Como vê a situação da economia portuguesa? A OCDE e o próprio Fórum para a Competitividade têm deixado alertas e acenado com riscos…
Acho que ninguém pode prever muita coisa. Estamos a entrar um bocado num período em terreno desconhecido. Neste momento, as autoridades monetárias estão a defender a tese de que a subida da inflação é consequência natural de um período de ajustamento para choques que foram relativamente grandes, nomeadamente nas cadeias de abastecimento. É evidente que não sabemos se dizem isso porque estão convencidos ou porque lhes dá jeito para a política que querem seguir, que é sobretudo a de não subirem as taxas de juro. Não há nenhum Governo que fique satisfeito se falar na hipótese de subir as taxas de juro.
Alguns até ficam à beira de um ataque de nervos…
Ficam todos à beira de um ataque de nervos. Estou convencido que vamos continuar a ter uma política relativamente acomodatícia. Nos Estados Unidos já foram anunciadas as subidas das taxas de juros. Mas acho que é previsível haver um acentuar da discussão entre os países mais conservadores fiscalmente e os menos conservadores. Aliás, quem tem uma boa situação económica e financeira acha que isso não pode continuar e que não se pode ter este gastar de dinheiro nestas quantidades, já os do sul da Europa encaram com grande dificuldade esta possibilidade do BCE de vir a subir as taxas de juro. O que venha a ser a posição do Governo alemão vai ser determinante na possibilidade de haver ou não algum entendimento em relação à política económica que se vá seguir. O novo chanceler é antigo ministro das Finanças e o SPD sempre foi bastante conservador em termos de política financeira, apesar de as pessoas poderem ter uma ideia mais ou menos convencional de que Merkel seria o falcão e agora viriam as pombas. Não me parece que seja assim, acho que ela não era nem falcão nem pomba.
Mas há quem já pareça ter muitas saudades de Merkel….
Acho que tomou muitas decisões erradas e foi muito atrás da opinião pública em assuntos, onde a opinião pública, muitas vezes, não estava suficientemente esclarecida ou não estava suficientemente esclarecida para formar uma opinião. A decisão de encerrar completamente toda a energia nuclear, que tem grandes vantagens em termos de não poluição, foi tomada a quente depois do acidente no Japão e para agradar às sondagens. Também em termos dos imigrantes veio criar um grande fator de divisão dentro da União Europeia e vai marcar bastante a possibilidade de chegar a posições relativamente consensualizadas em relação a políticas importantes e que tem levado a esta guerra com a Hungria e com a Polónia. Quase todos os países que estão mais perto dos muçulmanos olham para a hipótese de abertura com menos otimismo. Acho que somos capazes de ter dois ou três anos difíceis, em relação aos quais já mandamos pouco.
A juntar à pandemia…
Em relação à pandemia tenho as maiores das dúvidas porque, até agora, a variante Omicron não matou ninguém e é capaz de ser um sintoma da evolução benigna da pandemia para formas mais contagiosas, mas muito menos letais. Ou seja, pode significar uma transição para uma coisa mais vulgar, como as constipações ou outra coisa desse género. E acho que os governantes e a comunicação social continuam a manter uma agenda mediática muito focada nisso. Temos um Presidente da República que não gosta muito do tema e tudo isso faz com que seja super agitado, o que no caso de Portugal, ainda por cima, parece-me muito desajeitado porque temos números ótimos em termos de vacinação e, portanto, temos uma população muito protegida. Aqui na empresa fizemos uma avaliação e os números da imunidade são ótimos.
E ainda ficará mais protegida com a vacinação das crianças…
Não sei se a população vai ficar mais protegida. As crianças apanhavam pouco. Acho uma pena as crianças não serem infetadas naturalmente, porque isso dá uma proteção que dura mais anos e se calhar ficavam vacinados naturalmente não sei por quanto tempo.
