Como potenciar uma reforma do Código do Processo Penal para atingir os objetivos pretendidos pelo legislador


Para que um CPP novo produza soluções inovadoras e torne a Justiça, na verdade, mais eficiente e efetiva são necessárias, também, reformas concomitantes e coerentes nos estatutos do MP, no do juiz de garantias e no da instrução.


Participei, na semana passada, num seminário, em Madrid, organizado pelo Centro de Estudos Jurídicos do Ministério da Justiça sobre a reforma do Código de Processo Penal (CPP) e a vontade de transferir a competência da investigação criminal, do juiz de instrução, para o Ministério Público (MP).

As intervenções foram muitas e variadas, tanto nas abordagens dos temas, como no que respeita à origem profissional e nacional dos intervenientes.

Houve intervenções de cariz académico, de juízes, provindas de procuradores, de intervenientes espanhóis, de europeus e de latino-americanos.

Para nós, um dos factos mais interessantes foi a possibilidade de constatar como, a partir de três CPP de três países diferentes, mas de estrutura e idade semelhante – Alemanha, Itália e Portugal – se desenvolveram, gradualmente, práticas judiciárias tão distintas.

As necessidades e as circunstâncias de cada um desses países, bem como o tipo de criminalidade que foram, entretanto, enfrentando e, ainda, o maior ou menor sentido prático dos órgãos legislativos e das próprias instituições de governo dos diferentes MP ditaram muitas dessas diferenças, sucessivamente, adquiridas.

Talvez o mais importante tenha sido verificar como um CPP novo, por si só, pode não produzir os resultados almejados pelo legislador.

Para que um CPP novo produza soluções inovadoras e torne a Justiça, na verdade, mais eficiente e efetiva são necessárias, também, reformas concomitantes e coerentes nos estatutos do MP, no do juiz de garantias e no da instrução e, ainda, nas leis de organização judiciária que irão enquadrar todo o novo sistema que se quer pôr em prática.

Sem uma avaliação realista da dimensão dos quadros do MP, que irá passar a desenvolver a função de dirigir o inquérito e, depois, com base em tal investigação, decidir o destino do processo, acusando ou arquivando o mesmo, corre-se o risco de, por via de carências humanas e materiais inultrapassáveis, se produzirem práticas distorcidas, as quais condicionarão, desde logo e para o futuro, a cultura de trabalho desta instituição.

E o que mais custa mudar, depois, são as culturas de trabalho adquiridas.

Decorrente dessa avaliação, está, também, a relação que o novo titular da investigação – o MP – irá passar a ter com os órgãos de polícia criminal.

É dela que decorrerá, ou não, um maior papel e responsabilidade acrescida do MP na condução dos inquéritos e na projeção do seu sentido final para a produção e validação das provas em julgamento.

O reforço da policialização da investigação, e não a sua desejável judicialização – sendo esta última o que se pretendeu com tais reformas – pode tornar-se definitiva e condicionar, assim, irremediavelmente, os resultados da reforma.

A questão das perícias e da sua suficiência, bem como a da aptidão que o MP tiver para determinar os seus prazos e estabelecer prioridades foram também muito faladas.

De outro lado, a organização interna do MP e a forma como – nesse plano – se definem e se situam os instrumentos hierárquicos que hão-de permitir orientar e controlar a intervenção processual dos procuradores não deixaram de ser especialmente abordadas.

Falou-se, com efeito, menos – mas, mesmo assim, bastante – das possibilidades de interferências externas do que da forma de organizar e publicitar as intervenções no seio do MP, provindas dos diferentes escalões hierárquicos que o compõem.

Nesse aspeto, não deixou de se evidenciar – até pela revisão radical da prática anterior – o facto de, no MP italiano, se ter atribuído, por fim, às chefias diretas dos procuradores a função de aprovarem previamente a proposta que os titulares dos processos terão de fazer aos juízes de garantias para a aplicação de medidas de coação pessoal e patrimonial que afetem mais gravemente os direitos constitucionais dos arguidos.

