Uma questão de indumentária

Uma questão de indumentária


Matar um herói como Spirou, num ano em que a editora completa o primeiro centenário, será porventura chocante o suficiente para chamar a atenção, após o atordoamento infligido pelo brilhante Bravo; mas não é certamente suficiente. O Super-Homem morreu há 30 anos, ressuscitou e parece que morre outra vez, neste enorme bocejo que as majors…


La Mort de Spirou é o título do próximo díptico consagrado ao famoso groom de Bruxelas, cujo primeiro tomo está prestes a sair na belga e centenária editora Dupuis, e sobre o qual muito haverá a dizer, após a leitura, evidentemente.

Com argumento de uma dupla estreante nos meandros da personagem, Benjamin Abitan e Sophie Guerrive, e desenhos Olivier Schwartz, autor já com alguns trabalhos publicados na coleção paralela “Le Spirou de…”, sempre sobre textos de Yann, a série principal retoma fôlego depois do recente tour de force de Émile Bravo com os quatro tomos de L’Espoir malgré Tout – um Spirou tão de carne e osso, que é do outro mundo – ainda, muito vívido na memória dos leitores.

Matar um herói como Spirou, num ano em que a editora completa o primeiro centenário, será porventura chocante o suficiente para chamar a atenção, após o atordoamento infligido pelo brilhante Bravo; mas não é certamente suficiente. O Super-Homem morreu há 30 anos, ressuscitou e parece que morre outra vez, neste enorme bocejo que as majors dos comics provocam, sempre à cata do metal vil, que outra coisa não as move.

No entanto, Guerrive e Abitan queriam fazer melhor (ou pior…): modernizar a indumentária de Spirou, de acordo com o que revelaram à Cazenave de julho-agosto. Schwartz, porém, cortou com as veleidades dos arrivistas, por razões de peso, julgo eu: a primeira foi a de ele já ter começado o trabalho, depois de as luminárias terem aparecido com a sugestão; a segunda, arrisco, terá sido a de Schwartz ser Schwartz, um peso pesado que evolui no campo tanto da “linha clara” como da “Escola de Marcinelle”, dialogando com os legados de Hergé e de Franquin.

Os recém-chegados argumentistas meteram a viola no saco. Guerrive desdramatiza: “Hoje em dia, ninguém sabe o que é um groom, pelo que trata-se assim, antes de mais, do uniforme de Spirou.” Nem de propósito: para Schwartz, em depoimento à mesma revista, o verdadeiro Mickey é o de calções, tal como para alguns puristas – não que seja o seu caso – o único jazz verdadeiro é o de Nova Orleães.

O Homem-Aranha de uniforme negro não convenceu ninguém, nem o Aquaman modernaço de bigode e pera; e se aceitámos que o Flash tenha trocado o capacete alado à Dom Quixote e uma espécie de fato de treino por um ridículo fato de licra justa e máscara (mudando também as identidades secretas), é porque os super-heróis são como as cartas de amor do Fernando Pessoa, se não fossem ridículos, não seriam super-heróis. Popeye sem outra vestimenta que não a de marinheiro? Blow me down!…