Mas, por outro lado, evita o isolamento das crianças e as idas para casa…
Isso acontece porque as escolas e os professores estão desejosos de os mandar para casa. E essa medida dificulta a vida dos pais e das empresas, isso é um inferno. Não há qualquer consideração do lado do Governo com os problemas das empresas neste período, episodicamente vêm dizer que as empresas mostraram grande resiliência e que devemos estar gratos por isso. Mas depois na prática não é bem assim, esta legislação que foi feita do teletrabalho é uma coisa inacreditável. Fomos gozados nos noticiários internacionais, foi uma coisa que caiu pessimamente junto dos investidores estrangeiros e dos investidores potenciais porque ninguém sabe quais são as regras que vamos viver em relação ao teletrabalho.
E que dá o direito ao trabalhador de se desconectar…
As pessoas que não gostarem mudam de emprego. Hoje em dia, isso acontece com a maior das facilidades. Aliás, já está a haver uma mudança brutal. Há uma série de pessoas que decidiram – mas não é em Portugal é no mundo civilizado todo – sair daquele emprego e irem à procura de outra coisa ou que ficaram em casa. As pessoas não estão com medo do futuro e estão com reservas bastante elevadas em termos do dinheiro que pouparam nestes últimos dois anos.
E como vê obrigatoriedade do pagamento das despesas por parte das empresas na primeira semana de janeiro, em que o teletrabalho é obrigatório?
Isso vai dar origem a discussões intermináveis, porque tudo o que diz respeito ao trabalho, à tributação do trabalho, à incidência da Segurança Social em Portugal é muito complicado. A maior parte das pessoas não têm formação matemática e financeira para perceberem os descontos. Só um licenciado especializado é que percebe o processamento dos salários em Portugal. Não tenho dúvidas que a maior parte das pessoas recebe o ordenado ao final do mês e tem grandes dificuldades em perceber o que lhes está a ser pago e o que lhes está a ser descontado e depois como é que vão ser reembolsados no IRS. É tudo opaco e agora como é mais difícil arranjar pessoas para trabalhar, as pessoas voltaram a dizer que só vão trabalhar se não descontarem.
Mas isso é ilegal…
É porque tudo é feito de forma clandestina. Estão a receber da Segurança Social, o subsídio de desemprego e estão a trabalhar clandestinamente. Isso acontece imenso na construção civil e na agricultura.
E não há ninguém para fiscalizar…
Não é possível fiscalizar um país inteiro. A sua pergunta baseia-se na ilusão de que é possível fiscalizar uma percentagem mais do que residual das pessoas. Não é. Se for um comportamento de três ou quatro é possível, mas se começarem a existirem números elevados como é possível? Manda a inspeção a um campo, onde estão a pôr um olival novo, alguém consegue fiscalizar as 60 pessoas que ali estão?
Até pode fiscalizar e num dia estar tudo bem e no outro dia não…
Também pode acontecer, mas o que é certo é que não há pessoas para fazer essas fiscalizações.
E depois assistimos a casos como Odemira…
Em Odemira e em toda a parte. E aí porque é que não se fiscalizava? Porque não se queria fiscalizar.
O Sindicato da Construção disse ao i que existiam mesmo situações de escravidão, em que os trabalhadores ou não recebiam o ordenado ou recebiam metade porque parte do salário ia para angariadores..
Mas isso é um problema que existe há 10 ou 20 anos. E esse problema vai-se tornar mais gritante porque temos muitas pessoas que não querem trabalhar e o sistema permite que muita gente que, entre o rendimento social de inserção, o subsídio de desemprego e a renovação do subsídio de desemprego, só trabalha uns tempos para ser elegível para receber o subsídio de desemprego, depois passado um ano e meio voltam a trabalhar. Conclusão: trabalham metade do tempo que os outros trabalham. E a Segurança Social não controla isso.
É preciso uma ginástica para fazer isso…
Nem mais. O que incentiva as pessoas a trabalharem são os cálculos individuais, como fez por exemplo, a Suécia. A reforma feita na Suécia permite que as pessoas que contribuem mais têm alguma vantagem nisso. Aqui é ao contrário, as pessoas que contribuem menos é que têm vantagem: trabalham metade do tempo e recebem o mesmo, porque quando estão no desemprego estão a contar para a reforma. E em vez de trabalharem 40 anos conseguem com 20 fazer a mesma coisa.
E a pensão não será mais baixa?
Vai ser igual, porque o desconto é feito em relação ao último ordenado. A série de incentivos que foram criados na Europa para as pessoas não trabalharem é uma coisa impressionante e isso vai ter como consequência uma imigração enorme e depois as dificuldades de integração. Integrar um determinado número de pessoas já não é fácil, mas integrar 10 vezes mais esse número de pessoas é muito complicado. E depois é um inferno.
Qual é a solução de pôr as pessoas a trabalhar quando estão a receber os subsídios? Ou isso implica uma mudança de mentalidade?
A mentalidade não muda. As pessoas reagem a incentivos e a estímulos. Todas as políticas públicas ligadas ao emprego foram concebidas em períodos de desemprego elevado, em que havia uma grande preocupação com aqueles que não tinham trabalho. Mas isso desapareceu, atualmente vivemos praticamente em pleno emprego. Aliás, o Estado foi nos últimos tempos buscar mais 50 mil funcionários públicos porque achou que eram eleitores potenciais para o Partido Socialista e agora não há pessoas para trabalhar. Há uma dificuldade em encontrar mão-de-obra em variadíssimos setores. Como é que possível sermos tão mal governados que temos pessoas mais qualificadas e a produtividade não sobe?
A produtividade sempre foi o nosso calcanhar de Aquiles…
E por que não sobe? Dizíamos que era por falta de qualificação das pessoas, agora as pessoas são mais qualificadas e a produtividade continua a não crescer.
É culpa de quem?
É culpa do sistema todo. Quem gere as empresas vai fazendo o que pode dentro do sistema que existe. É cada vez mais difícil fazer qualquer coisa por questões ligadas à burocracia, justiça, fiscalidade, alterações constantes de regras e de legislação de trabalho. Há cada vez mais mais regras para cumprir. O que uma empresa pequena tem de fornecer em termos de informação ao Estado, aos mais diversos departamentos sobre variadíssimos aspetos da sua atividade é uma coisa impressionante.
É uma espécie de Big Brother?
Pois e, ainda por cima, parece que não serve para nada. Porque quando a empresa precisa de alguma coisa tem que ir buscar certidões ou outra informação qualquer que precisa.
Criticou a legislatura laboral, mas o Bloco de Esquerda em troca da aprovação do Orçamento do Estado que acabou por ser chumbado pediu para fazer uma série de alterações. Se isso fosse para a frente seria catastrófico?
Com certeza que era. Aliás, na minha opinião, a legislação laboral deveria ter sido mais liberalizada do que foi. Mas querer governar um país com o apoio do Bloco de Esquerda dá nisso.
Sempre foi uma das vozes críticas em relação à gerigonça. Mas de acordo com as sondagens voltamos a correr o risco desse cenário…
Se calhar corremos esse risco e é, por isso, que temos pouco crescimento, pouco investimento empresarial e temos poucos projetos a arrancar. Temos muito pouco investimento estrangeiro, muito menos do que aquele que deveríamos ter. Desperdiçamos oportunidades todos os dias há não sei quanto anos.
