Pela quarta vez, um álbum de Lucky Luke. Não por falta de imaginação – espera-se – e muito menos ausência de material sobre que escrever, embora nem todo acessível. Depois de La Mine d’Or de Dick Digger (1949), título inicial em livro de um herói criado três anos antes, publicado entre nós pela Asa; Um Cowboy no Negócio do Algodão (também na Asa), um muito conseguido trabalho de Achdé e Jul, continuando o percurso de Morris, mas enriquecendo-o, leu-se também por aqui O Homem que Matou Lucky Luke, editado por A Seita, obra-prima de Mathieu Bonhomme, uma releitura da personagem, indo aos seus fundamentos, recreação, como temos dito equiparável à que Émile Bravo faz com Spirou em Joutnal d’un Ingénu e L’Espoir Malgré Tout (quatro tomos na Dupuis, a casa editora que o viu nascer). Tratando-se de uma homenagem, Bonhomme não se limita a seguir os passos de Morris, o que sucede com Achdé, também, crê-se, por disposição contratual.
Hoje trata-se de um outro tipo de homenagem, uma paródia, semelhante às esplêndidas Aventuras de Philip e Francis Nicolas Barral e Pierre Veys (edições portuguesas na Gradiva e Arte de Autor), um gozo às excelsas figuras de Blake e Mortimer. Entre Lucky Luke Muda de Sela, de Mawil, e o já anunciado Choco-Boys, de Ralph König, A Seita publicou recentemente Jolly Jumper Já não Responde, de Bouzard (Paris, 1968), autor com larga colaboração em periódicos como Fluide Glacial, Spirou, Libération ou Le Canard Echainé.
Este paralelo que fizemos com As Aventuras de Philp e Francis levanta uma questão: enquanto que Blake e Mortimer é uma série de perfil realista, Lucky Luke é já de si uma paródia ao imaginário do Oeste americano; e a dúvida é esta: pode a paródia de uma paródia funcionar? Sim, pode, não apenas pelo mérito de Bouzard, como o de Morris, cujo universo verosímil, potenciado posteriormente num sentido de maior comicidade por Goscinny, torna-o um dos melhores westerns dos quadradinhos, mesmo na sua vertente humorística. Todas as grandes figuras e toda a paisagem, ou seja a mundividência desse imaginário que se universalizou em grande parte graças ao cinema e o melting pot, têm lugar em Lucky Luke, o que explica também tanto o êxito como a longevidade da série, assim como as metamorfoses por que tem passado.
Em Jolly Jumper Já não Responde, Bouzard oferece-nos um desastrado Luke, a braços com o que parece ser uma depressão do bravo e inteligente cavalo, que não só já não se sente picado para uma partida de xadrez nem responde às deixas dos dono, algo que costumava fazer com uma verve aguda, atravessando apático a narrativa inteira. Pelo meio, múltiplas referências a aventuras passadas, a presença sempre marcante dos Dalton, desta vez com aparição da Mamã Dalton e de um dos vilões mais inesquecíveis destas histórias, Phil Depher, cujo fácies Morris foi buscar a Jack Palance, brincadeira que repetiria em O Caçador de Prémios. Obrigatório para luckylukófilos.
BDTECA
Abecedário
V, de Valérian (Jean-Claude Mézières e Pierre Christin, 1967). Agente espácio-temporal do século XXVIII, Valérian e a esplêndida Laureline, colega e companheira em pé de igualdade, paladinos da liberdade contra a tirania por esse Cosmos além.
Livros
O Pescador de Memórias, texto de Miguel Peres, desenhos de Majory Yokomizo. Um belíssimo argumento que aborda o problema da doença de Alzheimer. “Lethe está preso numa ilha deserta, sem se lembrar como lá chegou. A sua única esperança de salvação está na pesca de fragmentos de memória que flutuam pelo mar, peças fulcrais na busca de recuperação da identidade. Um retrato pungente daqueles que sofremos os seus últimos dias com a doença de Alzheimer e uma história sensível sobre o significado das recordações e da família.” (Kingpin Books)
Mezkal, texto de Kevan Stevens, desenhos de Jef, depois da morte da mãe, um jovem americano faz-se à estrada sem destino. Entre o encontro com uma jovem índia que tem por tutor um velho xamã com estranhos poderes e um cartel de droga mexicano que o força a fazer serviços, sem falar no Hell’s Angels… Um road movie em BD. (Soleil)