As bolsas milionárias e as lideranças científicas


Portugal e algumas instituições proporcionam as condições para cientistas nas fases iniciais da sua carreira. No entanto, temos muito mais dificuldade em conseguir proporcionar as condições para que as pessoas se desenvolvam como líderes científicos.


Na semana passada foram anunciados os resultados do concurso mais recente para a atribuição das prestigiosas bolsas milionárias do Conselho Europeu de Investigação, na versão “Advanced” destinada a cientistas na fase mais adiantada da sua carreira (mais de 12 anos de carreira após o doutoramento) em que Vítor Cardoso, professor catedrático do Departamento de Física do Técnico foi reconhecido. O Departamento de Engenharia Informática (DEI) do Técnico promoveu, também na semana passada e no âmbito do seu retiro anual, uma mesa-redonda em que tive a oportunidade de partilhar algumas das minhas reflexões, sucessos e insucessos sobre estas bolsas. 

Portugal tem tido algum sucesso, tendo atraído 124 bolsas do Conselho Europeu de Investigação desde o início do programa em 2007 (dados do site do Conselho Europeu de Investigação recolhidos a 30 de abril de 2022, complementados com os resultados anunciados a semana passada). Este aparente sucesso tem, no entanto, algumas “nuances”. A grande maioria destas bolsas são atribuídas a cientistas nas fases iniciais da sua carreira (85%) (até 12 anos após o doutoramento) e estas são maioritariamente (51%) na área das ciências da vida, com taxa de sucesso, definida como a razão entre propostas aprovadas e propostas submetidas, de 10%, sendo as restantes nas ciências físicas e engenharias (22% das bolsas, taxa de sucesso de 4%) e ciências sociais e humanas (27% das bolsas, taxa de sucesso 8%). Relativamente às ainda mais competitivas bolsas “Advanced” o cenário é oposto: 58% das bolsas foram atribuídas nas ciências físicas e engenharias (taxa de sucesso 10%), 26% nas ciências sociais e humanas (taxa de sucesso 6%) e 16% nas ciências da vida (taxa de sucesso 2%), com a seguinte distribuição por instituições: ULisboa – 6 (3 no Técnico), UMinho, Nova, UAveiro, UPorto, F.Champalimaud – 2 cada, UCoimbra, UAlgarve, F.Gulbenkian – 1 cada). Os números absolutos nas bolsas “Advanced” são mais baixos, e estatisticamente menos relevantes, mas permitem-nos tirar algumas conclusões.

Globalmente, Portugal e algumas instituições proporcionam as condições para cientistas nas fases iniciais da sua carreira desenvolverem o seu potencial e lançarem os seus projetos de forma competitiva. No entanto, temos muito mais dificuldade em conseguir proporcionar as condições (e.g. equipamentos experimentais e financiamento nacional sustentado) para que as pessoas se desenvolvam como líderes científicos capazes de atrair as bolsas mais avançadas, sendo, portanto, fundamental reforçar estas condições de base para manter e atrair as lideranças científicas que são reconhecidas com as bolsas “Advanced”. Esta reflexão é suportada pela análise dos vencedores das bolsas avançadas em Portugal, que lideram laboratórios experimentais ou equipas de grande dimensão, fortemente internacionalizadas e/ou integrados em grandes instrumentos científicos ou infraestruturas europeias ou explorando condições únicas em Portugal. Aqui, naturalmente, as universidades, pela sua facilidade em recrutar talento de elevada qualidade e garantir carreiras para os líderes científicos, representam um foco importante para o desenvolvimento destas lideranças.

