O pardal é um pássaro tão, tão livre que ninguém o fecha em gaiolas. Quero dizer, pelo menos não me lembro de gente com um pardal fechado numa gaiola, dependurada do lado de fora da varanda, ou como acontece com a minha vizinha Sónia, que tem um café chamado O Sonho, aqui na Rua Rui Salema, na parede ao lado da porta, com um canário lá dentro, um bichinho de tal modo amarelo que parece que engoliu um raio de sol. Dantes tinha também um branco, noutra gaiola, do lado direito de quem entrava, provavelmente albino. Não o tenho visto. Os canários são aves mais canoras e mais submissas. Aceitam a gaiola como um destino. Os pardais são mais espalhafatosos e não tão afinados, acham que o seu lugar é em toda a parte. Na minha varanda, por exemplo, onde lhes deixo o arroz Cigala que defendem com a autoridade de proprietários deixando ao longe as andorinhas que nem sequer se aproximam. Era ainda muito pequeno, vivia em Barcelos, e aprendi uma música que começava: “Sabiá na gaiola/Fez um buraquinho/Voou, voou, voou/E a menina que gostava/Tanto tanto do bichinho/Chorou, chorou, chorou”. Agora sei que quem compôs a canção foi Mário Vieira e quem a cantou foi Hervê Cordovil, no início dos anos-50. Quando a ouvi pela primeira vez, confesso que fiquei do lado da menina que chorou. Coisas próprias da infância, acho eu, uma certa piedade pela garotinha. Gostamos dos bichinhos presos para nosso tão grande egoísmo. Mas, depois, tudo mudava: “Sabiá no poleiro/Foi cantar ao carapeteiro/E a menina pôs-se a chamar/Sabiá vem cá/Sabiá vem cá”. Durante muito tempo estive-me nas tintas para o que era um carapeteiro até saber que tinha um, no jardim dos meus avós, em Águeda, na Casa de São Bernardo. Com o tempo, pensei: “Que se quilhe a miúda!” Passei a ser solidário com os pássaros. Que eu saiba, até agora, o sabiá não voltou. Já os meus pardais, que vivem soltos, voltam sempre. São muito humanos nesse aspeto. Como dizia O’Neil: “Entre uma refeição e a outra, pensam na próxima”.