São as chefias italianas do MP que, corresponsabilizando-se com a proposta de tais medidas, concordando com elas explicitamente, ou visando apenas tais moções, permitirão que, depois, os juízes de garantias decidam sobre elas.

Dessa forma, se devolve à hierarquia do MP uma útil responsabilidade processual na orientação dos inquéritos, que pode muito contribuir para amparar os procuradores mais novos e menos experientes.

Afinal, o MP é – deve ser – uma magistratura responsável processualmente a todos os níveis da sua estrutura hierárquica e não apenas no seu escalão mais baixo.

Outro dos aspetos interessantes sobre que foi possível ouvir um procurador alemão foi o da diversificação de soluções para o destino a dar aos autos que, respeitando formalmente o princípio da legalidade – no plano da obrigatoriedade da investigação – permite, no final dela, respostas mais elásticas e pactuadas, do que o da obrigatória sujeição do arguido a uma condenação em julgamento. 

Muito se falou ainda da simplificação das sentenças e da ausência (França) ou da reduzida extensão da sua fundamentação.

Por fim, questões como as da especialização da carreira dos procuradores em fases processuais – investigação versus julgamento – e, bem assim, a da direção efetiva do processo instruído por equipas de investigação integradas por um conjunto de procuradores, permitiram muita discussão e algumas perplexidades.

Da minha parte, limitei-me a referir as dificuldades e peripécias da experiência portuguesa.

Estas – assim creio – advieram, no início da reforma, de não se ter tido uma visão coerente da organização judiciária e da logística que era necessária.

Falhou, também, desde logo, a afinação na interseção dos comandos do estatuto do MP com os do CPP em matéria de intervenção hierárquica.

Não se clarificou – antes pelo contrário – a definição e coordenação das prioridades da atividade processual dos órgãos de polícia criminal, por parte do MP.

Concluímos todos, todavia, que tais problemas eram semelhantes na maioria dos países representados e, não sem cicatrizes, podiam ir sendo remediados.

Importante era que houvesse real vontade política de superar tais deficiências: credibilizando e prestigiando, assim, as suas instituições judiciárias.

Como potenciar uma reforma do Código do Processo Penal para atingir os objetivos pretendidos pelo legislador


Para que um CPP novo produza soluções inovadoras e torne a Justiça, na verdade, mais eficiente e efetiva são necessárias, também, reformas concomitantes e coerentes nos estatutos do MP, no do juiz de garantias e no da instrução.


Participei, na semana passada, num seminário, em Madrid, organizado pelo Centro de Estudos Jurídicos do Ministério da Justiça sobre a reforma do Código de Processo Penal (CPP) e a vontade de transferir a competência da investigação criminal, do juiz de instrução, para o Ministério Público (MP).

As intervenções foram muitas e variadas, tanto nas abordagens dos temas, como no que respeita à origem profissional e nacional dos intervenientes.

Houve intervenções de cariz académico, de juízes, provindas de procuradores, de intervenientes espanhóis, de europeus e de latino-americanos.

Para nós, um dos factos mais interessantes foi a possibilidade de constatar como, a partir de três CPP de três países diferentes, mas de estrutura e idade semelhante – Alemanha, Itália e Portugal – se desenvolveram, gradualmente, práticas judiciárias tão distintas.

As necessidades e as circunstâncias de cada um desses países, bem como o tipo de criminalidade que foram, entretanto, enfrentando e, ainda, o maior ou menor sentido prático dos órgãos legislativos e das próprias instituições de governo dos diferentes MP ditaram muitas dessas diferenças, sucessivamente, adquiridas.

Talvez o mais importante tenha sido verificar como um CPP novo, por si só, pode não produzir os resultados almejados pelo legislador.

Para que um CPP novo produza soluções inovadoras e torne a Justiça, na verdade, mais eficiente e efetiva são necessárias, também, reformas concomitantes e coerentes nos estatutos do MP, no do juiz de garantias e no da instrução e, ainda, nas leis de organização judiciária que irão enquadrar todo o novo sistema que se quer pôr em prática.