Chegou a dizer que o Orçamento do Estado que acabou por ser chumbado seria o pior dos últimos anos…
Tenho uma grande dificuldade em perceber o regime político-económico em que vivemos, porque temos dois objetivos completamente contraditórios. Por um lado, vivemos dentro de uma união económico-monetária, onde o nível de emprego e o nível dos salários é fixado fundamentalmente pela competitividade externa do país, nomeadamente face aos nossos concorrentes da União Europeia. Por outro lado, há um conjunto de políticas e um conjunto de preferências que, entretanto entrou na cabeça dos eleitores que vão muito no sentido igualitário, independentemente das diferenças entre as pessoas, o que acaba por significar uma anulação de qualquer estímulo ao progresso e à aprendizagem ao longo da vida e que são coisas que são cada vez mais necessárias. Além disso, temos um nível de tributação que é muito desincentivadora da progressão profissional e do investimento. Não só penaliza as empresas, como também penaliza os quadros mais diferenciados. A partir de um nível relativamente baixo de ordenados, cada aumento que há, uma grande parte vai para o Estado em termos de IRS e de Segurança Social e essa fatia acaba por ser maior do que aquilo que a pessoa recebe. E ninguém quer mexer nisso, porque esses não são normalmente eleitores do BE ou do PCP ou do PS. Também não sei o que é que o PSD vai propor nessa área. Se vamos assistir de facto a uma verdadeira tentativa de apresentar propostas um pouco diferenciadoras daquelas que existem e que possam servir para balizar qualquer discussão que eventualmente haja entre o PS e o PSD ou se de facto só temos dois partidos que acham que é preciso mudar bastante a economia do país que é o Iniciativa Liberal e o Chega. São os únicos que são contra a continuação deste estado de coisas e a favor de mudanças bastante significativas.
Uma das bandeiras do Iniciativa Liberal diz respeito à liberalização da economia…
E o Chega também.
Mas aí estamos a falar de posições mais extremistas…
Há que ter tanto como tem o Bloco de Esquerda ou o Partido Comunista. Há alguém normal ou uma percentagem normal de pessoas que possa ambicionar viver num regime comunista? As pessoas fogem disso. Assisti às filas das pessoas que passavam da Hungria para a Áustria quando o muro caiu. Era uma coisa impressionante: uns carrinhos a cair de podres carregados de bagagens e as pessoas passavam para o outro lado, sem saberem para onde é que iam. Queriam era fugir daquilo. Alguém pode querer uma coisa daquelas?
Mas a esquerda portuguesa não é tão radical…
É porque são manhosos, só por causa disso. Acha que é possível ter um comunismo como? Não conheço nenhuma versão soft, com certeza que não será aquela como se vive na Venezuela ou em Cuba. Quanto ao Chega, nas propostas que apresentam, o único aspeto em são mais fortes é no que diz respeito às pessoas que não trabalham e que vivem à custa do sistema.
Os tais portugueses que vivem à custa do rendimento mínimo…
É muito compreensível. As pessoas que inspecionam os rendimentos mínimos têm medo de ser agredidas ou de lhes fazerem mal às famílias. Estamos a falar de pessoas que quando entram nisso nunca mais saem.
É melhor fechar os olhos?
Claro. Quem é que paga o suficiente a uma funcionária da Segurança Social para esta se sujeitar a que lhe furem os quatro pneus do carro ou a que persigam a sua filha?
No caso da Iniciativa Liberal acena com o fim da presença do Estado em empresas como a TAP, a Caixa Geral de Depósitos, entre outras..
A TAP vai continuar a ser um buraco. Há anos que não consegue viver em termos autónomos. Tem uma dimensão que é excessiva para o país e o risco empresarial associado é muito grande.
Ainda assim, a própria CEO da TAP acredita que, em breve, a empresa é sustentável sem ajuda do Estado…
Não sei, Deus queira que sim. Mas acho que tem mesmo de ser Deus a querer porque só a CEO da TAP não deve chegar. As previsões internacionais são que o tráfego aéreo não vai recuperar plenamente antes de 2024.
E como vê as sugestões que têm sido feitos em torno de criar um Bloco Central?
Acho que já tem existido esse Bloco Central na manutenção de uma série de coisas más. O não haver mudanças na justiça só é possível porque o PSD e o PS em conjunto não querem mexer naquela estrutura. Esse aspeto é muito grave, tem custos reputacionais para o país difíceis de aceitar. Não é possível ter um ex-primeiro-ministro preso e depois aguardar julgamento durante estes anos inteiros e a maior parte das pessoas estarem convencidas de que ele não vai ser condenado por nada. Nunca vi nenhuma mudança ser feita por acordo com o Partido Socialista. E nas experiências anteriores de Bloco Central também não se fizeram reformas estruturais. A única altura em que se fizerem reformas estruturais foi com a troika e foi por condicionamento externo. Nunca foi fruto de um acordo entre o PS e o PSD. O PS tem uma posição privilegiada em Portugal, em que não é possível mexer na Constituição sem o acordo deles, se não não há maioria de dois terços, a partir daí, não vejo muito bem o que se pode ganhar.
