Os dois candidatos à sucessão de Rui Rio dão o tiro de partido da campanha interna pelas diretas do PSD no Norte do país.
Moreira da Silva esteve na sexta-feira à tarde em Vila Nova de Famalicão, terra onde nasceu e onde é militante. De regresso a casa, depois de seis anos a exercer funções como Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento na OCDE em Paris, apresentou aos militantes a sua candidatura à liderança do partido, numa sessão que decorreu na Fundação Cupertino de Miranda.
Já Luís Montenegro apresenta-se aos militantes e simpatizantes do PSD, este sábado, no concelho vizinho àquele onde sempre viveu. O ex-líder parlamentar, que é natural do Porto mas residiu sempre em Espinho (concelho onde chegou a concorrer ao Município), avança no terreno numa sessão que decorrerá no Europarque, em Santa Maria da Feira, no distrito de Aveiro.
Os dois propõem-se protagonizar uma abertura do partido aos militantes e à sociedade, reconquistando o espaço ocupado à sua direita tanto pela Iniciativa Liberal como pelo Chega e endurecendo o tom na oposição ao PS.
Num discurso com muitas críticas à governação socialista, na apresentação da sua candidatura aos jornalistas no início deste mês, Montenegro considerou que Portugal precisa «mais do que nunca de uma oposição atenta e implacável com os desvios» do Executivo de António Costa, garantindo que maiorias absolutas e mandatos longos «não o assustam». Aliás, encara esta situação como «um desafio e um incentivo» para o PSD ser «mais criativo».
Já Moreira da Silva arriscou uma sugestão inovadora: numa estratégia que espelha Clinton, Blair e Cameron, propôs a criação de um governo-sombra, para fazer ‘marcação direta’ aos ministros de António Costa e ao próprio primeiro-ministro. «Mais do que mera oposição», compromete-se a liderar uma «alternativa firme, inconformista, criativa e reformista».
«Seremos firmes no escrutínio do Governo e na denúncia dos seus erros. Dentro e fora do Parlamento. E seremos audazes na formulação de alternativas. Dentro e fora do Parlamento. Seguindo o modelo inglês, constituirei um verdadeiro governo-sombra», anunciou na passada quarta-feira, perante os jornalistas. Para já, não avança com nomes de quem fará parte daquele órgão, mas, caso seja eleito, deverá apresentá-los no Congresso do dia 4 de julho, comprometendo-se a incluir também «talentos do partido» que não o venham a apoiar nesta eleição interna.
«Ficam os ministros e os secretários de Estado do Governo socialista a saber que, a partir de agora, terão uma marcação direta por parte dos ministros-sombra e dos secretários de Estado-sombra do PSD. E fica António Costa a saber que terá em mim um adversário enérgico. Não lhes daremos descanso, em nome do mandato que os portugueses nos conferiram», prometeu.
Tanto o antigo líder parlamentar de Pedro Passos Coelho como seu o antigo ministro do Ambiente chegaram-se à frente na corrida à presidência dos sociais-democratas com a intenção de chegarem a primeiro-ministro. E dão já sinais de renovação interna, com linhas programáticas que se tocam.
Com o slogan Acreditar, com a letra T substituída pela tradicional seta laranja do PSD, Montenegro defende que «é chegada a hora de abrir um novo ciclo político, de renovação e abertura, de ambição e de esperança». Apostando na modernização do partido e na convocação de novos temas para cima da mesa, considera que «a dispersão dos votos no centro-direita mostra que há lugar para novos discursos e narrativas». A inflação, a subida das taxas de juro, a crise energética e a subida dos preços dos combustíveis e de outros bens essenciais, a digitalização e emergência de novas tecnologias, as alterações climáticas, a descarbonização da economia são alguns dos desafios que Montenegro quer trazer para a linha da frente.
«Vamos trabalhar numa agenda de sustentabilidade ambiental», referiu na apresentação da sua candidatura, sublinhando que os sociais-democratas vão «insistir numa reforma do sistema fiscal, mais simples, estável e menos asfixiante».