A disparidade entre o sucesso das diferentes grandes áreas nas diferentes fases da carreira, permite-me também concluir que existe uma forte margem de progressão e um potencial enorme nas áreas ligadas às ciências físicas e engenharias para fortalecerem o apoio às carreiras dos seus cientistas mais jovens, reproduzindo algumas das boas práticas de outras áreas; é fundamental reforçar o apoio aos jovens cientistas ou professores, através de “mentoring” no desenvolvimento de carreira (como, por exemplo, o programa “Shaping the Future” no Técnico para os professores auxiliares ou a reflexão promovida pelo DEI), dando-lhes mais tempo para se focarem na sua investigação, e também promovendo de forma mais intensa a dimensão internacional da sua carreira e.g. através da nomeação para prémios, fomento de sabáticas no estrangeiro, participação em comissões de prestígio, ou outras distinções. Dada a importância das bolsas do Conselho Europeu de Investigação, em termos financeiros e também reputacionais, estes programas e incentivos deveriam ser objeto de especial atenção por parte das instituições mas também um eixo importante da política científica portuguesa. 

Finalmente, e baseando-me numa análise muito pessoal das estatísticas dos vencedores, conjeturo que Portugal pode ser fortemente competitivo nas áreas associadas (ou de interface) às tecnologias da comunicação e informação ou às ciências “téoricas/computacionais” (e.g. ciências da computação, matemática, física). Nestas áreas o aspeto crítico é a existência de uma comunidade vibrante, alargada e internacionalizada. O investimento em grandes equipamentos científicos próprios não é o ponto diferenciador, as universidades têm acesso e já formam talento com elevada qualidade e as instituições portuguesas podem ter acesso a infraestruturas europeias fortemente competitivas (o exemplo paradigmático é a computação avançada). Uma iniciativa focada na atração e aceleração de cientistas de elevado potencial nestas áreas conseguiria, com um investimento menos avultado, não só desenvolver lideranças científicas (capazes de atrair ainda mais bolsas nas diferentes fases e também “Advanced” nestas áreas) mas também desenvolver tecnologias e talento para a indústria, ligada aos temas mais genéricos da computação ou das tecnologias da informação, cada vez mais presentes e importantes em todos os domínios da nossa economia, contribuindo assim também para um ciclo virtuoso entre a ciência, as universidades e a indústria.

Professor Catedrático do Departamento de Física, Instituto Superior Técnico & Academia das Ciências de Lisboa
web: http://web.tecnico.ulisboa.pt/luis.silva/
twitter: @luis_os

As bolsas milionárias e as lideranças científicas


Portugal e algumas instituições proporcionam as condições para cientistas nas fases iniciais da sua carreira. No entanto, temos muito mais dificuldade em conseguir proporcionar as condições para que as pessoas se desenvolvam como líderes científicos.


Na semana passada foram anunciados os resultados do concurso mais recente para a atribuição das prestigiosas bolsas milionárias do Conselho Europeu de Investigação, na versão “Advanced” destinada a cientistas na fase mais adiantada da sua carreira (mais de 12 anos de carreira após o doutoramento) em que Vítor Cardoso, professor catedrático do Departamento de Física do Técnico foi reconhecido. O Departamento de Engenharia Informática (DEI) do Técnico promoveu, também na semana passada e no âmbito do seu retiro anual, uma mesa-redonda em que tive a oportunidade de partilhar algumas das minhas reflexões, sucessos e insucessos sobre estas bolsas. 

Portugal tem tido algum sucesso, tendo atraído 124 bolsas do Conselho Europeu de Investigação desde o início do programa em 2007 (dados do site do Conselho Europeu de Investigação recolhidos a 30 de abril de 2022, complementados com os resultados anunciados a semana passada). Este aparente sucesso tem, no entanto, algumas “nuances”. A grande maioria destas bolsas são atribuídas a cientistas nas fases iniciais da sua carreira (85%) (até 12 anos após o doutoramento) e estas são maioritariamente (51%) na área das ciências da vida, com taxa de sucesso, definida como a razão entre propostas aprovadas e propostas submetidas, de 10%, sendo as restantes nas ciências físicas e engenharias (22% das bolsas, taxa de sucesso de 4%) e ciências sociais e humanas (27% das bolsas, taxa de sucesso 8%). Relativamente às ainda mais competitivas bolsas “Advanced” o cenário é oposto: 58% das bolsas foram atribuídas nas ciências físicas e engenharias (taxa de sucesso 10%), 26% nas ciências sociais e humanas (taxa de sucesso 6%) e 16% nas ciências da vida (taxa de sucesso 2%), com a seguinte distribuição por instituições: ULisboa – 6 (3 no Técnico), UMinho, Nova, UAveiro, UPorto, F.Champalimaud – 2 cada, UCoimbra, UAlgarve, F.Gulbenkian – 1 cada). Os números absolutos nas bolsas “Advanced” são mais baixos, e estatisticamente menos relevantes, mas permitem-nos tirar algumas conclusões.

