Black Country, New Road. “Não era o tempo nem o espaço para fazermos música agressiva ou nervosa”

Black Country, New Road. “Não era o tempo nem o espaço para fazermos música agressiva ou nervosa”


Menos de um ano depois de terem lançado o seu disco de estreia, os Black Country, New Road estão de volta com Ants From Up There, um álbum que superou todas as expectativas e está a valer grandes elogios ao conjunto. Contudo, dias antes da estreia do disco, Isaac Wood, vocalista e letrista, abandonou a…


São uma das bandas mais entusiasmantes do momento, os ingleses Black Country, New Road. No espaço de um ano lançaram o segundo disco, Ants From Up There, um disco aclamado pela crítica e louvado por fãs, fiéis e novos, que encontraram uma forma de conforto nesta estranha nave espacial (ou um avião Concorde, uma figura que vai surgindo ao longo do disco), que tanto soa a uns “Arcade Fire em esteroides” como adota elementos da música tradicional judaica, klezmer.

No entanto, quando tudo parecia alinhado para este Concorde descolar e conquistar o mundo, eis que surge uma turbulência no percurso. Quatro dias antes do lançamento do disco, Isaac Wood, vocalista, anunciou que ia abandonar o grupo devido a problemas de saúde mental.

O i esteve à conversa com Charlie Wayne, baterista, para falar sobre a efusiva ascensão do grupo, o seu novo disco e como é que a banda se vai adaptar à perda do seu principal letrista.

O vosso disco mais recente, Ants From Up There, lançado no dia 4 de fevereiro, sai menos de um ano depois do vosso disco de estreia, For the First Time (5 de fevereiro de 2021). Porquê lançar estes discos com tão pouca distância temporal?

Tudo começou como uma piada. Achávamos graça sermos capazes de lançar dois discos no mesmo ano, principalmente porque são dois álbuns tão diferentes, e porque podia ser um desafio muito divertido. Mas também se deveu a não termos mais nada a acontecer nas nossas carreiras nesta altura. Não podíamos fazer concertos ao vivo por causa das restrições pandémicas, alguns membros do grupo tinham acabado os seus estudos na universidade, deixámos de ter compromissos, por isso, pensámos, por que não criar mais um trabalho?

São fãs da banda australiana King Gizzard and the Lizard Wizard? Eles também são famosos por misturar uma diversidade de estilos e por lançar imensos álbuns no mesmo ano.

Sim, mas eles vão ser sempre superiores em termos de produtividade, depois de terem lançado cinco discos em 2017. Isso foi uma loucura. Apesar de nem todos serem grandes disco, os que foram, eram incríveis. O meu favorito é o Flying Microtonal Banana, amei esse disco.

Para o grupo, quais foram as principais diferenças ao gravar este disco?

Estamos a falar de dois discos completamente diferentes, o que também explica o porquê de querermos lançar dois álbuns em tão pouco tempo. O primeiro disco foi mais uma coleção de canções que já andávamos a tocar juntos e ao vivo, para que as pessoas ficassem a conhecer quem eram os Black Country, New Road e para nós criarmos um som interessante que pudesse despertar a atenção por ser tão bizarro, mas ao mesmo tempo porreiro. Neste disco, sabíamos que não o íamos tocar para ninguém, pelo menos no presente momento, por isso, juntámo-nos numa sala e decidimos que apenas iríamos criar música para nós próprios. Foram sessões muito divertidas e interessantes porque não tínhamos que ter em consideração a nossa audiência. Já sabíamos que, estilisticamente, íamos ser diferentes, por isso, decidimos que íamos apenas fazer música que considerámos interessante e gratificante em vez de ter em conta qual seria a reação imediata da nossa audiência durante um concerto. Nesse sentido foi completamente diferente gravar o For the First Time.

Ao contrário do For the First Time, poucas músicas do Ants From Up There devem ter sido tocadas ao vivo com grande regularidade, com exceção da Basketball Shoes que já existia antes do disco.

Chegámos a tocar todas ao vivo porque ainda tivemos oportunidade de fazer uma pequena série de concertos no Reino Unido, uma vez que as restrições foram levantadas lentamente. A audiência estava sentada em cadeiras e com distância de segurança. Conseguimos testar ao vivo o álbum na íntegra e permitiu-nos estrear inúmeras músicas, como a Chaos Space Marine, a Concorde ou a The Place Where He Inserted the Blade, mas não foram tocadas com a mesma regularidade de canções como a Basketball Shoes ou a Good Will Hunting, que já existiam antes sequer de gravarmos o nosso primeiro disco.

Estávamos a falar sobre como estes discos eram diferentes: Ants From Up There tem um som mais maduro e polido. É este caminho que planeiam seguir nos vossos próximos álbuns?