E se tivesse sido Paulo Rangel a ganhar?
No tempo de Passos Coelho também Paulo Rangel criticava Pedro Passos Coelho. Acho que são todos muito oportunistas e curto prazistas. Mas as pessoas, pelos vistos, gostam disso.
Agora assistimos à detenção de João Rendeiro e mais recentemente à de Manuel Pinho. Rui Rio diz que isso só acontece por estarmos em vésperas de eleições. Também acha o mesmo?
Não sei. Como eventualmente saberá meti-me nesse assunto com declarações sérias e graves em 1995, salvo erro. Não teve consequência nenhuma, ninguém quis saber da corrupção ligada à vida económica. Dizia que não podíamos continuar assim, o que é certo é que continuamos e deu estes resultados todos.
Desde 1995 até agora passaram-se muitos anos. É um assunto que ninguém quis mexer?
Exatamente. E o Presidente da República não mexe e o anterior também não mexeu. Conclusão, ninguém mexe. É muito desmoralizante o efeito para o cidadão normal ter a sensação de que quem se porta mal safa-se e quem trabalha todos os dias não ganha nada com isso. Isso é um estado de espírito do pior que há. Há impunidade, não há valorização por mérito. Ou seja, o mérito não é recompensado e as pessoas têm pouca vantagem em melhorar. Não tenho dúvida nenhuma que se tivéssemos uma economia mais liberal, se tivéssemos um mercado de capitais a funcionar que haveria muita coisa a fazer em Portugal porque temos muita coisa boa, não temos é em quantidade suficiente para compensar aquelas que vão morrer com o passar do tempo. As empresas, muitas delas perdem vocação porque passam a existir outras coisas. É preciso que apareçam coisas novas e isso normalmente é feito ou por empresários já existentes que têm capital ou recorrem ao mercado de capitais ou por empresários novos que conseguem financiamento para andar para a frente.
Mas para isso é preciso financiamento…
Por um lado, a nossa banca tem muito poucas possibilidades de fornecer capital de risco à economia. Por outro lado, sempre se opôs a um desenvolvimento do mercado de capitais. Para desenvolver um mercado de capitais e para as pessoas estarem dispostas a correr risco nessa área era necessário que houvesse mais confiança na justiça – quem se portasse mal no mercado de capitais tinha que ser castigado fortemente – e tínhamos que ter uma tributação que fosse favorável e compensasse as pessoas que querem correr esse risco. E o que se falou nos últimos seis anos foi em tributação das mais-valias, englobamentos, etc., ou seja, cada vez é menos atraente fornecer capital de risco para modernização e assim não há investimento. Isto é em relação às coisas novas. Em relação às coisas existentes todas as economias europeias têm empresas que nascem, que vivem e que morrem e têm dentro dessas empresas, muitas vezes, em setores que estão a andar bem, uma necessidade de mudança de geração. Basta que os proprietários atuais não estejam interessados em continuar, mas isso, em Portugal é complicadíssimo de se fazer. Outra vez por causa da tributação porque quem vende vai pagar imensas mais valias, quem compra não pode amortizar e também isso é inconveniente, ao contrário do que acontece em Espanha, em que não é tributado. Na Alemanha há centenas de empresas de consultoria e milhares de consultores especializados em sucessão familiar e isso garante que quando uma geração está a chegar ao fim da sua vida profissional pode sair, mas encontra-se uma solução para quem entra e a empresa continua e não se desperdiça capital. Uma empresa quando acaba, o que se estraga é impressionante. Os equipamentos passam a não valer nada, os edifícios não são adaptados, as equipas que estavam a funcionar desmancham-se. É muito mau, mas isso é o que acontece aqui. Temos um conjunto de empresas que ainda não recuperaram e estão mais ou menos sustentadas pelo sistema financeiro para não fecharem e para não criarem um aumento muito grande da taxa de desemprego. A certa altura quase 10% do emprego está em empresas chamadas zombie. A banca tem estado a apagar dos seus balanços cerca de quatro mil milhões de euros por ano, enquanto continuamos a falar da miragem do Banco de Fomento.
