Cão duro de roer

Cão duro de roer


Chicão é mascote de O., um queque da Juventude Monárquica que se envolve com uma pequena talvez libertária. Há fenómenos que derrubam os muros ideológicos


Nem beto, coxinha ou facho, embora de Cascais este leitor, tal como o editor, a vila encantadora aparece no texto promocional como um “bastião” da betalhada e da direita portuguesa, à qual se dedica este número 33 do zine Mesinha de Cabeceira – celebrando trinta anos –, vamos repor o resto da verdade: se é certo que onde há dinheiro, há vileza, também há grandeza, a começar nos pescadores, continuando nos saloios, até aos dois monarcas que a recuperaram das cicatrizes de séculos de invasões, pilhagens e do coma pós-Terramoto de 1755. Tem também alguns poetas, que foram melhores noutras coisas: José da Cunha Brochado – um dos grandes diplomatas portugueses, memorialista, epistológrafo, dez anos diplomata na corte de Luís XIV (ah, Versalhes…), fundador da Academia Portuguesa da História; ou Luís Cardim, o maior dos shakespeareanos portugueses, homem da Renascença Portuguesa e da revista A Águia, fundador da Faculdade de Letras do Porto; ou cascalenses por adopção, de D. Luís I, tradutor exímio do mesmo Shakespeare, a Branquinho da Fonseca, que aqui ensaiou as bibliotecas itinerantes, levando livros a cada lugarejo do concelho a partir da base, o Museu-Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães, e que depois estendeu pelo país, graças à Gulbenkian. (Nenhuma destas figuras dá nome a uma escola do concelho, para nosso escândalo, e se calhar de mais ninguém.) Cascais é muito mais; é até título do mais belo poema do romantismo português, da pena do Garrett, ou a vila onde “o dragão da crítica” (João Gaspar Simões) escreveu as grandes biografias de Eça de Queirós e Fernando Pessoa, na sua “Casa do Dragão” – o catavento com o animal mítico, embora mais escondido ainda se vê. (Protejam-na, antes que o furor imobiliário a (e nos) virimize.) E, com isto, pouco nos resta para falar de Ângela Cardinhos e de Chicão, mas a culpa é do editor.

“Chicão” é um cão d’água – aquela raça que acompanhava os pescadores algarvios na companha, e que esteve à beira as extinção; salvo por Barak Obama, parece que custa uma fortuna… O nosso herói é mascote de O., um queque da Juventude Monárquica que se envolve numa noute com J., uma pequena talvez libertária, que prefere a gata Nini, e cultiva as suas clitórias e eugénias. Mas de noite todos os gatos são pardos, e há fenómenos que derrubam os muros ideológicos. Quem parece não ter gostado foi Chicão, esse facho… Além de humor, Ângela Cardinhos demonstra qualidade narrativa, na eficaz articulação do texto em cada prancha e vinhetas, numa história que seria banal, não aterrorizasse mais Chicão que O Cão dos Baskervilles. No desenho, o melhor, cremos, está no trabalho das expressões fisionómicas – a capa é disso um bom exemplo –, e das soluções encontradas para a representação gráfica da ausência de luz natural: a noite, a sesta, com traços a branco sobre fundo negro. “Força da natureza”, diz dela o editor, espera-se que Ângela continue a canalizá-la para os quadradinhos, alcançando mais e melhor.

ABECEDÁRIO  

C, Conde de Champignac (Henri Gillain e André Franquin, 1950). Pacómio Hegésilo Adelardo Estanislau, conde de Champignac, é o equivalente em Spirou ao Prof. Tournesol, de Tintin, este mais surdo, o primeiro mais distraído. Micólogo apaixonado, acabará por ser um cientista e inventor topa-a-tudo, e personagem tão indispensável quanto carismática. Recentemente, o casal BéKa e José Luis Munuera recriaram a palpitante juventude de Champignac, no período da II Guerra Mundial.
 
LIVROS
Monstros, de Barry Windsor-Smith. “Estamos em 1964. Bobby Bailey ainda não sabe que está prestes a cumprir o seu trágico destino quando se vai alistar nas Forças Armadas. Traumatizado, inocente, discreto e com vontade de escolher o seu passado e focar-se no futuro, Bobby é o candidato perfeito para uma experiência secreta dos EUA, uma continuação macabra de um programa genético descoberto na Alemanha nazi, 20 anos antes, no final da 2.ª Guerra Mundial.” (Edição G-Floy)
 
Black Squaw – Le Crotoy, de Yann e Alain Henriet. Inspirada na vida de Bessie Coleman (1892-1926), mulher extraordinária, meio negra meio índia, a primeira afro-americana a ter brevet (conseguido na Europa), e uma inspiração, tanto para as mulheres, como para os negros em particular. Segundo Bessie, o ar era o único lugar livre de preconceitos. (Edição Dupuis).

 

 

 

 

C, Conde de Champignac (Henri Gillain e André Franquin, 1950). Pacómio Hegésilo Adelardo Estanislau, conde de Champignac, é o equivalente em Spirou ao Prof. Tournesol, de Tintin, este mais surdo, o primeiro mais distraído. Micólogo apaixonado, acabará por ser um cientista e inventor topa-a-tudo, e personagem tão indispensável quanto carismática. Recentemente, o casal BéKa e José Luis Munuera recriaram a palpitante juventude de Champignac, no período da II Guerra Mundial.
 
LIVROS
Monstros, de Barry Windsor-Smith. “Estamos em 1964. Bobby Bailey ainda não sabe que está prestes a cumprir o seu trágico destino quando se vai alistar nas Forças Armadas. Traumatizado, inocente, discreto e com vontade de escolher o seu passado e focar-se no futuro, Bobby é o candidato perfeito para uma experiência secreta dos EUA, uma continuação macabra de um programa genético descoberto na Alemanha nazi, 20 anos antes, no final da 2.ª Guerra Mundial.” (Edição G-Floy)
 
Black Squaw – Le Crotoy, de Yann e Alain Henriet. Inspirada na vida de Bessie Coleman (1892-1926), mulher extraordinária, meio negra meio índia, a primeira afro-americana a ter brevet (conseguido na Europa), e uma inspiração, tanto para as mulheres, como para os negros em particular. Segundo Bessie, o ar era o único lugar livre de preconceitos. (Edição Dupuis).