A Carta dos Direitos do Estado Português na Era Digital


É, simplesmente, o regresso do velhinho lápis azul sempre pronto e afiado a cortar texto e a quartar a liberdade de expressão e a limitar, objectivamente, o pensamento livre do cidadão, embora tecnologicamente renovado, e apresentado sob um novo formato digital.


Tem sido um autêntico reboliço toda a história à volta da nova lei da censura proposta pelo PS e PAN e aprovada – sem nenhum voto contra – na Assembleia da República, com os votos favoráveis de 228 deputados de todas as bancadas parlamentares (PS, PSD, PAN, PCP-PEV, BE e das duas deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues), tendo apenas os dois deputados únicos dos partidos Chega e Iniciativa Liberal (IL) se abstido nessa mesma votação final que consagrou, em letra de lei, a pretensão de tornar mais restritiva a difusão e propagação de "fake news" no mundo virtual da web, vulgo internet, à qual atribuíram uma pomposa e inatacável denominação de "Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (CPDHED)".

A ideia de tão pretensiosa "Carta" é a implementação, em Portugal, de um suposto e muito dúbio plano europeu de acção contra a desinformação que visa "proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação”.

Ora bem, para que o Estado português possa efectivamente garantir a execução pronta dessa tal protecção, diz-nos a “Carta”, por uma lado, que “todos têm o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) queixas contra as entidades que pratiquem os actos legalmente previstos”. E que o mesmo Estado português, por outro lado, “apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados” em que, para tal, “incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”. Portanto, como o leitor facilmente perceberá, o Estado português, através de uma tutela governamental, estará em todo o processo de verificação da "verdade". Logo se conclui que isto é uma forma insofismável de censura institucionalizada!

É, simplesmente, o regresso do velhinho lápis azul sempre pronto e afiado a cortar texto e a quartar a liberdade de expressão e a limitar, objectivamente, o pensamento livre do cidadão, embora tecnologicamente renovado, e apresentado sob um novo formato digital.

Naturalmente que após esta votação na Assembleia da República, e da notícia da mesma, gerou-se na sociedade civil uma indignação generalizada acompanhada de uma avalanche de críticas – às quais me associei – contra esta lei e tudo aquilo que ela representa em termos de restrições e de diminuição evidente dos direitos, liberdades e garantias que, supostamente, uma tal Carta de Direitos Humanos visaria (se fosse séria) defender e acautelar.

No meio dos inúmeros processos de intenção – aparentemente benignos e incontestáveis – que compõem esta lei, por exemplo, princípios como o “direito ao esquecimento” que visa garantir aos cidadãos o direito a que os seus dados possam ser apagados da internet, o “direito à cibersegurança” que deve ser assegurado pelo Estado através de políticas públicas ou, ainda, o “direito à protecção contra a geo-localização abusiva”. A verdade, porém, é que consta no seu artigo 6.° o tal “direito à protecção contra a desinformação”…

Com efeito, o deputado único e presidente da Iniciativa Liberal João Cotrim de Figueiredo – numa atitude frontal de enorme dignidade que só o engrandece política, ética e moralmente – acabou por assumir ao "Observador" estar arrependido de se ter abstido na votação final do referido diploma, reconhecendo que a abstenção fora um erro e que deveria, antes, ter mantido o voto (contra) que deu na primeira votação, na generalidade.

«Devo dizer que, em retrospectiva, acho, de facto, que devíamos ter mantido o voto contra e a razão pela qual não o fizemos foi que olhámos para esta Carta e para as melhorias que entretanto tinham sido introduzidas e achámos que na regulamentação iria estar o problema e que, nessa altura, já que não tínhamos tido sucesso ao lançar a polémica logo em Outubro, voltaríamos à carga. Em retrospectiva acho que deveríamos ter feito de forma diferente e aí estamos a fazer: o primeiro partido a propor a revogação do artigo».

Entretanto a IL já tinha feito saber publicamente que pretende ver revogado esse perigoso e inaceitável artigo 6.° do diploma em causa. Isto independentemente do voto de abstenção não ter sido, antes, um voto contra, pois mesmo que tal assim tivesse ocorrido, como está bem de ver pela quantidade de votos favoráveis, não mudaria o resultado final da aprovação e posterior entrada em vigor da CPDHED como lei da República.

