se projetam as pessoas para uma vivência em que a alternativa às incertezas é apenas a vivência do presente, sem perspetivas de futuro, ou sujeitas à recorrente montanha-russa dos recursos, entre o ter e o não ter, em que os portugueses têm sido enleados nas últimas décadas?

A invés da teoria do fim da história, de Hegel a Fukuyama, não há aqui nenhum ponto de equilíbrio positivo, nenhum virtuosismo decorrente do liberalismo ou da democracia. O Presidente francês falava do fim da era da abundância, mas do que se trata verdadeiramente é do claudicar perante as dinâmicas negativas para gerar uma época das incertezas, de opções sem explicação e de gestão sem capacidade de concretização, sem mínimos de previsibilidade para as pessoas e as comunidades. É um reconhecimento da impotência para responder em tempo útil às contrariedades, a par de exercícios de prepotência no desenvolvimento dos processos políticos, seja no tempo de substituição de membros do governo ou no momento temporal da apresentação de medidas de mitigação dos impactos da guerra e da inflação. Há demasiadas cartas escondidas para a clareza linear das dificuldades dos quotidianos. O mundo mudou, os processos políticos não.

Num ápice, passámos da ambição do emprego para a vida para a volatilidade total nas diversas variantes das nossas vidas, no que depende de cada, no que resulta das convergências comunitárias, no Estado e nas relações internacionais.

Em anos, apesar dos aumentos dos salários mínimos nacionais, aproximamos a classe média dos patamares mais baixos, numa insustentável proximidade por baixo que caracteriza a realidade de quem começou agora a trabalhar e de quem tem longas carreiras contributivas. Em décadas, transformámos os remediados em fustigados pela carga fiscal enquanto se afirmam as contabilidades criativas de quem mais ganha e dos que lucram com o funcionamento do mercado, as opções políticas e as insuficiências do Estado, na sua ânsia de acorrer a tudo em vez de ser eficaz no que combate a desigualdade e gera coesão e oportunidades, em todo o território nacional.

Viver o fim de um tempo é o normal no devir da história, mas custa constatar tanta incapacidade para perceber o modo e a circunstância.

Uma maioria absoluta em que não há uma visão estratégica integrada, em que a coordenação política é um logro, em que os protagonistas estão mais focados nas agendas pessoais e na marcação aos outros do que na gestão global do país, em que não se desenleiam das teias da burocracia e das quintinhas para afirmar uma capacidade concretizadora. Sendo certo que a conjuntura continua a ter variantes que não são controláveis, tudo isto é um desbaratar de oportunidade política especial, sem desculpas.

Uma presidência da República prolixa no comentário, mas sem filtro para perceber as teias implacáveis da banalização, da hiperatividade insana e do aproveitamento político da sua presença para fins particulares como aconteceu recentemente na Universidade de Verão do PSD ou nas Comemorações da Independência do Brasil.
Um quadro político partidário, social e sindical sem capacidade de gerar convergência e compromisso para a ação positiva e transformadora, com noção das disponibilidades, das incertezas e de uma ambição para o país.

Enleados no verdadeiro poucochinho, tudo acaba por ser cotado por baixo. A ambição, as, referências, a prática e os resultados. O drama do fim de um tempo é a reconfiguração por baixo, de quem decide e de quem se conforma, ambos entregues à lei das circunstâncias, sem vontade de exigir mais e transformar. É o triunfo do turno, com atenuantes e desculpas. Gratos pelo que temos, no limiar da graça divina, ao invés da divisa da Região Autónoma dos Açores, “Antes morrer livres que em paz sujeitos”.

NOTAS FINAIS

ATAQUES INFORMÁTICOS DE GEOMETRIA VARIÁVEL. Custa que em matéria de valores e princípios, existam os de primeira e os de segunda. Este jornal, este grupo de comunicação social, foi alvo de mais um ataque informático, que o impediu de exercitar a liberdade de imprensa e o direito a informar. É miserável que esse ataque ao Estado de Direito Democrático tenha sido pouco mais do que um rodapé na consideração de outros meios, de comentadores e afins. Continuamos na senda de Brecht, primeiro vão estes, algum dia irão todos, será tarde para reagir com coerência e sentido comunitário.

O PACOTE QUAL PACOTE. A ânsia do regresso à normalidade e o subsídio de férias, para os que têm, mascara a realidade, mas não ilude o encaixe de receitas fiscais com os combustíveis, a inflação e o turismo. Há incertezas e variantes, mas esta coisa de segmentação dos pacotes e de desculpas esfarrapadas – a espera pela reunião do conselho europeu, na linha bom aluno, tão criticada no passado – só alimenta a ideia de bodo aos pobres. Primeiro, as pessoas e as famílias, depois as empresas. O pássaro na mão pode fazer demasiadas vítimas futuras.

MARCELO DE FIGURANTE. A bandalheira em que o atual Presidente do Brasil transformou uma cerimónia oficial com a presença do homólogo português envergonha qualquer ser civilizado. Não há história ou relação entre povos que não precise de valores e princípios. Há coisas que já não conseguimos reescrever, mas sobre o presente e o futuro terá de ser esse o caminho. Marcelo presta-se a tudo e a ser figurante, num miserável espetáculo. E já agora, começa a irritar a xenofobia gritante de alguns espécimes treinadores brasileiros em relação aos treinadores portugueses no Brasil.

É MISERÁVEL O QUE SE PASSOU EM FAMALICÃO. Obrigar uma criança a despir uma camisola do seu clube e a assistir um jogo de tronco nu é miserável e traumático. Não tem desculpa nem perdão. Exige-se intervenção dos poderes públicos e da gente do futebol, que o quer valorizar e um espetáculo seguro e das famílias. 

Escreve à segunda-feira