Não acredito que vamos tentar fazer a mesma coisa duas vezes seguidas. O que estamos a escrever agora, apesar de ter componentes dos nossos trabalhos passados, é diferente, mas vamos aprendendo progressivamente na nossa caminhada, por isso é normal surgiram elementos repetidos na nossa música. Mas não estamos a pensar recriar ou seguir o mesmo som e marcas que deixámos nos primeiros. 

Sentem-se mais confiantes ao lançar o vosso segundo disco? Soam mais confiantes, até nas letras. No primeiro disco apresentavam-se como o “segunda melhor banda de tributo aos Slint” (na faixa Science Fair), mas agora, a primeira frase que ouvimos é que “Inglaterra é vossa”.

Todos nos sentimos afortunados pelo primeiro disco ter sido tão bem recebidos e os nossos fãs terem gostado tanto das músicas. Existe um sentimento de validação naquilo que temos feito, o que é muito bom. Portanto, suponho que todos nós estávamos mais confiantes. Mas também se devia ao facto de este ser o nosso segundo disco, o que nos fez sentir mais “sólidos” enquanto grupo.

Uma das principais diferenças entre os trabalhos é a violência imprimida nos instrumentais, o que não existe tanto neste disco. Exorcizaram toda essa agressividade no For The First Time?

Não era o tempo nem o espaço certo para fazermos música agressiva, zangada ou nervosa. Estas músicas foram escritas numa sala durante um profundo inverno inglês. Naquela altura, a única coisa que podíamos fazer era compor música, mas não era algo que nos preocupava, existia um grande sentimento de conforto dentro da nossa sala. Por isso, acho que não nos queríamos colocar na posição em que, estando entre amigos, estávamos a fazer música que nos deixasse ansiosos ou zangados. Estávamos só a fazer música que nos fizesse sentir bem, era o que fazia mais sentido na altura.

O facto dessas músicas terem sido criadas antes de terem sido testadas ao vivo influenciou o som?

Sem dúvida, por isso é que não soam tão energéticas ou pulsantes como os trabalhos anteriores, e é possível sentir essa distinção entre as músicas mais antigas e as criadas durante as sessões que referi.

Uma das imagens recorrentes deste disco é o avião Concorde: está na capa do disco, nas letras, é o título de uma das músicas. Quando é que decidiram que o Concorde seria usado como uma metáfora recorrente no disco?

Pessoalmente, não fui eu que escrevi as letras de nenhuma destas canções, por isso, a decisão de usar o Concorde, partiu do Isaac. Mas, entre o grupo, existe uma memória partilhada de cada membro, em alturas diferentes da nossa infância, ter visitado um museu nos arredores de Cambridge, que tem imensos aviões, e, um dos modelos expostos, é o Concorde. Todos tivemos esta estranha sensação de partilharmos esta imagem de um avião impressionante e estranho, que de certa forma, parecia quase extraterrestre, como uma nave espacial, quando éramos apenas minúsculos. Acredito que isso pode ter causado um certo impacto subconsciente em todos nós.

É a metáfora perfeita para este disco, quando o Isaac canta, na Basketball Shoes, que o “Concorde entra no seu quarto e destrói toda a sua casa”, é uma imagem muito forte e bonita.

Mais uma vez, não me cabe a mim falar sobre as influências das letras, mas é definitivamente uma imagem muito poderosa e um testamento da importância do Isaac nas nossas músicas.

Existe algo que é impossível de escaparmos nesta conversa, que é o facto de Isaac ter abandonado o grupo. Mas o que gostava de saber e, suponho, todos os vossos fãs, é: qual vai ser o próximo passo e se isso vai afetar o vosso.

Essa foi uma das razões pela qual eu me atrasei para esta entrevista, estive agora mesmo num ensaio do grupo, onde estivemos apenas a escrever músicas. Posso confirmar que os nossos novos trabalhos vão soar a Black Country, New Road. Se fosse soar completamente diferente mais valia trocar o nome do grupo. Não existe algo definitivo ainda para a banda, ainda estamos a avaliar este novo terreno. Posso confirmar que estamos a soar bem, é o que posso dizer para já.

Não é a primeira vez que uma banda passa por esta situação, basta recordar o exemplo dos Pink Floyd, que tiveram de substituir o seu primeiro vocalista, o Syd Barrett.

É engraçado porque nós também somos de Cambridge. A música Another Brick in the Wall Pt. 2 é sobre a mesma escola onde eu, o Lewis [Evans, saxofonista] e a May [Kershaw, teclados] estudámos.

Considerariam adicionar um “David Gilmour” à vossa banda?

Não. Não vai entrar ninguém novo na banda, posso garantir isso. De tudo aquilo que está a fluir no grupo neste momento é que não precisamos de mais membros na banda. Já somos demasiados (risos).