Aliás, a este propósito, a IL não só tinha já votado contra a “Carta” na primeira votação (na generalidade), tendo, inclusive, o deputado João Cotrim de Figueiredo dito que o documento se tratava de uma “desculpa mal disfarçada para aprovar instrumentos avulsos de monitorização e controlo digital dos cidadãos por parte do Estado“.

Posto isto, a verdade dos factos é que, até ao momento, esta postura assumida pelo senhor deputado e líder da Iniciativa Liberal, face ao diploma em questão, é a única de entre os 230 deputados de todos os partidos políticos representados na Assembleia da República. E isso, para mim, enquanto liberal e democrata, é motivo mais do que suficiente para ser enaltecido e destacado!

De facto, esta lei é, tal como muito bem afirmou o líder liberal, uma completa passadeira ao regresso da institucionalização da censura no nosso país e "um passo para se criar um Ministério da Verdade”.

O Governo do Partido Socialista, realmente, parece estar sempre mais preocupado com as ameaças para com o próprio Estado – que muitas vezes se confunde com o partido do Primeiro-Ministro – do que com as crescentes e muito preocupantes ameaças do Estado para com os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos.

Para um democrata, liberal ou de outras correntes ideológicas, digno desse qualificativo, esta lei não pode, jamais, ser aceitável de maneira alguma. Não poderá ser o Estado a dotar de selos de qualidade ou do que quer que seja, estruturas de verificação de factos com o objectivo óbvio de pretender controlar a opinião dos cidadãos expressada, publicamente, através da internet ou de qualquer outro meio ao seu dispor.

Os restantes 229 deputados eleitos pelo povo português que o representam no Parlamento têm agora uma nova oportunidade para, querendo, corrigirem esta grosseira limitação da nossa liberdade de expressão, travando de imediato este perigoso precedente censório, totalmente inaceitável em democracia, abolindo todo o artigo 6.º da já famosa (não pelas melhores razões) Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital que sendo, na verdade, uma Carta Portuguesa, não é, no entanto, de Direitos Humanos coisíssima nenhuma… Na realidade isto é, sim, uma verdadeira Carta dos Direitos do Estado Português na Era Digital e um autêntico manifesto fundador de um futuro Ministério da Verdade que, por sua vez, será o promotor do derradeiro e alucinante Ministério do Pensamento!

Jurista.  

Escreve de acordo com a antiga ortografia.        


A Carta dos Direitos do Estado Português na Era Digital


É, simplesmente, o regresso do velhinho lápis azul sempre pronto e afiado a cortar texto e a quartar a liberdade de expressão e a limitar, objectivamente, o pensamento livre do cidadão, embora tecnologicamente renovado, e apresentado sob um novo formato digital.


Tem sido um autêntico reboliço toda a história à volta da nova lei da censura proposta pelo PS e PAN e aprovada – sem nenhum voto contra – na Assembleia da República, com os votos favoráveis de 228 deputados de todas as bancadas parlamentares (PS, PSD, PAN, PCP-PEV, BE e das duas deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues), tendo apenas os dois deputados únicos dos partidos Chega e Iniciativa Liberal (IL) se abstido nessa mesma votação final que consagrou, em letra de lei, a pretensão de tornar mais restritiva a difusão e propagação de "fake news" no mundo virtual da web, vulgo internet, à qual atribuíram uma pomposa e inatacável denominação de "Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (CPDHED)".

A ideia de tão pretensiosa "Carta" é a implementação, em Portugal, de um suposto e muito dúbio plano europeu de acção contra a desinformação que visa "proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação”.

Ora bem, para que o Estado português possa efectivamente garantir a execução pronta dessa tal protecção, diz-nos a “Carta”, por uma lado, que “todos têm o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) queixas contra as entidades que pratiquem os actos legalmente previstos”. E que o mesmo Estado português, por outro lado, “apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados” em que, para tal, “incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”. Portanto, como o leitor facilmente perceberá, o Estado português, através de uma tutela governamental, estará em todo o processo de verificação da "verdade". Logo se conclui que isto é uma forma insofismável de censura institucionalizada!

É, simplesmente, o regresso do velhinho lápis azul sempre pronto e afiado a cortar texto e a quartar a liberdade de expressão e a limitar, objectivamente, o pensamento livre do cidadão, embora tecnologicamente renovado, e apresentado sob um novo formato digital.

Naturalmente que após esta votação na Assembleia da República, e da notícia da mesma, gerou-se na sociedade civil uma indignação generalizada acompanhada de uma avalanche de críticas – às quais me associei – contra esta lei e tudo aquilo que ela representa em termos de restrições e de diminuição evidente dos direitos, liberdades e garantias que, supostamente, uma tal Carta de Direitos Humanos visaria (se fosse séria) defender e acautelar.

No meio dos inúmeros processos de intenção – aparentemente benignos e incontestáveis – que compõem esta lei, por exemplo, princípios como o “direito ao esquecimento” que visa garantir aos cidadãos o direito a que os seus dados possam ser apagados da internet, o “direito à cibersegurança” que deve ser assegurado pelo Estado através de políticas públicas ou, ainda, o “direito à protecção contra a geo-localização abusiva”. A verdade, porém, é que consta no seu artigo 6.° o tal “direito à protecção contra a desinformação”…

Com efeito, o deputado único e presidente da Iniciativa Liberal João Cotrim de Figueiredo – numa atitude frontal de enorme dignidade que só o engrandece política, ética e moralmente – acabou por assumir ao "Observador" estar arrependido de se ter abstido na votação final do referido diploma, reconhecendo que a abstenção fora um erro e que deveria, antes, ter mantido o voto (contra) que deu na primeira votação, na generalidade.

«Devo dizer que, em retrospectiva, acho, de facto, que devíamos ter mantido o voto contra e a razão pela qual não o fizemos foi que olhámos para esta Carta e para as melhorias que entretanto tinham sido introduzidas e achámos que na regulamentação iria estar o problema e que, nessa altura, já que não tínhamos tido sucesso ao lançar a polémica logo em Outubro, voltaríamos à carga. Em retrospectiva acho que deveríamos ter feito de forma diferente e aí estamos a fazer: o primeiro partido a propor a revogação do artigo».

Entretanto a IL já tinha feito saber publicamente que pretende ver revogado esse perigoso e inaceitável artigo 6.° do diploma em causa. Isto independentemente do voto de abstenção não ter sido, antes, um voto contra, pois mesmo que tal assim tivesse ocorrido, como está bem de ver pela quantidade de votos favoráveis, não mudaria o resultado final da aprovação e posterior entrada em vigor da CPDHED como lei da República.

Aliás, a este propósito, a IL não só tinha já votado contra a “Carta” na primeira votação (na generalidade), tendo, inclusive, o deputado João Cotrim de Figueiredo dito que o documento se tratava de uma “desculpa mal disfarçada para aprovar instrumentos avulsos de monitorização e controlo digital dos cidadãos por parte do Estado“.

Posto isto, a verdade dos factos é que, até ao momento, esta postura assumida pelo senhor deputado e líder da Iniciativa Liberal, face ao diploma em questão, é a única de entre os 230 deputados de todos os partidos políticos representados na Assembleia da República. E isso, para mim, enquanto liberal e democrata, é motivo mais do que suficiente para ser enaltecido e destacado!

De facto, esta lei é, tal como muito bem afirmou o líder liberal, uma completa passadeira ao regresso da institucionalização da censura no nosso país e "um passo para se criar um Ministério da Verdade”.

O Governo do Partido Socialista, realmente, parece estar sempre mais preocupado com as ameaças para com o próprio Estado – que muitas vezes se confunde com o partido do Primeiro-Ministro – do que com as crescentes e muito preocupantes ameaças do Estado para com os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos.

Para um democrata, liberal ou de outras correntes ideológicas, digno desse qualificativo, esta lei não pode, jamais, ser aceitável de maneira alguma. Não poderá ser o Estado a dotar de selos de qualidade ou do que quer que seja, estruturas de verificação de factos com o objectivo óbvio de pretender controlar a opinião dos cidadãos expressada, publicamente, através da internet ou de qualquer outro meio ao seu dispor.

Os restantes 229 deputados eleitos pelo povo português que o representam no Parlamento têm agora uma nova oportunidade para, querendo, corrigirem esta grosseira limitação da nossa liberdade de expressão, travando de imediato este perigoso precedente censório, totalmente inaceitável em democracia, abolindo todo o artigo 6.º da já famosa (não pelas melhores razões) Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital que sendo, na verdade, uma Carta Portuguesa, não é, no entanto, de Direitos Humanos coisíssima nenhuma… Na realidade isto é, sim, uma verdadeira Carta dos Direitos do Estado Português na Era Digital e um autêntico manifesto fundador de um futuro Ministério da Verdade que, por sua vez, será o promotor do derradeiro e alucinante Ministério do Pensamento!

Jurista.  

Escreve de acordo com a antiga ortografia.