A manchete de ontem do i dava conta do arraso de audiências que o ‘Big Brother Famosos’ deu aos primeiros frente a frente para as eleições legislativas. As tropelias de Bruno de Carvalho & Cia. prenderam 2 milhões de pessoas ao ecrã, enquanto o combate entre Catarina Martins e André Ventura se ficou por uns modestos 200 mil espetadores – dez vezes menos. Isto não quer dizer que, na escala de prioridades, os portugueses deem mais importância à fofoca e à frivolidade do que ao desenho do futuro do seu país – que, invariavelmente, depende dos humores dos protagonistas sentados à mesa naquela noite de domingo.
A questão é que, como sempre, entre o original e a cópia as pessoas preferem sempre o original.
Quando nos aproximamos de mais uma eleição em tempos de pandemia, estes números deveriam motivar uma reflexão sobre o modelo encontrado para os frente a frente.
Até dia 30 de janeiro, o eleitorado poderá acompanhar cerca de 30 debates nas televisões. Cada um com 25 minutos. Repito: 25 minutos é o tempo que as campanhas dos partidos e as televisões consensualizaram para apresentarem aos portugueses quem se propõe governar o país.
Os debates foram condenados aos mesmos princípios da dieta de Twitter, Instagram e Facebook que faz parte do menu dos cidadãos digitais. Este modelo prioriza a simplificação e a demagogia sobre a reflexão e a verdade. Dá palco à impressão e subalterniza o impacto. Ganha quem fala mais alto e quem diz mais coisas em menos tempo. É clickbait em forma de frente a frente.
A verdade é que a política é mais complicada e mais importante para as nossas vidas do que os princípios da economia da atenção que nos levam a saltar de post em post, story em story, ou tweet em tweet. Desde o início dos tempos que os debates, a oratória e a retórica fazem parte da vida democrática. Esta sobre-simplificação da forma tem um custo na degradação do conteúdo da democracia, que é agravada pela fraca preparação da generalidade dos candidatos a primeiro-ministro de Portugal.
Pergunto: há alguma ideia para o futuro do país (quanto mais um programa) que envolva o mínimo de complexidade, que possa ser debatida com critério em 25 minutos? Do que já se viu, há algum português que tenha ficado minimamente esclarecido sobre as escolhas que pode fazer no dia 30 de janeiro?
Como é evidente, este ambiente é muito mais favorável aos extremos, que tendem a usar estes palcos como amplificadores das suas tiradas demagógicas e das suas mensagens escandalosas. O populista vive no mundo da simplificação. Dispensa-se de explicações. Não elabora sobre grandes políticas públicas capazes de mudar o país – porque não sabe. São as ideias, não os escândalos, que precisam de tempo para fazer o seu caminho. Vinte e cinco minutos é a medida do tempo dos populistas, de esquerda e de direita, não daqueles que se propõem governar o país.
Ainda que o modelo crie uma certa ideia velocidade, de dinâmica, estamos naquele estado de “paralisia frenética”, a feliz expressão do sociólogo Hartmut Rosa, que retrata uma realidade em que tudo se move numa torrente tão imparável que a mudança e a reforma ficam longe do nosso alcance. É precisamente neste ponto em que estamos.
Partimos para a campanha eleitoral em ambiente pandémico. Com os partidos fora das ruas e os microfones dos comícios calados. Mais do que nunca nos tempos recentes, os eleitores precisavam de ser esclarecidos. Com uma crise de saúde pública a definir o nosso presente, e um conjunto de pandemias social, económica e climática a ameaçar o nosso futuro, os partidos decidiram expor–se menos em vez de se engajarem mais.
Os especialistas em comunicação e os marketeiros dirão que as pessoas não têm tempo e que este é o modelo mais capaz de captar a atenção do povo que vota. A avaliar pelas audiências o argumento não colhe. Mas mesmo que tal assunção fosse verdadeira, tenho uma novidade: ao contrário da ditadura, que é poupadinha, a democracia tem custos.
Tem custos financeiros que se traduzem nas subvenções aos partidos, nas campanhas ou nos salários que pagamos a quem nos governa. Mas também tem custos medidos em tempo. O exercício da liberdade informada implica conhecer e refletir, e certamente por participar civicamente e votar. Isto é: investir tempo.
Não há democracia sem custos. Não há liberdade sem sacrifícios.
Os debates de 25 minutos são apenas o culminar de um processo de simplificação da vida política e de infantilização do eleitorado que, paradoxalmente, só pode tornar o regime menos livre e menos democrático.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira