O Expresso organizou recentemente um painel de debate sobre os resultados da “Avaliação do Contributo do Portugal 2020 para a Promoção do Sucesso Educativo, Redução do Abandono Escolar Precoce e Empregabilidade dos Jovens”. O relatório, que pode ser porventura demasiado otimista em alguns aspetos, convoca reflexões importantes sobre o sistema educativo e o seu financiamento. Aqui fica um contributo.
Conquistas como a redução da taxa de retenção, melhorias na taxa de desemprego jovem ou na diminuição do abandono escolar precoce refletem muito mais do que simplesmente a aplicação de fundos europeus, como parece indiciar o citado relatório. Devem-se a uma alteração significativa na política educativa e também a uma alteração das condições socioeconómicas das famílias.
Tome-se como exemplo a retenção. O relatório do Estado da Educação de 2016 destaca como dado adquirido a persistência de uma “cultura de retenção”: “Portugal é o país que mais utiliza a retenção escolar dos alunos. Esta situação verifica-se logo no início do percurso escolar”.
Esta “cultura” – muito estimulada nos tempos de Nuno Crato – baseava-se na crença enraizada de que a retenção está associada à exigência, escondendo uma realidade mais complexa. Em primeiro lugar, a “falta de equidade desta prática, uma vez que os alunos que repetem são principalmente provenientes de classes socioeconómicas mais desfavorecidas”. Em segundo, que chumbar dificulta as possibilidades de recuperação. Serve mais para selecionar quem progride do que para olhar para quem fica para trás.
Ao longo do tempo tornou-se claro que estas taxas artificiais de retenção não batiam certo com os resultados da escola pública em estudos internacionais. O que esses estudos deixam claro, e o PISA de 2018 confirma, é que “Portugal é um dos países com maior disparidade económica, social e cultural para explicar a diferença entre os resultados dos alunos mais favorecidos e menos favorecidos.”
Uma economia baseada na precariedade e nos baixos salários leva a uma desvalorização da escola pelas camadas da população mais excluídas socialmente. Essa descrença é agravada sempre que um aluno, em vez de ter o devido apoio social e pedagógico, fica para trás.
No que cabe à educação, a chave está na capacidade do sistema para lidar com a rápida diversificação e transformação da população escolar que decorre do prolongamento da escolaridade obrigatória. Medidas como a flexibilidade curricular ou o programa nacional de promoção do sucesso escolar foram um passo no sentido certo mas é preciso dar outros. Houve uma democratização no acesso mas quem vive em contextos sociais mais desfavorecidos tem obstáculos acrescidos na busca do sucesso escolar.
Os cursos profissionais têm sido apresentados como solução para estes alunos, e muitas vezes são. Como refere o estudo, “os cursos profissionais permitem que alunos oriundos de famílias com menos recursos e outros preditores de insucesso (sem equipamento informático, menos escolarizados, imigrantes) consigam cumprir o objetivo da escolaridade obrigatória”. Há benefícios. Mas é inegável que existe o risco da segmentação do ensino com base na origem social.
A merecida valorização do ensino profissional tem ficado refém desta evidência, assim como da instabilidade do financiamento, da fraca valorização dos recursos humanos ou do difícil acesso ao Ensino Superior.
A via profissional é uma via de ensino que deve ser valorizada por si, pelo valor de qualificação que traz à sociedade. Também por isso é importante questionarmo-nos por que razão a via científico-humanística não oferece as necessárias condições de igualdade e fica o ensino profissional com o peso dessa responsabilidade constitucional da Escola Pública.
Ainda sobre o impacto dos fundos europeus, neste particular, há realmente um debate a fazer sobre o papel dos fundos comunitários. Todo o ensino profissional e artístico especializado em territórios elegíveis está dependente de financiamento europeu, e o FSE é em 90% absorvido por estas vias. Será que ainda podemos falar em “valor acrescentado” ou estamos perante uma substituição das responsabilidades de investimento do Estado? É assim que se quer valorizar os cursos profissionais ou dar-lhe um estatuto de igualdade com outras vias de continuidade de estudos?
No caso da educação, venha bazuca ou bombinha, era importante que antes tivéssemos claro para que serve.