O Centro serve só para ganhar eleições?


Portugal precisa de uma visão integrada, previsibilidade, sustentabilidade, senso e sentido de equilíbrio e de justiça.


O Centro, essa entidade mítica que desequilibra as balanças eleitorais, está de novo centro das atenções e da cobiça dos principais partidos políticos, num esforço de evidente guinada dos seus posicionamentos políticos em função das governações mais recentes.

O PSD recentrou-se para se abalançar a um eleitorado que foi secundarizado pela governação do PS, ao aliar-se à esquerda à sua esquerda e ao anuir um conjunto de opções políticas de afago a nichos eleitorais ou a visões particulares da sociedade portuguesa. O exercício serve também para virar a página da governação e da perceção popular dos últimos governos do PSD, liderados por Passos Coelho e por Paulo Portas, algo que as eleições autárquicas em Lisboa tinham materializado com a eleição de um dos rostos da austeridade passada e das interações com a troika.

O PS procura recentrar-se para ganhar o eleitorado que falta para uma maioria absoluta, depois de, a partir da solução governativa de esquerda, ter captado parte dos eleitorados do Bloco e do PCP, procurando agora que a instabilidade do chumbo do orçamento de Estado para 2022 seja penalizada através de um voto útil que supere as negociações forçadas ou evidencie a supremacia da legitimidade de António Costa face aos anteriores e aos novos parceiros de solução governativa.

O desafio político não é fácil, desde logo, internamente, nas estruturas partidárias. Rio, sai de um congresso com legitimidade reforçada, mas com um partido ainda muito comprometido com a governação e a herança de Passos Coelho. Costa esforça-se por recentrar o PS, depois de o ter acantonado à esquerda e de ter implantado um ambiente em que quem defendia o Centro, a matriz de sempre do partido, era fustigado pela tribo de turno e pelas novas gerações cada vez mais comprometidas com visões descentradas da sua história, em linha com o genuíno posicionamento de Pedro Nuno Santos e dos artífices do seu projeto. Portanto, o atual esforço eleitoral de arquivamento do liberalismo e do esquerdismo empedernido conta com resistências internas, a imagem pública das lideranças e o histórico dos partidos. A questão é saber se, havendo uma base de grande resistência ao posicionamento ao Centro, a narrativa política é para ser levada a sério, para ser consequente, ou se é apenas para sacar os votos, fazendo depois fazer o que a sobrevivência política ditar, o que nem sempre coincide com os interesses nacionais e da média dos diversos segmentos da população.

É natural que exista um grande esforço de campanha para atrair o voto mais mobilizado dos idosos e dos trabalhadores da Função Pública, mas o país não se esgota nesses segmentos, sempre centrais na governação do país.

Em Portugal, não se resolveu a pobreza e a exclusão social, mas tem-se estado a implodir boa parte da classe média, fustigada pela carga fiscal direta e indireta, pelo pouco crescimento da economia, pela degradação da capacidade de resposta dos serviços públicos e pela dificuldade em pagar as contas com o que se ganha e ambicionar um pouco mais de margem para o usufruto de qualidade de vida e de previsibilidade em relação ao futuro. É claro que há muitos funcionários públicos que estão neste segmento, mas também há os que estão no setor privado e social. A desqualificação política, social e fiscal da classe média, por exemplo de quem aufere rendimentos acima dos 1500 euros líquidos, projetou-os para um patamar de “riqueza” em que são olhados de soslaio por muitos protagonistas políticos que influenciam a governação e pelo fisco. São os novos-ricos, apesar de serem pouco mais que sobreviventes da ânsia do fim do mês. A governação que se mobiliza para aumentar o salário mínimo nacional não se tem importado em estagnar os rendimentos da classe média como se fossem os novos-ricos com salários de 1500, 2500 ou 3500 euros, fruto do seu trabalho, do mérito e da capacidade de os empregadores pagarem esses salários, apesar da carga fiscal a que estão sujeitos.

Em matéria de rendimentos do trabalho, não tem havido nenhum esforço sustentado de atenção além do positivo aumento do salário mínimo nacional, cuja aproximação ao salário médio coloca novos problemas que não têm sido acautelados, porque o foco era responder ao básico e aos parceiros de solução de Governo, mesmo que à margem da Concertação Social. O país não pode continuar a querer distribuir o que não tem, a impor o que não é sustentável e a olhar apenas para partes da sua realidade.

Portugal precisa de uma visão integrada, previsibilidade, sustentabilidade, senso e sentido de equilíbrio e de justiça. Bem sei que são bens escassos na velocidade e volatilidade dos nossos dias, em que até destinamos apenas 25 minutos ao debate do país e horas aos comentadores das rapidinhas eleitorais.

O Centro que está no centro do esforço eleitoral dos dois maiores partidos, constituído em boa parte pelos cidadãos da classe média, do público e do privado, não pode ser apenas um instrumento de acesso a soluções governativas que não respeitem a vontade popular, que não sejam geradoras de estabilidade e do sentido de responsabilidade de trabalharem para todos e não apenas para os nichos eleitorais, os acervos ideológicos ou a sobrevivência política. Podem ser perdoados por querem fazer agora o que não fizeram nos passados remotos ou recentes, mas ninguém lhes perdoará e colocarão em causa o sistema democrático se prosseguirem a trajetória de desqualificação da classe média. Estarão a dar mais campo para os extremismos radicais. Já foi assim no passado, será pior no futuro. É bom que o uso e abuso do Centro nestas eleições seja mais que um expediente de captação de votos. E a 30 de janeiro, é ir votar mesmo, por si, pelo país que precisamos de ser.

 

NOTAS FINAIS

PIRATAS DIGITAIS. O cibercrime é um dos maiores desafios da atualidade. O ataque ao grupo Imprensa é muito grave por se constituir num bloqueio ao exercício da liberdade de imprensa. Os fins justificarem todos os meios nunca foi um bom princípio, nem antes nem agora. Imagine-se agora que para além dos impactos registados, os piratas tinham resgatado as comunicações digitais, os emails, de todos os que trabalham no grupo nos últimos 10 anos e começavam a divulgar. Um criminoso é sempre um criminoso, não goza de nenhuma geometria variável de atenuação da qualificação. O alegado jornalismo de investigação feito em cima de produtos resultantes do cibercrime ou as autoridades de justiça que recebem a colaboração de cibercriminosos para não terem de fazer o seu trabalho estão em condições de se queixarem ou investigarem estas ocorrências miseráveis?

PIRATAS REAIS. Há territórios do país à margem do Estado de Direito. Li que juízes de um território se recusaram a realizar as investigações judiciais normais em qualquer parte do país, até com lamentáveis concertações com os media em violação do segredo de justiça, por serem próximos e visita de casa de um clube do Porto. E não há uma comoção nacional? E o Conselho Superior de Magistratura não age, não diz nada? É inaceitável que a justiça funcione a toque de venda de jornais ou de tempo de emissão.

Escreve à segunda-feira