Portugal, país inviável?


Deixamos a natalidade ser comprimida a mínimos enquanto assistimos a recordes de mortalidade como se a equação da demografia não fosse uma das mais relevantes para uma comunidade.


A solidez histórica da consolidação das fronteiras terrestres poderia ser motivo que baste para que nos concentrássemos em cuidar no que cá está, as pessoas e o território, mas não. Como em tantas áreas dos nossos quotidianos parece que queremos ter só para ter, a famosa lógica das quintinhas que alimenta bloqueios, burocracias e pequenos poderes.

Portugal tem potencial, já teve gesta descobridora e tem quem queira fazer, mais e melhor, mas há sempre um mas.

Desde logo, submersos numa lógica imediata de sobrevivência, de desenrasca, ignoramos as dinâmicas e as tendências que constroem a insustentabilidade.

Deixamos o Interior esvair-se de gente, entre a que saiu e a que morre, como se as dinâmicas de ocupação dos territórios, não fossem importantes para a coesão territorial e para a prevenção de expressões negativas da desertificação como os incêndios assentes nos terrenos abandonados e na floresta desordenada e descuidada, incluindo a da responsabilidade do Estado.

Deixamos a natalidade ser comprimida a mínimos enquanto assistimos a recordes de mortalidade como se a equação da demografia não fosse uma das mais relevantes para uma comunidade instalada num determinado território, com identidade, soberania e partilha de destinos. A displicência com que se registam números recordes de mortalidade, revela não apenas a mesma indiferença em relação ao nascimento, presente na ligeireza com que não se incentiva a natalidade ou se trata os problemas nos serviços de obstetrícia dos hospitais, mas uma incapacidade estrutural para estar atentos às tendências.

Nem respondemos adequadamente aos desafios do envelhecimento e da morte, nem aos dos nascimentos. É estratégico para o país tratar do nascimento, é imperativo de humanismo tratar do envelhecimento. Falamos em ambos e não devemos como comunidade com ânsias de desenvolvimento, de modernidade e de avanços civilizacionais, quantas vezes em matérias marginais em relação ao interesse geral.

Com tanto especialista, tantos algoritmos e uma profusão de comentadores de tudo e de coisa nenhuma, não há ninguém que cuide das dinâmicas e das tendências? Que trate de alertar e de impor à gestão do país e das comunidades que há mais realidade do que responder ao dia-a-dia, safar-se da polémica da manhã ou do enleio do interesse particular da tarde? Teremos de viver com governantes e políticos da oposição que reiteram intenções do passado, enunciam propostas de circunstâncias sem nexo com a realidade e a cada problema anunciam a criação de grupos de trabalho?

Não há ninguém que tenha uma visão integrada para o país, que antecipe, que aponte o caminho, com capacidade de concretização, de fazer e fazer bem.

O Portugal de outros tempos, do fado e de Fátima, construiu uma narrativa de fatalismo, do destino que se abatia sobre nós. O Portugal de hoje não precisa desse fatalismo, mas parece quem se conformando com o quotidiano, com a sobrevivência política da superação do dia presente, se entregue numa espécie de gestão que não cuida dos nascimentos, não cuida do envelhecimento e dos seus impactos, votando, o entretanto, da vida a mínimos. Não tem de ser assim.

A nossa história, identidade e os pressupostos como comunidade integrada num território serão sempre uma importante âncora para a sustentabilidade como nação, mas precisamos de fazer mais na demografia (vida e morte) e no curso da vida. Não é possível continuar a assistir a uma indiferença coletiva em relação à natalidade, ao envelhecimento e à morte, como se quem tem poder não o soubesse utilizar para o interesse comum. E este não é apenas um problema dos políticos, é também dos cidadãos e dos media imbuídos em diversos tipos de complacências, ora a troco de umas benesses de quem governa, ora mais focados no surfar da crista da onda dos públicos, agora complementada pelas efervescências das redes sociais.

Segundo a Pordata, Portugal é país da União Europeia onde o índice de envelhecimento (o rácio entre o grupo dos mais velhos – a partir dos 65 anos – e o dos mais novos – 0 a 14 anos) tem crescido com maior rapidez nos últimos anos.