Mas o Banco de Fomento está contemplado na bazuca…
Mas tem imensas limitações em relação ao empréstimo de dinheiro. Até porque, a União Europeia nunca gostou muito da ideia. Temos uma tendência para ensaiar um caminho e mesmo que corra mal não mudamos e continuamos na mesma.
Dá a sensação que nunca aprendemos a lição?
Não, porque existe uma série de pessoas, em que não se pode mexer. Uns porque são nossos amigos, outros são conhecidos de outros e ninguém os quer tirar de lá. E aquilo vai-se mantendo. Esta questão da modernização e do investimento é fundamental para termos crescimento. Não é normal não crescermos praticamente há mais de 20 anos, num mundo em crescimento e depois de termos passado um período de conjuntura alta, como aquela que se viveu nos últimos anos. Fomos ultrapassados por quase todos os países da União Europeia. Então o mundo para eles era bom e para nós era mau? E não se consegue perceber se continuarmos assim que os melhores saem? Acho que o país deixou de fazer sentido em termos das decisões que tomam coletivamente. Um desses exemplos é o que vive no sistema de saúde. Ninguém tem dúvidas que os portugueses dão uma grande importância à saúde. Então é normal que não haja um planeamento a médio e longo prazo que tome em linha de conta a necessidade de pagar de uma forma diferente aos profissionais de saúde sob o risco de eles se irem embora?
Viu-se isso com a pandemia…
Porque demagogicamente também se reduziram os horários. A juntar a isso saíram muitos profissionais. Não nos podemos esquecer que há livre circulação de pessoas dentro da União Europeia.
Não se pode obrigar a ficarem cá…
Mas já surgiram algumas ideias nesse sentido: ‘Como é o Estado que os forma deviam ter uma obrigação de permanência de não sei quantos anos’. Está tudo maluco. Além de que é ilegal face a todos os nossos compromissos internacionais.
E como vê o aumento do salário mínimo. É mais uma medida emblemática a pensar nas eleições?
Claro que é. A Concertação Social é uma palhaçada, onde todos continuam a participar e não percebo porquê. Há pouco tempo as confederações patronais ficaram muito ofendidas e afastaram-se durante uma ou duas semanas, mas depois voltaram sem garantias nenhumas, sem terem aproveitado para levantarem um conjunto de problemas e levaram logo com o teletrabalho nas “trombas”. Esse tema não foi à Concertação Social porquê? Se era assim um tema tão importante por que não se discutiu? Por que os partidos e os deputados só estão interessados em fazer coisas que lhes pareça que dão primeiras páginas positivas nos jornais. O desenvolvimento do país ou os efeitos que isso tem é uma coisa que não lhes interessa nada.
Mas com este aumento estamos a aproximar o salário mínimo dos médios…
Exatamente, mas nesse aspeto estamos a tornar-nos num país comunista. Qualquer dia, o médio, o máximo e o mínimo é tudo igual. E em relação ao setor privado há muitas atividades que deixam de se poder fazer, porque como não crescemos vamos perdê-las. Temos aqui trabalhos na fábrica, que se o salário subir acima de um certo nível há coisas que deixamos de fazer, porque deixa de valer a pena. Agora as pessoas que têm menor qualificação vão fazer o quê? Vão para o subsídio de desemprego. Quem é que não pode fugir do salário mínimo? São as instituições de solidariedade social, são muitas atividades ligadas à área da saúde e da Segurança Social e dos lares. Como vão pagar esse aumento? Para outras empresas, a partir de determinada altura robotizam. Aliás, a subida dos salários nos Estados Unidos parou há uns anos – se calhar vai voltar a haver uma tentativa de subir – quando disseram que daí para cima estava tudo preparado para passarem a fazer essas funções com robot. No caso do consumo, a maior parte das pessoas vai-se habituar rapidamente a isso, em alguns aspetos há softwares que podem facilitar algumas coisas. Por exemplo, entra num supermercado e quando sai já debitaram a conta no seu cartão.
