Como vê a proibição dos saldos e a limitação do número de pessoas por metro quadrado?
Durante muitos anos, os saldos e as promoções só eram feitos em janeiro. Só há quatro ou cinco anos é que passaram a existir a seguir ao Natal e as pessoas habituaram-se a isso. Aliás, havia a expectativa do lado dos consumidores em fazer compras depois disso porque os preços eram mais baixos e do lado dos comerciantes a expectativa de que iam desenvolver mais o seu negócio nesta época. Uma situação que ajudaria, pelo menos, a colmatar parte dos problemas que houve este ano.
Os últimos meses, em geral, não foram maus, mas não chegaram para recuperar dos encerramentos e dos períodos em que houve restrições, principalmente do primeiro semestre de 2021. Apesar de este segundo semestre ter sido melhor, e em particular os últimos meses, não chegou para colmatar essa quebra e muitos comerciantes tinham a expectativa de poderem agora recuperar parte do seu negócio, mesmo que não atingissem os números de anos anteriores.
Isso é negativo, até porque, mesmo que as pessoas em janeiro pensem comprar aquilo que estava previsto nesta época, nem sempre isso sucede porque quanto mais tarde forem os saldos mais avançada está a época de inverno e muitos desistem de algumas compras.
E em relação às medidas de apoio para compensar?
Mesmo que venha a ser parcialmente compensado já não tem efeitos sobre as contas de 2021. Houve um conjunto de medidas tomadas no ano passado que permitiram, por exemplo, o adiamento de pagamentos, em que algumas permaneceram mas de uma forma muito mais limitada.
Por outro lado, há outro aspeto que influencia a temática das compras que é o teletrabalho. Mesmo não havendo restrições à mobilidade, o teletrabalho restringe a área de influência onde as pessoas se movimentam. As zonas mais afetadas quer com os saldos, quer com o teletrabalho são aquelas que estão localizadas predominantemente em zonas de comércio e de escritórios, como as baixas das cidades.
Toda esta situação vai contribuir para um menor número de vendas. Também a questão das restrições em relação ao número de pessoas por metro quadrado, apesar de nunca ser positiva para o negócio, é mais flexível do que as que foram aplicadas no ano passado em que permitia cinco pessoas por 100 metros quadrados, enquanto agora são 20.
Seria necessário avançar com mais apoios?
Há um conjunto de medidas que estão relacionadas com a tesouraria, com os pagamentos de impostos diferidos e tinha sentido neste momento voltar a colocá-los na mesa. A nossa expectativa não é muito grande porque vamos entrar num mês eleitoral e não vai ser fácil um Governo de gestão tomar medidas muito profundas, até porque há limitações orçamentais: duodécimos, etc.
Chegou a dizer que os apoios chegavam tarde. Já está tudo regularizado?
Os apoios mais antigos estão regularizados. Agora a grande preocupação que temos é o risco de se prolongarem as restrições que está previsto acabarem dia 9 de janeiro. Isso então seria desastroso.
Desde o início da pandemia até agora tem noção de quantas empresas fecharam as portas?
Houve bastantes, os números das falências existem e são oficiais e vê-se que cresceram bastante. Mas o problema aqui não são as falências, são as que fecharam naturalmente as portas. Aí houve um impacto maior na restauração do que no comércio propriamente dito, que apesar de ter existido foi menor.
E a restauração, além dos problemas de restrição, também foi afetada pela questão de mobilidade, principalmente as zonas de escritórios por causa do teletrabalho e também teve o impacto do turismo. O comércio também sofreu em algumas zonas, principalmente nas mais turísticas.
E este Natal foi balão de oxigénio para as empresas?
Houve bastantes empresas que recuperaram, mas não foi suficiente.
E agora são confrontadas com o aumento do salário mínimo nacional…
O crescimento do salário mínimo nacional vai para consumo, porque uma pessoa que tenha mais 30 ou 40 ou 50 euros por mês não consegue fazer aforro. Por outro lado, temos empresas, especialmente as de pequena dimensão, para quem esse aumento vai ter um peso porque não pode ser só visto numa lógica do aumento do salário de 665 para 705 euros mensais. Também vai encarecer outros custos, como a taxa social única, etc. Ou seja, o aumento o salário mínimo acaba por ter um impacto sobre um conjunto de custos maior do que meramente o salário nominal.
Mas o Governo prometeu dar algumas compensações…
O Governo comprometeu-se para que o aumento do salário mínimo tenha menos impacto nas empresas em dar por cada pessoa que for aumentada uma compensação equivalente ao acréscimo que a empresa tem em termos de custos de TSU. Ou seja, a empresa na prática suporta este ano, o aumento do salário nominal, mas o crescimento em termos de taxa social única é pago de uma vez.
É suficiente?