Mas quem é que vai acarretar a responsabilidade de cantar? Ou vão optar por ser uma banda apenas instrumental?

Estamos a tentar democratizar as responsabilidades vocais. O nosso plano, independentemente do que nos fosse acontecer, era dividir mais as vozes nas canções. Atualmente, estamos a trabalhar em algumas canções da Tyler [Hyde, baixista, filha do músico Karl Hyde do grupo de eletrónica Underworld], onde é ela a cantar. Mas não a descreveria como a nossa nova principal vocalista. Da mesma maneira que não consideraria o Isaac como o nosso principal vocalista. Apenas aconteceu que nos nossos primeiros álbuns era ele a fazer a maior parte das vozes principais. Mas era um desejo da banda que fosse algo transitório e que todos tivéssemos uma oportunidade de cantar. No futuro, a nossa audiência vai ouvir um pouco mais todas as nossas vozes nos próximos trabalhos.

Esse também foi um elemento que apareceu um pouco mais neste disco, com mais coros e vozes secundárias nas canções.

Sim, foi um dos elementos mais porreiros deste trabalho, todos gostamos de cantar no grupo.

Esta notícia abriu um importante diálogo sobre a saúde mental na música, algo que no passado já tinha acontecido com Syd Barrett,  que viu a sua vida ser destruída por causa deste problema. Este é um assunto que os Black Country, New Road vão abordar no futuro?

Não acredito que vamos estar a insistir neste diálogo na perspetiva da banda. Acho que é uma conversa muito importante de se ter e é muito importante preocuparmo-nos com a nossa saúde mental e discuti-la de uma forma aberta, mas não queremos tornar o Isaac numa figura talismânica, para o usarmos como forma de impulsionar a banda ou algo do género. É um assunto complexo, mas, no fundo, eu não sou o Isaac e não sou eu que estou a sofrer. Por isso, não me sinto confortável em falar por ele ou a usá-lo como um exemplo para nada. Mas claro que sinto que é um assunto extremamente importante de se discutir e que atinge muitas pessoas na indústria musical, especialmente para os artistas que, de alguma forma, adotam a “performance” na sua arte. Temos tido muita sorte na nossa jornada, inclusive com esta notícia, porque as pessoas têm sido muito compreensivas e oferecido o seu apoio. 

Foi uma surpresa para o grupo quando receberam a notícia [de que Isaac Wood não se sentia capaz de continuar a cantar e tocar?

Não quero abordar esse assunto e descrever como é que este processo aconteceu dentro do grupo, espero não estar a ser rude ou mal-educado.

De todo. Este é um assunto bastante sensível, enquanto um grupo de amigos. Mas se lermos as letras deste disco elas podem ser interpretadas como uma despedida por parte do vocalista. Uma música que tem sido apontada nesse sentido foi a Basketball Shoes, onde no final da canção o vocalista agradece o “generoso empréstimo que lhe foi feito”, mas a custo de um “doloroso juro”, como se estivesse a referir que apesar de ser bom receber todos estes elogios, toda a atenção que recebeu teve um custo doloroso.

Não fui eu que escrevi as letras, por isso, é difícil de responder. Essa é uma pergunta difícil, não sei como responder.

Já disseram que não iriam voltar a tocar as músicas escritas pelo Isaac ao vivo. Isso quer dizer que não vamos ter a oportunidade de ouvir ao vivo as músicas de Ants From Up There?

De momento estamos a tentar focar-nos em escrever músicas novas e preparar-nos para poder tocá-las ao vivo. As músicas de Ants From Up There foram criadas pelos sete, mas de momento parece errado subirmos para palco e tocarmos estas músicas quando um dos elementos já não faz parte da banda. Muito porque não seríamos capazes de lhes fazer justiça, pela falta de um elemento. Estamos muito entusiasmados para dar concertos e vamos fazê-lo durante o verão, mas quando o fizermos é sob o signo de Black Country, New Road. Os nossos fãs têm sido muito compreensivos em relação à saúde mental do Isaac e espero que isso se estenda também aos futuros concertos da banda, porque continuamos a ser a mesma banda. 

Os Black Country, New Road estão em dívida com Portugal, uma vez que foram obrigados a cancelar vários concertos aqui. Quando é que vamos ter oportunidade de vos ver ao vivo e a cores?

Espero que muito em breve. Como disse, se pudéssemos ter feito esses concertos, teríamos feito sem pensar duas vezes. Mal podemos esperar por ir a Portugal e posso garantir que vai ser em breve. Mas, para já, temos que preparar os nossos concertos e garantir que vão ser bons. Na altura certa estaremos em Portugal e não vai demorar muito tempo.