Nessa altura entram os sindicatos…
Mas lá fora não têm grande peso e cá vai ser uma questão de tempo. Podem existir o que chamamos de custos de fricção, mas depois as pessoas habituam-se. Há de reparar que as companhias de aviação tentam passar para os passageiros uma parte do trabalho. Quem é que faz hoje o check-in na maior parte dos casos? São os passageiros que também levam a mala para o avião. Com o aumento que houve de tráfego aéreo isso resolveu-se, nos últimos anos, fundamentalmente através da automatização de todas essas tarefas.
Isso significa que os sindicatos têm os dias contados?
Só contam para a Função Pública, mas é porque descontam e entregam-lhes a verbas. Uma das primeiras partes do acordo de António Costa com o PCP foi voltar atrás em praticamente tudo o que era modernização dos transportes e continuaram a ter uma posição determinante para poderem parar a travessia do Tejo e outras coisas desse género. E o interesse dos que moram da outra banda não querem saber.
Disse recentemente que ‘Portugal é um país muito decadente e podia não ser’…
Não crescer gera decadência. Um país que, a certa altura, continua centrado nas mesmas atividades é um país decadente. É um filme a preto e branco. É uma coisa que não se moderniza. Para mim, passar a haver três mil tuk-tuks em Lisboa não é um sinal de modernidade. O que digo é que há muitas atividades novas, onde podíamos ter uma participação muito maior do que temos, apesar de termos pessoas qualificadas nessas áreas. Temos pessoas ótimas na área da informática e depois temos muito poucas empresas e pouca atividade nessa área. E temos uma quantidade enorme dessas pessoas que vão para o estrangeiro.
Há uma falta de aposta?
E também uma falta de capital. O país queima dinheiro a uma velocidade impressionante em coisas que não são úteis
É o caso do PRR?
A orientação estratégica geral fez-me muita confusão e depois há ali um conjunto de objetivos que são politicamente corretos, como é o caso da transição climática, em que queremos mudar completamente a forma de energia quando somos um país muito pouco poluente e quando 80% continua a poluir.
É a necessidade de quereremos ser bons alunos?
Mas isso é uma saloiice, um provincianismo o de querer ficar bem na fotografia. A ideia de querer mudar todas as nossas centrais não faz sentido quando já se sabe que não há capacidade de produzir eletricidade suficiente para uma eletrificação tão grande como se ambiciona do parque automóvel. Há grandes dúvidas que para pequenas quilometragens anuais – que é o que faz a maior parte das pessoas – seja até ambientalmente positivo. No entanto, levantam-se dúvidas e tudo continua na mesma. Depois uma das coisas que mais me faz impressão é a parte da produção agrícola, se calhar por também estar ligado a esse setor, em que tivemos uma resposta da produção muito positiva nos últimos anos. Não em termos quantitativos mas o facto de terem entrado mais atividades novas, com mais valor acrescentando, melhores preços, muito exportados e muito competitivos nos mercados externos. Mas é evidente que vamos ter problemas de água e criou-se uma guerra contra as barragens que também é muito alimentada pelos países do norte da Europa porque não querem que os do sul façam regadio e nós desistimos completamente. Temos o problema do Tejo para resolver, de reforçar a área no Guadiana e andamos a desculpar-nos com as abetardas. O Instituto da Conservação da Natureza nem sequer sabe onde é que estão as abetardas, mas o que é certo é que milhares de hectares podiam ser regados e não o estão a ser por causa das abetardas. E já viu como estão a subir os preços dos cereais e de uma série de coisas que são essenciais para a alimentação? Os cereais subiram 30 a 40%. Capoulas Santos quis lançar um apoio aos cereais porque produzimos cerca de 15% do que consumimos e foi boicotado de todas as maneiras possíveis e imaginárias.