Portugal é, por estes dias, o centro do debate mundial em torno dos Oceanos.
Um papel que assenta muito bem ao nosso país. O desafio é que ele deixe de ser esporádico e passe a ser permanente.
Não precisamos de inventar a roda. Há vinte anos, um grande português, um visionário, propôs a criação do hiper-cluster do Mar como veículo para Portugal se afirmar no mundo criando novas cadeias de valor assentes na proteção e conservação dos Oceanos. Falo de Hernâni Lopes, um nome que devemos lembrar para que Portugal não perca outros 20 anos para voltar ao Atlântico.
É que temos todas as razões e mais algumas para fazer este caminho de regresso aos Oceanos.
Em primeiro lugar, o imperativo moral. Os oceanos dão-nos oxigénio, comida, energia, transporte, uma infindável cadeia de recursos. Mar é vida. Em sentido contrário nós, os humanos, retribuímos com poluição, lixo, pesca descontrolada. Morte.
Nenhuma relação sobrevive a tal amoralidade.
Não podemos continuar a viver pilhando os Oceanos de todas as suas riquezas e enviando para o fundo do mar tudo o que desprezamos.
A boa noticia é que o engenho humano responsável pela debilidade da vida marinha também nos vai ajudar a recuperar os nossos Oceanos.
Conservação. Proteção. Regeneração. As iniciais CPR – que em inglês significam manobras de reanimação cardiorrespiratória – são uma metáfora para a emergência que enfrentamos nos oceanos.
A convocatória para agirmos tem um peso também biológico. Como Darwin explicou, todos nós – pessoas e animais – temos uma ligação ao mar. Corre no nosso sangue, nas nossas veias, a exata percentagem de sal que existe no oceano.
Esta constitui a mais forte de todas as ligações.
O regresso ao Mar é, no fundo, o regresso à casa que nunca deveríamos ter descuidado.
Em terceiro lugar, há um imperativo de aperfeiçoamento humano. O Homem já escalou o Evereste milhares de vezes, foi à Lua uma dezena de vezes. Mas, e ao fundo do mar? Só por três vezes lá chegámos.
Continuamos a fazer-nos ao espaço em foguetões sem antes termos explorado o potencial dos nossos mares. Como é que podemos continuar a gastar tanto tempo e dinheiro a explorar um lugar a quem chamam “mar de tranquilidade”? As crianças na escola querem ser astronautas. Talvez seja tempo de ambicionarem ser aquanautas.
Em vez de gastarmos biliões no espaço, devemos coletivamente investir no conhecimento dos mares.
Portugal, que é muito maior no mar do que em Terra, tem de liderar esse caminho. Os municípios têm de liderar esse caminho – e já começámos a dar os primeiros passos com Lisboa e Oeiras, numa visão integrada e supramunicipal do Mar.
Cascais, por exemplo, é 100 vezes maior no mar do que em terra. Quer isto quer dizer que se formos capazes de aumentar em apenas 1% a riqueza gerada no Atlântico, estamos a dobrar o PIB que hoje criamos em terra firme. E fazê-lo em áreas de grande alcance para a sociedade: falo de novas descobertas na biologia e geologia marinha, novos recursos na alimentação, na medicina e na cosmética.
Este caminho só é viável se abraçarmos uma exploração responsável dos Oceanos.
Uma interação benigna, simbiótica, apoiada na ciência, que reconheça as leis da vida e da natureza, e obedeça a mecanismos de compliance sob a égide da ONU, que nos afaste das práticas predatórias culpadas pelo desastre ambiental que hoje conhecemos nas nossas florestas e nos nossos mares.
Cascais tem, à sua escala, autoridade para defender esse regresso ao mar.
É o único concelho em Portugal que tem uma Área Marinha Protegida Local.
Estamos a transformar lixo marinho recolhido por pescadores em mesas de piquenique e sapatos ténis – entre muitos outros projetos de circularidade.
Estamos a regenerar o fundo do mar através da plantação de algas.
Levamos o mar para as salas de aula e levamos as salas de aula para o mar. Educamos uma nova geração azul.
Apoiamo-nos na Ciência para desenvolvermos as nossas políticas. Temos estudos sobre o estado dos ecossistemas, sobre cenários de impactos de alterações climáticas, sobre o PIB do Mar e sobre o capital natural do Mar.
Corremos um programa de arqueologia subaquática porque temos a ambição de fazer o mapa do nosso litoral, saber o que está no fundo do mar. Tal já permitiu descobertas fascinantes como a de 2018, ano em que a 12 metros de profundidade, num sono de quase 400 anos, encontrámos uma nau portuguesa do tempo dos descobrimentos.
Como já tivemos oportunidade de transmitir ao Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, Cascais não só tem a vocação, mas tem também a ambição de ser um território laboratório para as políticas de conservação, proteção e interação responsável com os Oceanos.
Cascais tem dado o seu contributo a esta discussão global da Cimeira dos Oceanos da ONU sendo co-organizadora do Fórum da Inovação e da Juventude, que juntou António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa a Praia de Carcavelos no passado domingo, e do Fórum para o Investimento Sustentável na Economia Azul que, por sua vez, reuniu no mesmo palco chefes de Estado (Quénia e Colômbia) e o antigo chefe da diplomacia americana, John Kerry.
Por último, o regresso ao mar é também um imperativo de paz e de humanidade.
Porque é o mar que une o que tudo o resto separa. Porque é no mar que nos encontramos como uma comunidade global.
Porque é no mar que nos encontramos na nossa humanidade comum como povos irmãos de margens distintas dos nossos oceanos.