Ter uma gestão de turno, incapaz de ir além da espuma dos dias e da sobrevivência política, não tem de ser uma fatalidade. Portugal dispõe de estabilidade política, de uma maioria absoluta, que lhe permite definir uma visão realista e integrada para começar a responder aos problemas estruturais, aos desafios do quotidiano marcado ainda pela pandemia e pela guerra e ao que queremos para o nosso futuro, com compromisso, capacidade de concretização e sentido de explicação, escrutínio e avaliação das opções políticas. Não o fazer é ter poder e não o utilizar, logo agora que existem alguns recursos financeiros do PRR e do Portugal 2030.

Portugal é viável, este modelo de governação e a sua capacidade de concretização não.

Notas finais

A cultura das escusas de responsabilidade. Há uma pandemia de escusas de responsabilidade em curso. Há muito que alguns políticos escusam as responsabilidades, mas a onda de contágio a outras profissões é preocupante. É certo que o primeiro-ministro já elaborou sobre assunção das responsabilidades políticas plasmando doutrina de que assumir é resolver os problemas ou situações. Se assim é, que se resolvam as causas de tanta escusa de responsabilidade sob pena de um dia destes os cidadãos contribuintes também invocarem o instrumento para não suportarem a carga fiscal a que estão sujeitos. Nesta coisa de viver em sociedade, os exemplos negativos vindos de cima são quase sempre demasiado perigosos. “Não sei” e “Não me lembro” são cada vez mais instituições nacionais e mal.

Marcelo partidário. O desnorte em relação ao poder que se tem parece ter uma dimensão transversal. O Presidente da República, amuado com o despeito da maioria absoluta, reage com atos que remetem o apoio da Autoeuropa para o início da linha de montagem. Encontra-se, por acaso com o agraciado líder do PSD nas Festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, e participa de algum modo na Universidade de Verão do PSD, repetido 2018, conforme foi divulgado para justificar o ato. Invocando o precedente para fundar a ação presente, cresce a expectativa de que Marcelo Rebelo de Sousa repita 2015 e vá à Festa do Avante.

Como se não houvesse amanhã. Os constrangimentos da pandemia e as incertezas em relação ao futuro estão a construir um registo de intensidade de alguns quotidianos como se não houvesse amanhã. A ânsia de recuperar o tempo perdidos de adolescentes e jovens adultos deve ser acompanhado por se poder constituir em dinâmica social com impactos estruturais individuais e comunitários.

Portugal, país inviável?


Deixamos a natalidade ser comprimida a mínimos enquanto assistimos a recordes de mortalidade como se a equação da demografia não fosse uma das mais relevantes para uma comunidade.


A solidez histórica da consolidação das fronteiras terrestres poderia ser motivo que baste para que nos concentrássemos em cuidar no que cá está, as pessoas e o território, mas não. Como em tantas áreas dos nossos quotidianos parece que queremos ter só para ter, a famosa lógica das quintinhas que alimenta bloqueios, burocracias e pequenos poderes.

Portugal tem potencial, já teve gesta descobridora e tem quem queira fazer, mais e melhor, mas há sempre um mas.

Desde logo, submersos numa lógica imediata de sobrevivência, de desenrasca, ignoramos as dinâmicas e as tendências que constroem a insustentabilidade.

Deixamos o Interior esvair-se de gente, entre a que saiu e a que morre, como se as dinâmicas de ocupação dos territórios, não fossem importantes para a coesão territorial e para a prevenção de expressões negativas da desertificação como os incêndios assentes nos terrenos abandonados e na floresta desordenada e descuidada, incluindo a da responsabilidade do Estado.

Deixamos a natalidade ser comprimida a mínimos enquanto assistimos a recordes de mortalidade como se a equação da demografia não fosse uma das mais relevantes para uma comunidade instalada num determinado território, com identidade, soberania e partilha de destinos. A displicência com que se registam números recordes de mortalidade, revela não apenas a mesma indiferença em relação ao nascimento, presente na ligeireza com que não se incentiva a natalidade ou se trata os problemas nos serviços de obstetrícia dos hospitais, mas uma incapacidade estrutural para estar atentos às tendências.

Nem respondemos adequadamente aos desafios do envelhecimento e da morte, nem aos dos nascimentos. É estratégico para o país tratar do nascimento, é imperativo de humanismo tratar do envelhecimento. Falamos em ambos e não devemos como comunidade com ânsias de desenvolvimento, de modernidade e de avanços civilizacionais, quantas vezes em matérias marginais em relação ao interesse geral.