Globalmente, Portugal e algumas instituições proporcionam as condições para cientistas nas fases iniciais da sua carreira desenvolverem o seu potencial e lançarem os seus projetos de forma competitiva. No entanto, temos muito mais dificuldade em conseguir proporcionar as condições (e.g. equipamentos experimentais e financiamento nacional sustentado) para que as pessoas se desenvolvam como líderes científicos capazes de atrair as bolsas mais avançadas, sendo, portanto, fundamental reforçar estas condições de base para manter e atrair as lideranças científicas que são reconhecidas com as bolsas “Advanced”. Esta reflexão é suportada pela análise dos vencedores das bolsas avançadas em Portugal, que lideram laboratórios experimentais ou equipas de grande dimensão, fortemente internacionalizadas e/ou integrados em grandes instrumentos científicos ou infraestruturas europeias ou explorando condições únicas em Portugal. Aqui, naturalmente, as universidades, pela sua facilidade em recrutar talento de elevada qualidade e garantir carreiras para os líderes científicos, representam um foco importante para o desenvolvimento destas lideranças.

A disparidade entre o sucesso das diferentes grandes áreas nas diferentes fases da carreira, permite-me também concluir que existe uma forte margem de progressão e um potencial enorme nas áreas ligadas às ciências físicas e engenharias para fortalecerem o apoio às carreiras dos seus cientistas mais jovens, reproduzindo algumas das boas práticas de outras áreas; é fundamental reforçar o apoio aos jovens cientistas ou professores, através de “mentoring” no desenvolvimento de carreira (como, por exemplo, o programa “Shaping the Future” no Técnico para os professores auxiliares ou a reflexão promovida pelo DEI), dando-lhes mais tempo para se focarem na sua investigação, e também promovendo de forma mais intensa a dimensão internacional da sua carreira e.g. através da nomeação para prémios, fomento de sabáticas no estrangeiro, participação em comissões de prestígio, ou outras distinções. Dada a importância das bolsas do Conselho Europeu de Investigação, em termos financeiros e também reputacionais, estes programas e incentivos deveriam ser objeto de especial atenção por parte das instituições mas também um eixo importante da política científica portuguesa. 

Finalmente, e baseando-me numa análise muito pessoal das estatísticas dos vencedores, conjeturo que Portugal pode ser fortemente competitivo nas áreas associadas (ou de interface) às tecnologias da comunicação e informação ou às ciências “téoricas/computacionais” (e.g. ciências da computação, matemática, física). Nestas áreas o aspeto crítico é a existência de uma comunidade vibrante, alargada e internacionalizada. O investimento em grandes equipamentos científicos próprios não é o ponto diferenciador, as universidades têm acesso e já formam talento com elevada qualidade e as instituições portuguesas podem ter acesso a infraestruturas europeias fortemente competitivas (o exemplo paradigmático é a computação avançada). Uma iniciativa focada na atração e aceleração de cientistas de elevado potencial nestas áreas conseguiria, com um investimento menos avultado, não só desenvolver lideranças científicas (capazes de atrair ainda mais bolsas nas diferentes fases e também “Advanced” nestas áreas) mas também desenvolver tecnologias e talento para a indústria, ligada aos temas mais genéricos da computação ou das tecnologias da informação, cada vez mais presentes e importantes em todos os domínios da nossa economia, contribuindo assim também para um ciclo virtuoso entre a ciência, as universidades e a indústria.

Professor Catedrático do Departamento de Física, Instituto Superior Técnico & Academia das Ciências de Lisboa
web: http://web.tecnico.ulisboa.pt/luis.silva/
twitter: @luis_os