Sem uma avaliação realista da dimensão dos quadros do MP, que irá passar a desenvolver a função de dirigir o inquérito e, depois, com base em tal investigação, decidir o destino do processo, acusando ou arquivando o mesmo, corre-se o risco de, por via de carências humanas e materiais inultrapassáveis, se produzirem práticas distorcidas, as quais condicionarão, desde logo e para o futuro, a cultura de trabalho desta instituição.

E o que mais custa mudar, depois, são as culturas de trabalho adquiridas.

Decorrente dessa avaliação, está, também, a relação que o novo titular da investigação – o MP – irá passar a ter com os órgãos de polícia criminal.

É dela que decorrerá, ou não, um maior papel e responsabilidade acrescida do MP na condução dos inquéritos e na projeção do seu sentido final para a produção e validação das provas em julgamento.

O reforço da policialização da investigação, e não a sua desejável judicialização – sendo esta última o que se pretendeu com tais reformas – pode tornar-se definitiva e condicionar, assim, irremediavelmente, os resultados da reforma.

A questão das perícias e da sua suficiência, bem como a da aptidão que o MP tiver para determinar os seus prazos e estabelecer prioridades foram também muito faladas.

De outro lado, a organização interna do MP e a forma como – nesse plano – se definem e se situam os instrumentos hierárquicos que hão-de permitir orientar e controlar a intervenção processual dos procuradores não deixaram de ser especialmente abordadas.

Falou-se, com efeito, menos – mas, mesmo assim, bastante – das possibilidades de interferências externas do que da forma de organizar e publicitar as intervenções no seio do MP, provindas dos diferentes escalões hierárquicos que o compõem.

Nesse aspeto, não deixou de se evidenciar – até pela revisão radical da prática anterior – o facto de, no MP italiano, se ter atribuído, por fim, às chefias diretas dos procuradores a função de aprovarem previamente a proposta que os titulares dos processos terão de fazer aos juízes de garantias para a aplicação de medidas de coação pessoal e patrimonial que afetem mais gravemente os direitos constitucionais dos arguidos.

São as chefias italianas do MP que, corresponsabilizando-se com a proposta de tais medidas, concordando com elas explicitamente, ou visando apenas tais moções, permitirão que, depois, os juízes de garantias decidam sobre elas.

Dessa forma, se devolve à hierarquia do MP uma útil responsabilidade processual na orientação dos inquéritos, que pode muito contribuir para amparar os procuradores mais novos e menos experientes.

Afinal, o MP é – deve ser – uma magistratura responsável processualmente a todos os níveis da sua estrutura hierárquica e não apenas no seu escalão mais baixo.

Outro dos aspetos interessantes sobre que foi possível ouvir um procurador alemão foi o da diversificação de soluções para o destino a dar aos autos que, respeitando formalmente o princípio da legalidade – no plano da obrigatoriedade da investigação – permite, no final dela, respostas mais elásticas e pactuadas, do que o da obrigatória sujeição do arguido a uma condenação em julgamento. 

Muito se falou ainda da simplificação das sentenças e da ausência (França) ou da reduzida extensão da sua fundamentação.

Por fim, questões como as da especialização da carreira dos procuradores em fases processuais – investigação versus julgamento – e, bem assim, a da direção efetiva do processo instruído por equipas de investigação integradas por um conjunto de procuradores, permitiram muita discussão e algumas perplexidades.

Da minha parte, limitei-me a referir as dificuldades e peripécias da experiência portuguesa.

Estas – assim creio – advieram, no início da reforma, de não se ter tido uma visão coerente da organização judiciária e da logística que era necessária.

Falhou, também, desde logo, a afinação na interseção dos comandos do estatuto do MP com os do CPP em matéria de intervenção hierárquica.

Não se clarificou – antes pelo contrário – a definição e coordenação das prioridades da atividade processual dos órgãos de polícia criminal, por parte do MP.

Concluímos todos, todavia, que tais problemas eram semelhantes na maioria dos países representados e, não sem cicatrizes, podiam ir sendo remediados.

Importante era que houvesse real vontade política de superar tais deficiências: credibilizando e prestigiando, assim, as suas instituições judiciárias.