1. A História não reza dos secretários-gerais da ONU. É preciso consultar arquivos para nos lembrarmos dos seus nomes e não há nota de que algum tenha feito algo de notável. Os secretários-gerais da ONU vêm normalmente de países irrelevantes, sem desprimor pelas qualidades pessoais de cada um. Representam rotativamente uma determinada região do mundo. Em regra, nem nos seus países são figuras especialmente relevantes. Guterres não é exceção no perfil e no exercício discreto do seu mandato recém-renovado, mais marcado pela pandemia do que pela mediação e resolução dos muitos conflitos que subsistem. O secretário-geral da ONU tem, por definição, as suas funções muito limitadas pelos poderes que as grandes nações se atribuíram e exercem, especialmente os Estados Unidos, a Rússia (antes URSS) e a China, no seu crescimento económico e militar. A França e o Reino Unido têm também poderes especiais, como o chamado direito de veto. É, portanto, preciso ter estas circunstâncias presentes para perceber a dificuldade que envolve a ofensiva diplomática que Guterres empreendeu a três países: Turquia, Rússia (anteontem e ontem) e Ucrânia, por esta ordem. Zelensky reagiu mal à cronologia, no que foi acompanhado por muitos políticos mundiais. O ucraniano tem razão. Guterres deveria ter começado pelo país invadido, a fim de ver a chacina e a crueldade dos russos. Mas, se assim fizesse, Putin nunca o receberia. Seguiu, portanto, a única lógica possível: falar com quem ataca e massacra. Arriscou a humilhação de ter um encontro inútil com um criminoso de guerra que não teme dizer o contrário do que faz e que já mandou o seu fiel Lavrov ameaçar com uma terceira guerra mundial. Em abono de Guterres, há que lembrar ainda que não hesitou em condenar a invasão e pediu a Putin para retirar as suas tropas. Se errou foi antes quando deixou criar factos consumados nas repúblicas separatistas e aceitou objetivamente a anexação da Crimeia. Quem conhece este católico sabe que não esteve parado e se esforçou sempre pela paz. É óbvio que interveio discretamente, procurando o momento para agir publicamente, mesmo sem hipótese de sucesso. Esperemos que tenha sucesso no tempo de ação que acontece quando cresce a ofensiva devastadora russa, em vésperas da comemoração da rendição nazi (9 de maio). Nesta sua missão, o português António Guterres transporta a esperança de milhões de ucranianos, de russos e dos verdadeiros defensores da paz. O historial da ONU não permite grande esperança na missão. Os seus capacetes azuis são normalmente controversos, inúteis e gastadores. Mas, se tiver sucesso, conseguindo dar início a um cessar-fogo duradouro e a um processo negocial sério, Guterres será o primeiro secretário-geral da ONU com lugar relevante na História. Para nosso orgulho coletivo!
2. Alguns esbirros do PC(P?) protestaram contra o jornal Público por causa de uma fotografia de Jerónimo de Sousa ilustrativa de um artigo sobre as posições do partido sobre a invasão sanguinária da Ucrânia pela Rússia. A peça de Ana Sá Lopes era factual e a foto também, não tendo recebido qualquer tratamento. Jerónimo aparecia de óculos escuros. O título dizia “Guerra acentua via dolorosa do PCP”. Caiu o Carmo e a Trindade! O que será se um dia alguém publicar uma foto do garboso Jerónimo envergando o uniforme com que fez a guerra na Guiné, servindo no exército colonial do pacifista António de Oliveira Salazar que apenas desenvolveu em África algumas Operações Militares (defensivas), como todos sabemos?