Neste desígnio conta com Joaquim Miranda Sarmento como coordenador da parte económica da moção de estratégia global que vai levar ao Congresso do PSD (ver pág. 52-57).
Já Moreira da Silva, sob o mote Direito ao Futuro, diz ser «o militante que está em melhores condições» para renovar o PSD, propondo-se atualizar as linhas programáticas do PSD e clarificar a natureza do relacionamento com os outros partidos. «Sob pena de ficarmos para trás na ordem de preferência dos setores mais jovens e mais dinâmicos da sociedade, os eleitores esperam de nós uma clarificação e uma atualização», advertiu. O famalicense, com 33 anos de militância, quer posicionar o PSD como «o espaço amplo que une todos os reformistas e que agrega sociais-democratas e liberais-sociais» e que se distingue do PS «pela vocação reformista» e que se distingue de outros partidos à sua direita «por não ser um partido de nicho, com reservas quanto ao combate às alterações climáticas e ao papel essencial do Estado na provisão de serviços universais na saúde e na educação». E deu ainda garantias de que «nunca, jamais, em tempo algum» vai dialogar com o Chega. «Em tempo útil, de forma praticamente isolada, alertei para os riscos da nossa ambiguidade na relação com o Chega. Comigo, não. Na casa do PSD não cabem racistas, xenófobos e populistas», asseverou.
A mesma clareza no discurso ainda não foi expressa por Luís Montenegro, que não vê no Chega uma linha vermelha, como traçou o adversário. «Eu quero vencer o PS, eu não quero vencer o Chega. E não vou olhar para os partidos que estão à direita do PSD como adversários a combater», afirmou na sexta-feira à margem de uma visita à feira agropecuária Ovibeja.
Considerando que «é urgente atualizar as linhas programáticas», Moreira da Silva tenciona lançar um processo, aberto a toda a sociedade. Esse processo de refundação do partido passa ainda por introduzir no PSD «uma cultura de start-up». «Seremos um partido-movimento, orientado por causas, de eleitores e de militantes, organizado matricialmente e não apenas territorialmente, que sairá das sedes e estará em contacto direto com os cidadãos, ouvindo-os, auscultando-os e envolvendo-os nos nossos processos de decisão interna», explicou.
Apesar de terem como pano defundo uma disputa interna, os dois candidatos à presidência do PSD dizem-se amigos e esperam um «debate elevado».
Sem nunca atacar diretamente Montenegro, Moreira da Silva acabou por sugerir que o antigo líder parlamentar angariou apoios muito antes de dizer o que pretende para o partido e para o país. «Sentir-me-ia mal a andar a pedir apoio sem dizer ao que venho», atirou. Confrontado também com o facto de partir, teoricamente, em desvantagem nesta corrida à liderança, desvalorizou: «Não ando na vida política de calculadora na mão. A minha força vem da capacidade de entregar resultados. Mas não ando nisto há dois dias. É altamente precipitada a avaliação que fazem de que não tenho apoio público. Tenho recebido um nível de apoio que até me emociona».
Montenegro e Moreira da Silva são para já – e deverão continuar a ser – os únicos protagonistas das diretas do PSD, que estão marcadas para 28 de maio.
Impugnação em curso
Mas esta data poderá ser posta em causa pelo Conselho de Jurisdição Nacional, após um pedido de impugnação da reunião do Conselho Nacional, de 14 de março passado, em Ovar, que convocou as eleições internas.
Um militante do Porto alega que as diretas não poderiam ter sido marcadas sem que o atual líder, Rui Rio, se demitisse formalmente do cargo. Caso o Conselho de Jurisdição dê razão a Davide Henrique Cruz, as diretas, cuja campanha finalmente começou, terão de ser suspensas e o partido terá que convocar um novo Conselho Nacional, para que seja acertada uma nova data, uma vez que os prazos estatutários, nesse cenário, já não permitirão que as eleições continuem a ter lugar no dia 28 de maio.