Nessas coisas somos muito pragmáticos. No passado, o que funcionou melhor foi a baixa da TSU. Neste caso, não é uma situação que vá cobrir totalmente as diferenças, como é evidente, mas pelo menos minimiza um efeito dos custos.
E a par do aumento do salário mínimo, as empresas deparam-se ainda com subidas de custos, comoo da energia, transportes entre outros custos…
Vai penalizar e, acima de tudo a partir de certo nível, começa a penalizar o consumo. Neste momento há matérias-primas que aumentaram 40, 50 e 60%. Os combustíveis, que representam cerca de 30% dos custos, aumentaram brutalmente. O mesmo aconteceu com os custos da embalagem. E há setores que vão ser mais atingidos e a partir de certa altura, independentemente dos aumentos salariais, as pessoas perdem poder de compra face a este aumento dos custos galopante.
Esses aumentos já se refletiram nos produtos finais neste Natal?
Sim. Até mesmo no alimentar. Os cereais aumentaram muito e há uma série de componentes alimentares que estão a ter um incremento bastante alto. Já não estávamos habituados a termos certos tipos de fornecedores da indústria a apresentarem aumentos três e quatro vezes por ano. Normalmente havia um ajustamento anual, agora isso já não acontece, o que altera a gestão de stocks e causa problemas de adaptação a esta nova realidade.
O comércio online já está a fazer mossa às lojas físicas?
É claro que é um concorrente e, nestas alturas de limitações, é normal que o crescimento online cresça. Durante a pandemia, o comércio online registou um crescimento que estava previsto ser alcançado em cinco anos. Por outro lado, não há limitação de promoções no comércio online, até porque se houvesse, seria pior porque o Governo percebeu que levaria as pessoas para sites estrangeiros. Teria um efeito perverso.
O crescimento depende das áreas, mas há muitas em que o comércio online já pesa muito, nomeadamente no vestuário. Mas ainda não é nada que ponha em causa a existência do comércio físico, até porque há sempre o aspeto psicológico de as pessoas gostarem de mexer no produto.
O seu sucesso varia consoante as gerações?
A pandemia teve um efeito interessante porque houve muitas pessoas que não recorriam ao comércio online e passaram a usar. E estamos a falar de faixas etárias altas como também subiu no caso das pessoas com níveis de literacia baixas. Isso mostra que com a pandemia teve um efeito brutal de expansão.
Outro problema que está a afetar as empresas é a falta falta de mão-de-obra. O comércio também sente isso?
É um problema bastante generalizado. Há uma falta geral de mão-de-obra até porque com os valores existem, o desemprego é bastante residual. O comércio também já sente esse problema, mas há setores que estão a ser mais afetados. É o caso da restauração, da hotelaria, da construção civil. Mas isto é um problema generalizado, porque temos um problema demográfico. E aí o que defendemos é que é preciso apostar na imigração.
Temos defendido junto do Governo que se devem fazer acordos com os PALOPS e com outros países. O Governo fez um acordo com a Índia, portanto devem-se fazer outros para tentar que essa imigração seja organizada. No fundo é fazer aquilo que já faz o Canadá e os Estados Unidos, que são países de imigração há muitos anos.
O PRR devia olhar para estas questões?
O PRR será um instrumento importante se for canalizado em maior peso para os apoios às empresas. No entanto, as regras já estão bastante definidas e isso é uma coisa que nos preocupa porque, a partir do momento em que as regras foram definidas, a flexibilidade dos países para mexerem nelas não é muito grande. Devia ser feito um investimento muito alto na digitalização, na qualificação das pessoas, mas isso tem de ser programado de maneira a tentar criar dinâmicas, que permitam às empresas incorporar maior valor nacional, etc.
Não tem sentido definir o objetivo de exportações por volumes, deveriam ser definidos por valor acrescentado nacional. Infelizmente joga-se muito com as estatísticas meramente de volume. Também as taxas de execução historicamente são controladas em termos se ‘gastou ou não gastou o dinheiro’ e não qual foi o efeito que esse dinheiro teve no desenvolvimento da economia.
Outra preocupação diz respeito ao Portugal 2030…
O Governo deveria ter arrancado em 2021 com os fundos de coesão europeia, mas só apresentou um conjunto de indicações de funcionamento que, na nossa opinião, não corrigem algumas das fraquezas do último programa de apoio europeu de financiamento. E esse programa vai agora atrasar até por causa das eleições. O Governo não vai assinar o acordo de parceria com a União Europeia nessa área. Até o poderia fazer em termos formais, mas optou por não o fazer.
O Governo afirmou muito que o PRR não iria incidir muito nas empresas porque isso seria feito com o Portugal 2030, mas nesta área também está a ser uma desilusão. Não só pela forma como está a ser organizada, como também pela maneira como se preparam os concursos. Tudo isso deixa-nos muitas dúvidas sobre a sua eficácia.