Com tanto especialista, tantos algoritmos e uma profusão de comentadores de tudo e de coisa nenhuma, não há ninguém que cuide das dinâmicas e das tendências? Que trate de alertar e de impor à gestão do país e das comunidades que há mais realidade do que responder ao dia-a-dia, safar-se da polémica da manhã ou do enleio do interesse particular da tarde? Teremos de viver com governantes e políticos da oposição que reiteram intenções do passado, enunciam propostas de circunstâncias sem nexo com a realidade e a cada problema anunciam a criação de grupos de trabalho?

Não há ninguém que tenha uma visão integrada para o país, que antecipe, que aponte o caminho, com capacidade de concretização, de fazer e fazer bem.

O Portugal de outros tempos, do fado e de Fátima, construiu uma narrativa de fatalismo, do destino que se abatia sobre nós. O Portugal de hoje não precisa desse fatalismo, mas parece quem se conformando com o quotidiano, com a sobrevivência política da superação do dia presente, se entregue numa espécie de gestão que não cuida dos nascimentos, não cuida do envelhecimento e dos seus impactos, votando, o entretanto, da vida a mínimos. Não tem de ser assim.

A nossa história, identidade e os pressupostos como comunidade integrada num território serão sempre uma importante âncora para a sustentabilidade como nação, mas precisamos de fazer mais na demografia (vida e morte) e no curso da vida. Não é possível continuar a assistir a uma indiferença coletiva em relação à natalidade, ao envelhecimento e à morte, como se quem tem poder não o soubesse utilizar para o interesse comum. E este não é apenas um problema dos políticos, é também dos cidadãos e dos media imbuídos em diversos tipos de complacências, ora a troco de umas benesses de quem governa, ora mais focados no surfar da crista da onda dos públicos, agora complementada pelas efervescências das redes sociais.

Segundo a Pordata, Portugal é país da União Europeia onde o índice de envelhecimento (o rácio entre o grupo dos mais velhos – a partir dos 65 anos – e o dos mais novos – 0 a 14 anos) tem crescido com maior rapidez nos últimos anos.

Ter uma gestão de turno, incapaz de ir além da espuma dos dias e da sobrevivência política, não tem de ser uma fatalidade. Portugal dispõe de estabilidade política, de uma maioria absoluta, que lhe permite definir uma visão realista e integrada para começar a responder aos problemas estruturais, aos desafios do quotidiano marcado ainda pela pandemia e pela guerra e ao que queremos para o nosso futuro, com compromisso, capacidade de concretização e sentido de explicação, escrutínio e avaliação das opções políticas. Não o fazer é ter poder e não o utilizar, logo agora que existem alguns recursos financeiros do PRR e do Portugal 2030.

Portugal é viável, este modelo de governação e a sua capacidade de concretização não.

Notas finais

A cultura das escusas de responsabilidade. Há uma pandemia de escusas de responsabilidade em curso. Há muito que alguns políticos escusam as responsabilidades, mas a onda de contágio a outras profissões é preocupante. É certo que o primeiro-ministro já elaborou sobre assunção das responsabilidades políticas plasmando doutrina de que assumir é resolver os problemas ou situações. Se assim é, que se resolvam as causas de tanta escusa de responsabilidade sob pena de um dia destes os cidadãos contribuintes também invocarem o instrumento para não suportarem a carga fiscal a que estão sujeitos. Nesta coisa de viver em sociedade, os exemplos negativos vindos de cima são quase sempre demasiado perigosos. “Não sei” e “Não me lembro” são cada vez mais instituições nacionais e mal.

Marcelo partidário. O desnorte em relação ao poder que se tem parece ter uma dimensão transversal. O Presidente da República, amuado com o despeito da maioria absoluta, reage com atos que remetem o apoio da Autoeuropa para o início da linha de montagem. Encontra-se, por acaso com o agraciado líder do PSD nas Festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, e participa de algum modo na Universidade de Verão do PSD, repetido 2018, conforme foi divulgado para justificar o ato. Invocando o precedente para fundar a ação presente, cresce a expectativa de que Marcelo Rebelo de Sousa repita 2015 e vá à Festa do Avante.

Como se não houvesse amanhã. Os constrangimentos da pandemia e as incertezas em relação ao futuro estão a construir um registo de intensidade de alguns quotidianos como se não houvesse amanhã. A ânsia de recuperar o tempo perdidos de adolescentes e jovens adultos deve ser acompanhado por se poder constituir em dinâmica social com impactos estruturais individuais e comunitários.