Um pouco por todo o planeta, empresas habituadas a contratar com facilidade, ansiosas para tentar compensar as perdas sofridas com a pandemia, dão por si a enfrentar escassez de mão-de-obra.
Nos EUA, conhecidos pelas suas condições laborais precárias, empresas deparam-se com trabalhadores com mais margem de manobra, decididos a não aceitar o primeiro emprego que aparece, e vêm-se obrigadas a oferecer melhores condições. Até na China, em tempos a fábrica do mundo, há muito que o crescimento económico à base de mão-de-obra barata deixou de ser opção, com uma população cada vez mais envelhecida, mas o problema agravou-se com a pandemia, com cada vez mais jovens a fugirem do setor fabril para o serviços, à procura de melhores condições.
Já a Austrália pretende duplicar a entrada de imigrantes ao longo dos próximos anos; o Japão – outro país que é muito avesso à imigração – quer mais trabalhadores vindos de países como o Vietname, para setores como a agricultura, indústria e limpezas, que estão em quebra; Israel aposta em profissionais de saúde nepaleses; o Canadá procura receber mais de 1,2 milhões de imigrantes até 2023. Tudo países envelhecidos, a tentar atrair trabalhadores vindos do estrangeiro.
O certo é que, perante a instabilidade causada pela covid-19, face às constantes alterações às restrições de viagens ou a incerteza que trazem variantes como a omicron, não é o momento mais fácil para se pensar no futuro, mudar de vida e ir viver para outro país. Não espanta que o número de pessoas que imigrou para os países mais ricos tenha caído a pique.
Aliás, a descida na imigração para os 38 países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) bateu uma média de 30% em 2020, anunciou a organização em outubro.
Daí que o Governo alemão tenha feito questão de anunciar alto e bom som que o país está de portas abertas, sobretudo para trabalhadores qualificados. “Hoje temos 300 mil vagas de emprego abertas e esperamos que ultrapassem um milhão”, salientou Robert Habeck, vice-chanceler e líder dos verdes, que estão num Governo de coligação com os liberais e o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, na sigla alemã), do chanceler Olaf Scholz.
“Se não colmatarmos essa lacuna, teremos verdadeiros problemas de produtividade”, continuou Habeck, em conferência de imprensa. “Temos de ter uma melhor combinação de qualificações, formação e que haja possibilidades para famílias e empregos, mas na Alemanha teremos de ter certamente mais imigração, e em todas as áreas, para engenheiros, artesãos, cuidadores”, frisou o vice-chanceler. “Temos de organizar isto”.
Assistimos a problemas semelhantes por todo o continente europeu. Em Espanha, são necessários mais de 15 mil camionistas para suprir necessidades, e espera-se que cheguem a faltar 400 mil operários de construcão civil, quando houver o antecipado boom da construção com a “bazuca europeia”, alertaram associações patronais ao El País, num momento em que não falta trabalho no setor, quando tantas famílias confinadas se aperceberam que afinal precisavam de obras em casa.
Na Holanda chega a haver 126 vagas por cada 100 desempregados, mostram os dados do Gabinete Central de Estatísticas (CBS), sendo esperado que esta escassez de mão-de-obra bata recordes no primeiro trimestre de 2022, sobretudo nos setores da informática e da banca. Em França, mais de 40% dos funcionários da hotelaria e restauração trabalham em empresas que enfrentam escassez de mão-de-obra, mostram dados do Ministério do Trabalho, citados pelo Le Monde.
A lista de países e setores que enfrentam escassez laboral poderia continuar por aí em diante. A pandemia pode ter agravado a situação, mas é uma tendência bem mais profunda. “Muitas das economias da eurozona já experienciavam uma falta de trabalhadores qualificados pré-pandemia, devido ao envelhecimento”, lembra um relatório do ING Think.
Afinal, trata-se de um continente com uma média de 1,53 filhos por mulher em 2019, segundo os dados do Eurostat, oscilando entre 1,14 em Malta e 1,86 em França. Em contraste, entre mulheres imigrantes na Europa o número de filhos está em crescimento desde 2013 – no Luxemburgo, chegam a representar mais de 65% dos nascimentos, muitos deles certamente oriundos da comunidade portuguesa – e os apelos a abrir as portas à imigração para enfrentar a quebra na natalidade aumentam.
Mas o desafio que a Europa enfrenta, no que toca a enfrentar os impactos mais imediatos da covid-19 na força de trabalho, empalidecem comparado com a crise de escassez laboral nos EUA. Enquanto em boa parte da Europa os Governo apostaram de forma sem precedentes em medidas como o layoff, para evitar despedimentos, o mesmo não se sucedeu nos EUA, deixando milhões desempregados, recebendo apoios do Governo federal devido à pandemia. Muitos, insatisfeitos com os seus trabalhos anteriores, aproveitaram para ganhar formação, outros tentaram apostar em conseguir trabalho em setores mais bem pagos ou com mais condições. Deixando os setores da restauração, hospitalidade ou outros serviços à beira do colapso, quando tentaram reabrir – este inverno ainda terão de lidar com um tsunami de baixas devido à Omicron.
Para piorar a situação, nesse mesmo ano houve um pico de reformas antecipadas, deixando muitos boomers fora do mercado de trabalho. Frequentemente sob pressão dos seus empregadores, por desfrutarem de salários mais altos que os seus precários colegas millennials, outras vezes por opção própria, por receio de contrair covid-19. Ao mesmo tempo, nem sequer tinham imigrantes para os substituírem, com a política migratória americana praticamente congelada entre a Administração de Trump e a de Biden, estando as detenções na fronteira com o México a bater recordes.
“A pandemia tornou o desequilíbrio demográfico da humanidade ainda mais óbvio”, lê-se no New York Times. “Nações ricas rapidamente a envelhecer produzem demasiado poucos novos trabalhadores, enquanto países com excedente de pessoas jovens frequentemente não têm trabalho para todos”.