RIADE – Já têm cognome e tudo: Falcoas Verdes. O passado dia 20 de fevereiro ficou na história do futebol, não apenas da Arábia Saudita mas igualmente de todo o mundo. Pela primeira vez, uma seleção feminina teve direito a representar o seu país, um dos mais fechados no que aos direitos das mulheres diz respeito. Foi em Mahé, nas Maldivas, que a Arábia Saudita disputou o seu encontro de estreia internacional. E já agora, o segundo também, já que se tratava de um torneio triangular com a presença, igualmente, das Maldivas e das Seicheles. Dois jogos, duas vitórias por 2-0. Que melhor maneira de se iniciar uma revolução? Mubarak (com três golos nos dois jogos) e Al-Tamini assinaram os seus nomes nas páginas de uma nova vida para o futebol feminino saudita.
Desde 2018 que o Governo do Rei Salman bin Abdulaziz Al Saud permitiu alguma aproximação do sexo feminino ao desporto mais popular do planeta ao, finalmente, abrir as portas dos estádios às mulheres, algo que lhes estava absolutamente vedado. Parecia altamente improvável, mas acabou por se tornar realidade. Sinais dos tempos?
Provavelmente. O facto é que uma governação ultraconservadora em matéria de estrita separação dos sexos, dava um passo importante para o aplacar dessa política tão criticada pelas instâncias internacionais. O acontecimento teve lugar em Djeddah, a segunda cidade do país, nas margens do Mar Vermelho, durante um jogo a contar para o campeonato saudita entre o Al-Ahli e o Al-Batin. A partir daí, as mulheres sauditas passaram a estar autorizadas, sem quaisquer restrições, a frequentar as bancadas dos estádios e dos pavilhões para assistirem às competições desportivas da sua preferência. Claro que isto, para um ocidental, pode parecer uma banalidade que chega atrasada cem anos no tempo. Mas para quem conhece bem a realidade saudita, não restam dúvidas que se deu uma passada enorme em direção a uma nova ordem de ideias.
As ideias do herdeiro. Na Arábia Saudita ninguém tem grandes dúvidas que o impulsionador desta abertura na direção do respeito pelos direitos das mulheres saiu da cabeça do príncipe herdeiro, Mohamed bin Salman al Saud , um homem com vontade de mudar certos comportamentos arreigados durante séculos. É cedo para dizer que vem aí uma onda de modernidade. Mas algum percurso tem sido percorrido, como por exemplo, a abertura, também em Djeddah, do primeiro salão automóvel dedicado às mulheres condutoras. A partir do próximo mês de Junho, com efeito, as mulheres saudita vão ter a liberdade de, ao contrário do que acontecia até aqui, tirarem a carta e conduzirem livremente as suas viaturas por todo o país. A lei foi publicada no último mês de Setembro do ano passado e, desde então, a corrida às lições de condução tem sido avassaladora. Como é natural, as mulheres sauditas não querem perder um segundo sequer deste seu caminho em direção à normalidade.
Pode dizer-se, sem medo de cair no exagero, que a entrada em campo da seleção feminina da Arábia Saudita no tal torneio internacional realizado nas Maldivas, foi o ponto mais alto do caminho para a liberdade. Sobretudo porque, ao contrário do que acontece ainda em vários países muçulmanos, foram igualmente autorizadas a escolher, livremente, se jogariam com as pernas, os braços ou a cabeça descobertos ou não. Muitas foram as que preferiram não fazê-lo. Um gesto que mereceu uma saudação especial do próprio Pelé, considerado na generalidade, como o melhor jogador de todos os tempos.
O Ministério do Desporto do governo saudita está a elaborar, lentamente, como era de esperar, que evoluções como esta não se dão de um dia para o outro, um conjunto de legislação sob a estratégia de uma total restruturação que permita à mulher saudita praticar seja que desporto for em plena liberdade. Neste momento, já muitos clubes da Arábia Saudita esperam apenas pela autorização de avançarem com as suas secções femininas, algo que será inevitável, perante o que podemos assistir até agora.
O último Dia Internacional da Mulher, a 8 de Março, já foi bem um exemplo deste largos movimento que está a mexer com os alicerces do Estado saudita. Houve total liberdade para que as mulheres pudessem festejar a data nas ruas. Agora, seguramente, com uma esperança bem maior em relação ao futuro.
Como muitas vezes acontece, o futebol foi, mais uma vez, a porta de uma evolução social que tardava a manifestar-se. As duas vitórias iniciais da selecção saudita feminina foram destacadas nos jornais como qualquer vitória da sua congénere masculina. Algo está a mudar irreversivelmente junto do Mar Vermelho.