3. Lá houve mais uma sessão solene do 25 de Abril. Um funcionário desmaiou. Foi logo socorrido com a ajuda do ministro Pedro Nuno Santos e dos médicos-políticos presentes. Não mereceu, porém, uma palavra de melhoras do orador interrompido. Santos Silva, patrão da criatura, retomou simplesmente assim: “dizia eu….”. Na cerimónia, o Presidente Marcelo produziu o melhor discurso. Falou da necessidade de investir nas Forças Armadas, numa óbvia alusão aos tempos em que as democracias são ameaçadas por regimes totalitários que controlam a maior parte do planeta. Fez bem! Melhor ainda seria defender que o investimento militar na Europa fique fora do perímetro do défice nacional e que cá não se misture no OE as despesas com a GNR (uma força militarizada de ordem pública) com as que são feitas nas verdadeiras forças militares. Meter a GNR na despesa de Defesa é tentar iludir a NATO e os compromissos assumidos.
4. Em França, Macron venceu Le Pen com uma margem superior a 10%, o que é notável, se tivermos em conta que os seus dois antecessores foram trucidados. Sarkozy perdeu a reeleição, enquanto o ridículo Hollande teve o bom senso de não se apresentar. Macron teve menos dois milhões de votos do que nas anteriores eleições, o que é significativo. O seu eleitorado tem por base a França burguesa moderada. Corresponde ao perfil que ele reivindica de centrista radical. As abstenções subiram. Chegaram a 28%, o que é pouco comparado com Portugal. Em junho, haverá uma espécie de terceira ronda presidencial: as legislativas. A França chega a esse escrutínio dividida em três: o partido de Macron (centrista), o de Le Pen (direita radical) e o de Mélanchon (esquerda radical, mas socialista). As eleições fazem-se em mais de 550 círculos. Ganha à primeira volta quem ultrapassar 50% dos votos. Se ninguém conseguir, há segunda votação a que podem chegar de dois a quatro candidatos. O sistema maioritário a duas voltas (assim é designado) favorece o presidente, que em França tem poderes alargados, ainda que o regime seja semipresidencialista como o nosso. Macron e a sua République en Marche poderão ter grandes dificuldades se houver coligações pontuais entre os dois extremos políticos, o que não é impossível. Mas é improvável.
5. Uma sondagem publicada no DN mostra que os portugueses continuam a confiar no PS, que mantém cerca de 40% das intenções de voto. É obra! Apesar da guerra, da inflação, do empobrecimento, da exclusão social, da desorganização do Estado, da falha rotunda de tudo o que é SNS, Segurança Social, Justiça e mau grado a denúncia de sucessivas situações escandalosas, como a de João Leão e o ISCTE, o PS segue na crista da onda. A sondagem evidencia o facto de o PSD estar paralisado e novamente em eleições internas e das diversas oposições à esquerda estarem moribundas, como o PCP e o Bloco. À direita o Chega perde um pouco, mas aguenta. A Iniciativa Liberal cresce, com base em propostas claras e uma política de comunicação civilizada. Com este panorama global, António Costa pode estar tranquilo. Não há por enquanto qualquer esboço de alternativa. Costa corre em pista única e nem precisa de governar bem.
6. O IRHU (supostamente Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana) detém 14 mil fogos de norte a sul do país, à volta dos quais se acumulam problemas como a degradação natural ou por vandalismo, a substituição clandestina dos ocupantes das casas ou, simplesmente, o não pagamento das rendas, normalmente simbólicas. Para assegurar a gestão e fiscalização de proximidade deste gigantesco património, a instituição só afetou a impressionante quantidade de uma dezena de funcionários, o que dá uma média de 1000 casas/per capita! O mais espantoso é que, em vez de tratar do assunto a sério e reforçar a equipa, o governo decidiu enfrentar o problema da habitação, construindo mais ainda. Para isso vai contratar cerca de 70 elementos incumbidos de gerir os fundos do PRR destinados a esse fim. Dentro de uns anos, se as habitações passarem do papel, os desgraçados dos quadros do IHRU terão ainda mais dores de cabeça e problemas. Como dizia Einstein, “insanidade é continuar a fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. Há países que controlaram o problema da habitação social com soluções bem mais eficazes e engenhosas do que as nossas.
Escreve à quarta-feira